Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
A Internacional comunista e suas três mortes aparentes

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de junho de 1945, N. 669, pag. 5

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Diante da nova tática adotada pela propaganda comunista torna-se interessante uma recordação do que foi o agir da Internacional desde o seu nascimento na primeira metade do século passado. Essa breve incursão histórica nos mostrará que tal mudança de bordo não atingiu a essência do programa revolucionário, que quer impor ao mundo o Estado totalitário socialista, ficando apenas em sua periferia - e quando toca em alguns pontos de importância, como a noção da Pátria e de Religião (quem disse que o comunismo já foi inimigo da ideia de Pátria e de Religião?) é apenas de modo transitório, à espera de melhores tempos em que toda sua peçonha possa de novo ser lançada sobre a humanidade. Passemos, portanto, à exposição sumária da obra das Internacionais.

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Um dos fatos mais graves no domínio social foi certamente a organização da Internacional ou Sociedade Internacional dos trabalhadores de todos os países.

O antagonismo entre a burguesia e as classes operárias data da Revolução Francesa. Depois disso, com efeito, vê-se com frequência a oposição dos proletários aos capitalistas, dos que não possuem contra os que possuem.

De 1830 a 1848, os proletários se organizam em diversos países, principalmente na Alemanha. No mês de novembro de 1847, os socialistas alemães se reuniram em Londres. O ato principal dessa conferência foi a convocação de um congresso internacional de trabalhadores em Bruxelas para o ano de 1848. Mas a derrota sofrida em França pela revolução nas jornadas de junho de 1848, impediram a realização do congresso.

Em 1850, várias cidades da Alemanha já possuíam associações operárias que se chamavam pelo nome significativo de comunas. Os chefes da conspiração eram Engels e Marx. Havia uma caixa central, alimentada pelas contribuições dos diversos membros e das comunas. À testa de seu programa lia-se este apelo: “Proletários de todos os países, uní-vos!”

Em 1862, essa associação tomou um grande impulso com o nome definitivo de Associação Internacional dos Trabalhadores. Os chefes se aproveitaram da Exposição Universal de Londres para ver e alistar os trabalhadores vindos dos quatro cantos do mundo. Foi então declarado que “os interesses dos proletários” eram “solidários por todo o universo”, e que se tornava necessário “organizar uma associação internacional para presidir a defesa de seus direitos comuns”. Começou a haver, então, internacionalistas em todas as nações; mas a Internacional não tinha ainda organização final.

A primeira Internacional

Nos anos seguintes, os chefes do movimento e especialmente Marx trabalharam para chegar a essa organização. Houve, com esse fim, muitos entendimentos e confabulações. Afinal, em 1864, uma grande assembleia de trabalhadores de todos os países se reuniu no Saint Martin's Hall de Londres, e nomeou um comité de cinquenta membros que deviam permanecer na capital inglesa para elaborar os estatutos da sociedade.

Mazzini propôs ao comitê um manifesto e um projeto de estatutos que foram rejeitados.

Marx apresentou um outro projeto de manifesto e de estatutos, os quais foram adotados por unanimidade.

Esse manifesto e esses estatutos serviram de base à associação. O ato tomou de início o nome de Pacto fundamental. Solenemente aprovado pelos chefes reunidos em congresso em Genebra no ano de 1866, tomou o nome de Estatutos Gerais. Foi esse documento que, de início, orientou a Internacional. Eis os seus consideranda e principais artigos:

“Considerando:

Que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores; que os esforços dos trabalhadores não devem tender a constituir novos privilégios (mantendo, por exemplo, a propriedade individual e a família), mas a estabelecer para todos os mesmos direitos e os mesmos deveres (suprimindo os direitos e os deveres especiais dos ricos e dos pobres, dos pais e dos filhos, dos sacerdotes e dos fiéis e submetendo todos os homens a direitos e deveres uniformes);

Que a escravização do trabalhador ao capital (pelo fato da propriedade individual) é a fonte de toda servidão política, moral e material;

Que, por esta razão, a emancipação econômica dos trabalhadores (pelo desaparecimento do capital, isto é, da propriedade individual), é o grande fim ao qual deve ser subordinado todo movimento político (isto é, as revoluções políticas devem servir como meios para se atingir a “grande liquidação social”);

Que todos os esforços feitos até aqui falharam pela falta de solidariedade entre os trabalhadores das diversas profissões em cada país e de uma união fraterna entre os trabalhadores dos diversos países;

Que a emancipação dos trabalhadores não é um problema simplesmente local ou nacional; que, pelo contrário esse problema interessa todas as nações civilizadas, estando em sua solução necessariamente subordinada a seu concurso teórico e prático;

Que o movimento que se articula entre os trabalhadores dos países mais industriais da Europa, fazendo nascer novas esperanças, dá uma advertência solene de não mais recair nos velhos erros e aconselha a conjugação de todos os esforços ainda isolados;

Pluralismo comunista

Por estas razões:

O Congresso da Associação Internacional de Trabalhadores, reunido em Genebra a 3 de setembro de 1866, declara que essa associação, bem como todas as sociedades ou indivíduos aderentes, reconhecerão, como sendo a base de sua conduta para com todos os homens, a verdade, a justiça, a moral (código da natureza), sem distinção de cor, de crença ou de nacionalidade (fora de toda religião e de toda pátria).

O Congresso considera como um dever reclamar não somente para os membros da Associação, os direitos do homem e do cidadão (a igualdade, a liberdade, a fraternidade maçônicas), mas ainda para quem quer que cumpra seus deveres (trabalhe para fazer reinar em toda a parte a liberdade, a igualdade e a fraternidade).

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O fim da Internacional é, portanto, estabelecer a igualdade entre operários e patrões, pobres e ricos, substituindo o capital ou a propriedade comum. “Nosso fim é a emancipação do trabalhador, a recondução, às mãos do trabalhador, do instrumento de trabalho” (La Révolution française, de 4 de abril de 1879). “A liberdade política sem a igualdade política, escreviam os chefes da Internacional aos operários da Espanha, nada significa, e a igualdade política sem a igualdade econômica não passa de uma trapaça e de uma armadilha. A verdadeira igualdade exige que todos tenham os mesmos direitos, e que tomem parte igualmente nos bens e nos recursos acumulados pelas gerações precedentes. Avante, pois! Marchemos para a revolução social!”

E segundo as decisões da assembleia que fundou a Liga dos trabalhadores agrícolas: “1º.) O monopólio da propriedade imóvel (em geral a existência da propriedade individual) é a causa de todos os males morais, políticos e sociais. 2º.) Para remediar esses males, o solo deve ser entregue a seu legítimo proprietário, que é o povo. 3º.) O Estado deterá o solo em suas mãos, em nome do povo. 4º.) Os proprietários que entregarem o terreno ao Estado devem ser indenizados por meio de rendas anuais. 5º.) O Estado proprietário do solo o alugará ou o cederá sob condições determinadas”. – “O congresso declara que todos os instrumentos e toda a matéria de trabalho devem ser retomados pela coletividade e permanecer entre suas mãos como propriedade indivisa e inalienável. Essa retomada deve ser empreendida por todos os meios possíveis” (declaração do Congresso socialista de Paris, em julho de 1880).

“A sociedade tem o direito, segundo pretendem esses sectários, de abolir a propriedade individual do solo e de reingressar o solo à posse da comunidade” (primeiro decreto do Congresso Internacionalista da Basiléia). “As máquinas devem pertencer aos trabalhadores e funcionar para seu lucro”. “As vias de comunicação, canais, caminhos, linhas telegráficas, devem pertencer à coletividade social; o mesmo com relação ao solo, às minas, pedreiras, jazidas de carvão de pedra” (primeiro e segundo decretos do Congresso Socialista de Bruxelas).

Aos olhos dos dirigentes da Internacional, portanto, o indivíduo é essencialmente inábil para exercer a função de proprietário; todos os bens pertencem e não podem deixar de pertencer ao corpo social: a propriedade privada é um roubo feito à comunidade. Torna-se necessário, como consequência, que sobre toda a superfície da terra a humanidade ou o Estado se torne o único proprietário do globo terrestre e de tudo que nele existe, e que os indivíduos sejam levados da condição de proprietários à de rendeiros ou usufrutuários.

Para estabelecer esse novo estado de coisas, a Internacional apela para todos os que não possuem, como mais fáceis de se deixarem seduzir por suas teorias. Ela se aplica em recrutar todos os proletários ou trabalhadores do mundo a fim de abolir a riqueza pelo proletariado, o capital pelo trabalho, e promover assim essa idade de ouro em que todos serão alimentados e mantidos pela comunidade, pelo Estado, único proprietário.

À frente desse movimento se acha o Conselho Geral, que é na Internacional o que as Grandes Lojas e os Grandes Orientes são para os institutos constituídos segundo seus ritos. É composto por trabalhadores que representam as diferentes nações.

Marx e a Comuna de Paris

De 1864 a 1870, a Internacional se desenvolveu muito, e abalou o mundo com os seus famosos congressos: o congresso de Genebra em 1866, o de Lausanne em 1867, o de Bruxelas em 1868, o da Basileia em 1869. Em todos eles, as mais revolucionárias moções se fizeram ouvir, sendo aceitas e aclamadas.

Em 1870 a Internacional foi a promotora da Comuna de Paris. Atribui-se mesmo a Marx o projeto de provocar um movimento socialista europeu: teria desejado que a Comuna fosse proclamada ao mesmo tempo em Paris e nas principais cidades alemãs. Mas esse plano não foi bem-sucedido. Mesmo em Paris a Comuna foi facilmente vencida.

Em 1873, uma grande divisão surgiu no seio da Internacional. No Congresso de Haia, vários partidários do estado de natureza, entre outros Bakounine, Guillaume e Schwitzgubel, se manifestaram contra a ditadura do conselho geral. Mas a maioria se pronunciou pela manutenção do conselho: aumentou mesmo suas atribuições, dando-lhe o poder de suspender, de revogar e de dissolver as secções e os comités recalcitrantes. A minoria não se submeteu, o que provocou sua excomunhão pela maioria (como mais tarde Trotsky seria excomungado por Stalin).

Bakounine e seus partidários arrastaram em sua defecção um grande número de comitês espanhóis, holandeses, franceses, ingleses e suíços. Organizaram uma nova associação internacional, a dos Anarquistas, sob a forma de uma simples federação sem Conselho geral e sem direção central: os congressos anuais passaram a ser o laço de união da federação, além da correspondência, mantida entre as secções nacionais e com o conselho federal do país designado para o próximo congresso.

Quanto à Internacional, de todas as sociedades secretas, continuou a ser a mais perigosa até a hora presente. “A ação da Internacional se faz sentir em toda a parte. O veneno de suas doutrinas corrói a vida social de todos os países. Cego é quem não vê sua influência no problema social, ou que se ri das utopias dos socialistas. No congresso de Gand se anunciou a criação de uma biblioteca socialista de três mil volumes. Não há país na Europa sem órgão socialista. A terminologia socialista é admitida em quase todas as reuniões operárias. As greves passaram ao estado de instituição, e tomam às vezes as proporções de uma insurreição. Nós atribuímos esses resultados mais à Internacional, ao socialismo ativo, que a todos os esforços reunidos dos doutores socialistas passados e presentes” (Winterer, “O socialismo contemporâneo”).

O que ela ameaçava antes de tudo, era o capital, isto é, a riqueza, ou, melhor ainda, a propriedade privada. Mas esses sectários não se contentavam em desejar abolir a propriedade. Declararam guerra a Deus: “Desejamos em política a república, em economia o socialismo, em religião o ateísmo” (o socialista Bebel no Reichstag). “A ideia de Deus é imoral, e absolutamente contrária a todo progresso” (O “Mirabeau”, órgão socialista belga).

Nessa fase inicial a Internacional e seus adeptos eram contra o governo, as forças armadas, a religião: “Não mais desejamos os governos, porque os governos nos esmagam com os impostos, e não desejamos mais impostos! Não queremos mais exércitos, porque os exércitos nos massacram! Não queremos mais religião, porque as religiões abafam a inteligência (Dupont no Congresso de Bruxelas).

Naqueles tempos a Internacional, com as unhas de fora, tentava uma transformação radical do estado social, desejando a supressão da família e da pátria e negando audaciosamente a Deus:

Negar a Deus é afirmar o homem, único e verdadeiro soberano de seus destinos; é matar o sacerdote e a religião. A negação da Divindade, é o homem que se afirma em sua força e em sua liberdade. Quanto à família, nós a repelimos com todas as forças em nome da emancipação do gênero humano. É à família que devemos a escravidão da mulher, o embrutecimento dos filhos. O filho pertence à sociedade e não aos pais. À sociedade é que incumbe instruí-lo, educá-lo, dele fazer um cidadão. Quanto aos pais, não devem senão produzí-lo. Negar a família é afirmar a independência do homem desde o berço, é arrebatar a mulher da escravidão em que a lançaram os padres e uma civilização apodrecida (a civilização do Evangelho). Quanto à pátria, nós a repudiamos, porque não aceitamos que se permita o estrangulamento dos homens em nome das nacionalidades. Todos os trabalhadores, todos os proletários são irmãos. O inimigo é a sociedade tal qual se acha organizada. A sociedade é má; portanto, se torna necessário mudá-la. Trabalhadores de todos os países, a postos! Guerra sem piedade ao capital, à propriedade, aos governos que a protegem!” (Discurso de Vezinier na reunião da Internacional em Londres).

Como é sabido, a Primeira Internacional foi dissolvida em Filadélfia em 1876. A Segunda Internacional, ou Internacional de Amsterdã, procurou promover a federação internacional dos sindicatos operários. Seu afastamento das questões políticas foi a razão ostensiva e propalada da fundação da Terceira Internacional, ou Internacional de Moscou, em 1920. Esta última, também conhecida pelo nome de Internacional Comunista (Komintern), foi criada por Lenine.

Mudança de bordo

Esta a verdade notória a respeito da Internacional, ou antes, das Internacionais, até a célebre cisão entre Stalin e Trotzky.

Trotzky porfiava no trabalho aberto da Internacional, enquanto a ala de Stalin mudava de bordo, para melhor aliciar a adesão dos ingênuos e dos “capitalistas progressistas”. Como antes Bakounine errava enveredando coerentemente para o anarquismo, Trotzky cometeu o erro político de porfiar numa utopia que apenas servira para o êxito momentâneo dos socialistas em determinados países. Não resta dúvida a política de Stalin e de seus agentes mundiais era mais útil ao programa da seita, por isso mesmo que mais hipócrita. Sem se afastar dos princípios socialistas que sempre nortearam a Internacional, Stalin, em nossos dias, faz de conta que dissolve o Komintern, ao mesmo tempo que ordena a cessação dos processos de ação direta e de hostilidade aos “capitalistas progressistas” e à própria sociedade religiosa.

E é claro que a revolução socialista e a ditadura sobre o proletariado só teve a lucrar com a substituição dos Bela Kuns, pelos Oumanskys. O terrorismo de Bela Kun até hoje deixa o camponês ou o “capitalista progressista” húngaro com um pé atrás quando se fala em comunismo. Oumansky, o falecido diplomata soviético, com seu jeito macio e polido, consegue entrar no reduto das alas conservadoras do México, o Club dos Banqueiros, para ali pronunciar uma conferência sobre os “primores” da Rússia soviética. Basta este detalhe para evidenciar que essa mudança de bordo operada no seio da Internacional foi um golpe inteligente.

Não temos nenhuma ilusão, porém, quanto ao futuro dos países que se deixam enganar por esse novo disfarce dos agentes secretos da revolução comunista. E aos católicos, em particular, dirigimos nosso brado de alarma contra esses inimigos declarados da Cruz de Cristo, que agora se revestem com pele de ovelha, para melhor devastar o rebanho.