Plinio Corrêa de Oliveira

 

O Crepúsculo dos Junkers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 6 de maio de 1945

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A queda de Berlim tem para a cultura ocidental um valor simbólico tornado ainda mais relevante pelas atuais circunstâncias. Ela representa o colapso – provavelmente definitivo – do espírito prussiano, que contém em si todos dos germens da grande heresia nacional-socialista. E, assim, o problema da reorganização da Prússia no mundo futuro assume a maior importância. Consideremo-lo, pois, à luz da doutrina católica.

Todos os homens foram criados por Deus para a salvação eterna, e todos eles são capazes de corresponder à graça de Deus e adquirir as virtudes pelas quais se chega à salvação eterna. Pretender que haja algum homem necessária e irremediavelmente mau, e como tal incapaz de adquirir virtudes e salvar-se é heresia. Pelo mesmo motivo, é heresia pretender que haja algum povo perpétua e necessariamente mau, incapaz de virtudes, e incapaz de se salvar.

Todos os homens, como todos os povos, depois do pecado original, possuem um conjunto de virtudes e defeitos que caracterizam sua fisionomia moral. A todos eles – homens e povos – cabe a tarefa de retificar e aprimorar sua fisionomia moral, prejudicada em conseqüência dos efeitos do pecado original e dos pecados atuais. Todos têm livre arbítrio para isso, e a todos visita Deus por sua graça.

Aplicados estas verdades mais especialmente aos povos, podemos dizer que geralmente, nas nações numerosas, por mais que o povo seja virtuoso, existe sempre uma minoria que se degrada e dá largas em si aos piores defeitos nacionais. Ao mesmo tempo, nas nações mesmo as mais degradadas existem freqüentemente algumas pessoas que pairam acima da corrupção geral, e conservam vivas em si as virtudes mais características da nação.

Esta última verdade é praticamente tangível nas nações católicas, ou nas nações em que há católicos. A Igreja é santa e engendra almas santas em todas as partes da terra, em todas as épocas da história, e isto ainda mesmo nas nações ou nos séculos de maior decadência. Assim, a Igreja produz muitas vezes seus maiores santos precisamente nas épocas de maior corrupção. E como a "graça não destrói a natureza, mas a eleva e santifica", é comum que a ação do Espírito Santo encontre na alma dos santos virtudes naturais características do povo a que pertencem. E, na ascensão espiritual dessa alma, a graça de Deus conserva e sobrenaturaliza, estimula, eleva à perfeição estas virtudes.

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Isto tudo em tese. Aplicamos agora os princípios aos fatos. Fomos e somos antinazistas encarniçados. Podemos, pois, falar com sobranceira franqueza sobre o assunto, indiferentes a que nos venham as costumeiras censuras dos elementos que se extremam num e noutro excesso. Campeia por aí um espírito de vingança pagão que exige a completa imolação do vencido. As pessoas dominadas por esse espírito nos qualificarão de laxistas. Há, por outro lado, em mais de um coração germânico obliterado pelo fanatismo nacionalista um incondicionalismo patrioteiro que leva certos espíritos a fechar os olhos aos defeitos nacionais do povo prussiano. Diremos a verdade a uns e a outros, olhos postos exclusivamente na santa doutrina da Igreja de Deus.

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Como todos os outros povos da terra, os prussianos têm defeitos e qualidades. No prussiano são grandes os defeitos e grandes as qualidades.

Habitualmente inteligentes, os prussianos primam, entretanto, pela têmpera maravilhosamente forte de sua vontade. Simples, claros, lógicos, de uma lógica fina que desenvolve retilineamente seus princípios com a fria e implacável regularidade com que as formações germânicas marchavam com "passos de ganso" na "Unter den Linden" ou nos campos de batalhas da França, a alma prussiana é capaz de chegar com facilidade aos últimos extremos da lógica e do heroísmo, desposando uma doutrina até suas últimas conseqüências, e cumprindo um dever até às mais implacáveis exigências da Lei Moral. Os prussianos são, portanto, admiravelmente aptos para o Catolicismo, que exige a adesão total da inteligência a todas as suas doutrinas e a todas as conseqüências que dessas doutrinas se possam tirar, mesmo as mais remotas e indiretas; e impõe à vontade a prática da virtude mesmo quando exige do homem as mais trágicas renúncias, as mais terríveis imolações. O clima da vida cristã é o heroísmo. E é para o heroísmo que a alma prussiana tem uma admirável tendência natural.

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Os prussianos polarizam, portanto, de um modo notável, alguns dos mais belos predicados com que a Providência galardoou a nação germânica. As melhores tradições de que viveu a Prússia procedem da época saudosa e mil vezes feliz em que a Igreja plasmou o coração inocente e leonino dos povos nórdicos, fazendo dos antigos bárbaros os grande heróis da cavalaria e das cruzadas, atletas de corpo hercúleo e cútis clara, de alma forte e de fé virginalmente pura, a que a Cristandade deveu na Idade Média, muitas de suas mais gloriosas epopéias de fé.

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"Quanto maior a altura, tanto maior o tombo", diz um velho adágio.

Em conseqüência do pecado original, nas almas grandes há ao lado de grandes píncaros grandes abismos, e as tendências para o bem coexistem sempre com não menores tendências para o mal.

O povo prussiano não escapou a essa regra. À sombra de suas grandes qualidades dormitavam grandes defeitos. Antes de tudo, a consciência de seu valor gerou neles um complexo de auto-suficiência e até de auto-soterismo, que criou neles a presunção orgulhosa de tudo fazer por suas próprias forças, desprezando a graça de Deus. Em outros tempos, teriam tentado fazer a Torre de Babel.

Ao lado disto, os grandes defeitos de suas grandes qualidades. A tendência para um logicismo vazio, simplista e não raramente simplório. Uma ausência total de sentimentos, para a transformação da energia em crueldade selvagem e da disciplina em servidão mecânica e desumana.

Infelizmente, quando a civilização cristã produzia seus melhores frutos na Alemanha, a pseudo-reforma protestante veio pôr a fora todos estes defeitos. A grande apostasia de Alberto de Brandenburg atirou os povos da região ulteriormente governada pelos Hohenzollern nos braços da heresia. E com a heresia todos os defeitos do espírito prussiano, libertados do jugo suave de Nosso Senhor, começaram a produzir seus frutos amargos.

A partir deste dia, começou a haver duas Alemanhas. A Alemanha católica, impregnada da civilização cristã e tendo como polo a Áustria dos Habsburg; e a Alemanha dos Hohenzollern, férrea, rígida, militarista, imperialista, conquistadora, terrível águia cujas garras cresciam de dia a dia, e cujo desenvolvimento psicológico se fazia no sentido de um endeusamento cada vez maior da força material.

Frederico II inaugurou na Europa a era do militarismo. Do militarismo como grande e único meio de triunfo político, de prestígio internacional, de conquista das "bem-aventuranças terrenas". Foi a seu exemplo que se modelou o espírito militar em toda a Europa, e foi também a exemplo da Prússia, por ele organizada em sua fisionomia clássica, que começou a nascer o nacionalismo paganizante, exclusivista, egoístico, que sucedia na Europa à velha concepção universitária, fraternal e cristã do Sacro Império Romano Alemão. Frederico engendrou Bismarck, e Bismarck engendrou Hitler, como a guerra dos 7 anos engendrou a de 66 e de 70, e estas engendraram a de 14 e a de 39.

Assim, o mal vem de longe, e de há muitos séculos a palavra "prussianismo" vem representando um complexo de qualidades nacionais e de defeitos, em que os defeitos cresciam e tendiam a abafar cada vez mais as qualidades.

Seria preciso ser cego, totalmente cego, para não perceber a imensa responsabilidade que o espírito prussiano tem por tudo isto... (Manda a verdade que se diga que esse espírito se espraiou em boa parte da Alemanha não prussiana).

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Mas, ao mesmo tempo, precisamos não nos esquecer de que continuou a haver bons católicos na Prússia, que continuaram a cultivar na fidelidade à lei de Deus as qualidades nacionais.

E, por isto, foi na própria Prússia que Hitler encontrou vários de seus mais terríveis inimigos, entre os quais o Conde von Preysing, Bispo de Berlim, e os líderes da resistência anti-nazista prussiana. Lutaram contra o prussianismo com a própria energia do prussianismo, e agora sua nobres figuras emergem da tormenta, aureoladas pelo martírio, engrandecidas pelo êxito.

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Todo o pecado coletivo implica em castigo coletivo. Não nos cabe, aqui, traçar os limites desse castigo, que deverá ser real, para ser eficaz.

De uma coisa, porém, não nos devemos esquecer. É que acima e antes de tudo é preciso estudar os meios de promover o engrandecimento da Igreja Católica na PrússiaO problema prussiano, que é de evitar novas agressões, exige por certo fortes medidas de caráter político e militar. Mas a solução desse problema só será completa com uma solução ideal, que é a solução de todos os problemas, é Nosso Senhor Jesus Cristo.


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