Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
As origens secretas dos males modernos

 

 

 

 

 

Legionário, 8 de abril de 1945, N. 661, pag. 5

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Adaptam-se como uma luva aos tempos modernos as palavras do Salmo dirigidas a Deus: “Senhor, eis que vossos inimigos fazem um grande fragor. Urdiram contra o vosso povo conspirações cheias de malícia e resolveram perder os vossos Santos. Sim, eles disseram, vinde e expulsemo-los do seio das nações” (Ps. LXXXII, 2-4).

Com efeito, em nossos dias os fautores do mal parecem se ter coligados num imenso esforço, contra a obra de redenção confiada por Nosso Senhor Jesus Cristo à Sua Igreja. E a articulação desse tremendo plano organizado para solapar as bases em que se assenta a Cristandade é feita pelas sociedades secretas que obedecem a uma única diretriz, apesar de sua ação em geral não trair tal unidade de propósito.

A Igreja não se tem cansado de advertir seus filhos a respeito dessa campanha oculta. E entre os documentos emanados da Santa Sé neste sentido se destaca a Encíclica “Humanum Genus” (do Papa Leão XIII, de 20 de abril de 1884), da qual extraímos o seguinte trecho sobre o modo de agir desses filhos da “Sinagoga de Satanás”, como os denominava Pio IX.

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Importa muitíssimo fazer ver quanto os acontecimentos deram razão à sabedoria dos Nossos predecessores. As suas previsoras e paternas solicitudes não tiveram em todas as partes nem sempre o sucesso que era para desejar; o que se deve atribuir ou à dissimulação e astúcia dos homens assalariados nessa seita perniciosa, ou à imprudente leviandade daqueles que, não obstante, deveram ter tido o interesse mais direto em a vigiar atentamente. Daqui resultou que, no espaço de século e meio, a seita dos Franco-Maçons fez incríveis progressos. Empregando a um tempo a audácia e o ardil, invadiu todas as classes da hierarquia social e começou a tomar no seio dos Estados modernos um poder que quase equivale à soberania. Desta rápida e formidável alastração resultaram precisamente para a Igreja, para a autoridade dos Príncipes, para o bem público, os males que os nossos predecessores haviam previsto desde muito tempo. E somos já chegados a ponto de haver motivo para conceber os mais sérios receios pelo futuro; não certamente quanto ao que diz respeito à Igreja, cujos sólidos fundamentos não podem ser abalados pelos esforços dos homens, mas relativamente à segurança dos Estados, no seio dos quais se tornaram poderosíssimas ou esta seita da Maçonaria ou outras associações semelhantes que se fazem suas cooperadoras e satélites.

Por todos estes motivos, apenas Nós havíamos lançado mão do governo da Igreja quando claramente sentimos a necessidade de resistir a um tão grande mal e de assentar contra ele, tanto quanto fosse possível, a Nossa autoridade apostólica. Por isso, aproveitando todas as ocasiões favoráveis, havemos tratado as principais teses doutrinais sobre que as opiniões perversas da seita maçônica parece haverem exercido a maior influência. Assim é que, na Nossa Encíclica Quod Apostolici muneris, Nos esforçamos por combater os monstruosos sistemas dos socialistas e dos comunistas. Outra Nossa Encíclica Arcanum permitiu-Nos esclarecer e defender a noção verdadeira e autêntica da sociedade doméstica de que o matrimônio é o ponto de partida e a origem; e novamente, naquela que começa com Diuturnum, fizemos conhecer, segundo os princípios da sabedoria cristã, a essência do poder político e mostramos as suas admiráveis harmonias com a ordem natural, bem como com a salvação dos povos e dos príncipes.

Hoje, a exemplo dos Nossos predecessores, resolvemos fixar diretamente a Nossa atenção sobre a sociedade maçônica, sobre o conjunto da sua doutrina, sobre os seus projetos, sentimentos e atos tradicionais, a fim de pôr em mais luminosa evidencia o seu poder para o mal, e de deter em seus progressos o contágio desta praga funesta.

Existe no mundo um certo número de seitas que, apesar de se diferenciarem umas das outras no nome, nos ritos, na forma e na origem, se assemelham e ajustam entre si pela analogia do escopo e dos princípios essenciais. Com efeito elas são idênticas à Maçonaria, que é, para todas as outras, como o ponto central, donde procedem e onde terminam. E se bem que, presentemente, elas têm a aparência de não desejar permanecer encobertas; se bem que têm reuniões em pleno dia e às vistas de todos; se bem que publicam os seus jornais, todavia, se se investigar profundamente, ver-se-á que pertencem à família das sociedades clandestinas e que delas guardam as aparências. Há, com efeito, entre elas uma espécie de mistério, que a sua constituição proíbe, com o maior cuidado, divulgar, não só às pessoas de fora, mas mesmo a bom número de seus adeptos. A esta categoria pertencem os conselhos íntimos e supremos, os nomes dos chefes principais e certas reuniões mais ocultas e interiores; o mesmo acontece com as decisões tomadas, com os meios e os agentes de execução. Para esta lei do segredo concorrem maravilhosamente a divisão, feita entre os associados, dos direitos, dos serviços e dos encargos, a distinção hierárquica, sabiamente organizada, das ordens e graus, e a disciplina severa, a que todos estão submetidos. A maior parte das vezes, aqueles que solicitam a iniciação devem prometer, ou, melhor dizendo, devem fazer o juramento solene de nunca revelarem a ninguém, em qualquer ocasião ou de alguma maneira os nomes dos associados, os traços característicos e as doutrinas da sociedade. É assim que, sob aparências ilusórias e fazendo da dissimulação uma regra de proceder, como outrora os Maniqueus, os Maçons não se poupam a esforços para se encobrirem e não terem outras testemunhas senão os seus cúmplices.

O seu maior interesse é não parecerem o que são, aparentando amigos das letras ou de filósofos, reunidos em conjunto para cultivar as ciências. Não falam senão do seu zelo pelos progressos da civilização, de seu amor pela desgraça do povo. Esforçam-se por fazer acreditar que o seu único fim é melhorar a sorte do povo e estender a grande número de homens as vantagens da sociedade civil. Mas, supondo que estas intenções fossem sinceras, estariam longe de esgotar todos os seus projetos. Aqueles que são filiados, devem prometer obedecer cegamente, e sem discussão, às ordens expressas dos chefes, e estar sempre prontos, à menor notificação de seu desejo, ou se resistirem às ordens dadas, sujeitando-se previamente, em caso contrário, aos tratos mais rigorosos, mesmo à morte. Efetivamente não é raro que a pena do último suplício seja infligida àqueles dos seus membros, de que a Maçonaria esteja convencida que quebraram a disciplina secreta da sociedade, ou resistirem às ordens dos chefes; e isto pratica-se com uma tal audácia e uma tal destreza que, a maior parte das vezes, o executor destas sentenças de morte escapa à justiça estabelecida para vigiar os crimes e tirar vingança. Ora, viver na dissimulação e querer envolver-se nas trevas; encadear a si pelas mais apertadas algemas, e sem ter previamente dado a conhecer o seu ponto de mira, homens reduzidos assim ao estado de escravos; empregar, em todas as qualidades atentados, estes instrumentos passivos duma vontade estranha; armar braços para o homicídio, assegurando-lhes a impunidade do crime, são monstruosidades práticas, condenadas pela própria natureza. A razão e a verdade são suficientes para provar que a sociedade de que falamos, está em formal oposição com a justiça e a moral naturais.

Outras provas, duma grande clareza, se juntam às precedentes, e são ainda melhores para ver até que ponto, pela sua constituição essencial, esta associação repugna à honestidade. Por enorme que possa ser entre os homens a astuciosa habilidade da dissimulação e o hábito da mentira, é impossível que uma causa, seja qual for, não se traia pelos efeitos de que é causa: uma boa árvore não pode dar maus frutos, e uma má árvore não pode produzir bons frutos (Mt 7, 18).

Ora, os frutos produzidos pela seita maçônica são perniciosos e do maior amargor. Eis, com efeito, o que resulta do que precedentemente indicamos, e esta conclusão nos dá a conhecer a última palavra dos seus projetos. Os Maçons tratam - e todos os seus esforços tendem para esse fim - de destruir inteiramente toda a disciplina religiosa e social, que nasceu das instituições cristãs, e de lhe substituir uma nova amoldada às suas idéias, e cujos principais fundamentos e leis são importados do Naturalismo.

Tudo o que acabamos de dizer e o que nos propomos acrescentar, deve entender-se da seita maçônica, considerada no seu conjunto, e entanto que ela abraça outras sociedades, que são suas irmãs e aliadas. Não pretendemos aplicar todas estas reflexões a cada um de seus membros individualmente. Entre eles, com efeito, se pode encontrar, e mesmo em grande número, alguns que, apesar de não isentos de culpa por se terem filiado em semelhantes sociedades, não entram todavia nos seus atos criminosos e ignoram o fim principal que estas sociedades se esforçam por atingir. Do mesmo modo pode suceder que fazer, ou do que fazem outras associações extremas, às quais a lógica devia obrigá-los a aderir, pois que dimanam necessariamente dos princípios comuns a toda a associação. Mas o mal traz consigo uma infâmia que por si mesma repele e amedronta. Além disso, circunstâncias particulares de tempo ou de lugares podem persuadir certas fracções a permanecer fora do que elas desejariam fazer, ou do que fazem outras associações. Não se pode deduzir disto que estes grupos sejam estranhos ao pacto fundamental da maçonaria. Este pacto precisa ser apreciado menos pelos atos ultimados e pelos seus resultados do que pelo espírito que o anima, e pelos seus princípios gerais.

Ora, o primeiro princípio dos Naturalistas é que, em todas as coisas, a natureza ou a razão humana deve ser mestra e soberana. Supondo isto, se se trata dos deveres para com Deus, ou fazem pouco caso disso, ou alteram a essência por opiniões vagas e sentimentos errôneos. Negam que Deus seja o autor de qualquer revelação. Para eles, logo que a razão humana não o possa compreender, não há dogma religioso nem verdade, nem mestre na palavra, no qual, por seu mandato oficial de ensino se deva ter fé. Ora, como inteiramente a missão própria e especial da Igreja Católica consiste em receber na sua plenitude e guardar com uma pureza incorruptível as doutrinas reveladas por Deus, assim como a autoridade conferida para ensiná-las, e os outros socorros do Céu para salvar os homens, é contra ela que os adversários desenvolvem o maior furor e dirigem os mais violentos ataques.

Veja-se, nas coisas que dizem respeito à religião, o que faz a seita dos Maçons, principalmente onde a sua atividade se pode exercer com uma liberdade mais licenciosa; e então que qualquer um julgue se realmente ela não parece obedecer à ordem de pôr em execução os princípios do Naturalismo.

Assim, ainda que à custa dum longo e tenaz labor, ela propõe-se este resultado ― especificamente, que o ofício de ensinar e a autoridade da Igreja tornem-se sem valor no seio da sociedade civil, donde se tira a consequência que os Maçons se esforçam em vulgarizar o princípio, pelo qual não cessam de combater, de que é absolutamente necessário separar a Igreja do Estado. Como se vê, excluem das leis e da administração da causa pública a salutaríssima influência da religião católica, e nutrem logicamente a pretensão de constituir o Estado inteiramente fora das instituições e dos preceitos da Igreja. Mas não lhes é suficiente excluir de toda participação do governo dos negócios humanos da Igreja, guia tão sábia e tão segura; tratam-na ainda como inimiga e usam de violência contra ela. Daqui a impunidade, com a qual pela palavra, pela pena, pelo ensino, lhes é permitido atacar os próprios fundamentos da religião católica. Nem os direitos da Igreja, nem as prerrogativas de que a Providência a dotou: nada escapa aos seus ataques. Anula-se quase a sua liberdade de ação por leis que, na aparência não parecem demasiadamente opressoras, feitas adrede para destruir esta liberdade.

Entre o número das leis excepcionalmente feitas contra o Clero, Nós assinalaremos particularmente as que têm por fim diminuir notavelmente o número dos ministros do Santuário, e reduzir sempre cada vez mais seus meios indispensáveis de ação e de existência. O resto dos bens eclesiásticos, sujeitos a mil escravidões, são colocados sob a dependência e bel prazer de administradores civis. As comunidades religiosas são suprimidas ou dispersas. Para com a Sé Apostólica e o Pontífice Romano, a inimizade destes sectários redobrou de intensidade. Depois de, sob falsos pretextos, terem despojado o Papa da sua soberania temporal, necessária garantia de sua liberdade e dos seus direitos, reduziram-no a uma situação ao mesmo tempo iníqua e intolerável, até que enfim, nestes últimos tempos, os mentores destas seitas chegaram ao ponto que desde há muito constitui a meta de seus desejos a saber: proclamar que era chegado o tempo de suprimir o poder sagrado dos Pontífices Romanos e destruir completamente este Papado, que é de instituição divina. Para pôr fora de dúvida a existência dum tal plano, bastaria invocar o testemunho de homens que pertenceram à seita e cuja maior parte, quer no passado, quer numa época mais recente declararam ser verdadeiro a vontade em que estão os Maçons de atacar a Igreja com uma inimizade exclusiva e implacável, com a firme resolução de não pararem senão depois de terem arruinado completamente todas as instituições religiosas estabelecidas pelos Papas.