Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
A peste do socialismo

 

 

 

 

 

 

Legionário, 1° de abril de 1945, N. 660, pag. 5

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O LEGIONÁRIO por mais de uma vez já se referiu aos torpedeadores da vitória que, agora, quando o mundo assiste aos estertores do totalitarismo nacional-socialista de Hitler, procuram invalidar todo esse tremendo esforço dos aliados ocidentais, fazendo a humanidade caminhar para o totalitarismo internacional-socialista de Stalin. Ao declamar contra a ditadura e o totalitarismo, fingem esses farsantes não saber que também a Rússia é totalitária e ditatorial.

O que está em causa sobretudo, é o regime socialista que caracteriza o Estado totalitário ou Estado-Providência. E o próprio Goebbels, em artigo recentemente publicado no “Das Reich”, declara que a vitória do nazismo está assegurada com a implantação do socialismo no mundo de após-guerra.

Torna-se, portanto, muito oportuno lembrar o que já no século passado dizia Leão XIII sobre a “peste do socialismo” em sua Encíclica “Quod Apostolici Muneris”.

* * *

Obedecendo ao dever do Nosso cargo apostólico, não deixamos logo no princípio do Nosso Pontificado, nas cartas encíclicas que Vos dirigimos, Veneráveis Irmãos, de apontar essa peste moral que se introduz como a serpente por entre as articulações mais íntimas dos membros da sociedade humana, e a coloca num perigo extremo. Ao mesmo tempo vos indicamos os remédios mais eficazes para que a sociedade possa voltar ao caminho da salvação e escapar aos graves perigos que a ameaçam. Mas os males que então deploramos, aumentaram tão rapidamente, que somos de novo obrigados a dirigir-Vos a palavra, porque nos pareceu ouvir mais uma vez ressoar aos nossos ouvidos estas palavras do Profeta: Clama, não cesses de clamar, levanta a tua voz e que ela seja semelhante a uma trombeta (Is., LVIII, 1).

Vós compreendereis facilmente que Nos referimos a essa seita de homens que, debaixo de nomes diversos e quase bárbaros, se chamam socialistas, comunistas ou niilistas e que, espalhados sobre toda a superfície da terra, e estreitamente ligados entre si por um pacto de iniquidade já não procuram um abrigo nas trevas dos conciliábulos secretos, mas caminham ousadamente à luz do dia, e se esforçam por levar a cabo o desígnio, que têm formado de há muito, de destruir os alicerces da sociedade civil. É a eles, certamente, que se referem as sagradas letras quando dizem: “Eles mancham a carne, desprezam o poder e blasfemam da majestade” (Jud. Espirt., V. 8).

Nada deixam intacto ou inteiro do que foi sabiamente estabelecido pelas leis divinas e humanas para a segurança e honra da vida. Enquanto censuram a obediência, devida às autoridades às quais o Apóstolo nos ensina que toda a alma deve ser sujeita e que receberam por empréstimo de Deus o direito de mandar, eles pregam a igualdade absoluta de todos os homens no que diz respeito aos seus direitos e deveres. A união natural do homem e da mulher, sagrada até entre as próprias nações bárbaras, eles a desonestaram; e este (...) lação no qual se encerra principalmente a sociedade doméstica, o enfraquecem e até o entregam ao mero capricho da sensualidade.

Seduzidos por fim pela cobiça dos bens presentes, que é a origem de todos os males e que faz errar na fé aqueles em quem domina (1 Tim., VI, 10), eles combatem o direito de propriedade, sancionado pela lei natural; e, por um atentado monstruoso, enquanto afetam tomar interesse pelas necessidades de todos os homens e pretendem satisfazer todos os seus desejos, trabalham por arrebatar e pôr em comum tudo o que tem sido adquirido ou por título de legítima herança, ou pelo trabalho do espírito e das mãos ou pela economia. E estes monstruosos erros, eles os proclamam nas suas reuniões, os advogam nos seus panfletos e os semeiam entre o povo por meio duma nuvem de jornais. Donde se segue que a majestade respeitável dos Reis e a autoridade estão expostas a um tal ódio da plebe sediciosa, que alguns culpáveis traidores, insofridos de todo o freio, várias vezes num curto espaço de tempo, animados de ímpia audácia, têm apontado repetidamente as suas armas contra os próprios chefes das nações.

Esta audácia de homens pérfidos, que ameaça com uma ruína cada vez mais, até a nossa época, tende a este de inquietação e temor todos os espíritos, tira a sua origem e a sua causa dessas doutrinas envenenadas, que, em tempos anteriores, espalhadas como germe de corrupção entre os povos, têm produzido a seu tempo frutos deletérios. Efetivamente sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que a guerra encarniçada que os inovadores declararam, a partir do século XVI, contra a fé católica, e que tem aumentado de dia para dia cada vez mais até a nossa época, tende a este fim, que recusando toda a revelação e suprimindo toda a ordem sobrenatural, esteja aberto o campo às invenções, ou antes aos delírios da razão somente.

Este erro, que da razão indevidamente tira o nome, lisonjeia e excita o orgulho do homem e tira o freio a todas as suas paixões: por isso invadiu naturalmente não só o espírito de muitos indivíduos, mas também, em grande escala, a sociedade civil. Daí veio que, por uma nova impiedade, desconhecida até dos pagãos, os Estados se constituíram sem fazerem caso algum de Deus, nem da ordem por Ele estabelecida; a autoridade pública foi declarada como não tirando de Deus, nem o seu princípio, nem a majestade, nem a força de mandar, mas que provinha da multidão, que reputando-se livre de toda a sanção divina julgou que devia submissão apenas às leis que ela mesma fizesse, consoante o seu capricho. Sendo combatidas e rejeitadas as verdades sobrenaturais da fé como contrárias à razão, o próprio Autor e Redentor do gênero humano é insensivelmente e pouco a pouco banido das Universidades, dos liceus, dos colégios e de todo uso público da vida humana enfim, as recompensas e castigos da vida futura e eterna foram entregues ao olvido e o desejo ardente da felicidade foi circunscrito aos limites do tempo presente.

Estas doutrinas estando por toda a parte profusamente espalhadas, esta extrema licenciosidade de pensamento e de ação introduzindo-se em todos os lugares, não é para admirar que os homens de ínfima condição, cansados da pobreza de suas casas ou pequenas oficinas, tenham inveja de se elevarem até aos palácios e à fortuna dos ricos; não é para admirar que já não haja tranquilidade na vida pública e particular e que o gênero humano esteja já chegado quase à borda do abismo.

Entretanto os Pastores Supremos da Igreja, a quem incumbe o cuidado de preservar o rebanho do Senhor dos embustes do inimigo, empregaram logo ao princípio todos os seus esforços para afastar o perigo e prover a salvação dos fiéis. Efetivamente depois que começaram a formar-se as sociedades secretas, em cujo seio já se iam desenvolvendo os germens dos erros que temos apontado, os Pontífices romanos Clemente XII e Bento XIV não se descuidaram em desmascarar os desígnios ímpios das seitas e avisar os fiéis do mundo inteiro do mal que lhes preparavam secretamente.

Depois que os que se ufanavam do nome de filósofos atribuíram ao homem uma espécie de independência desenfreada e começaram a inventar e sancionar o que chamam o direito novo, contrário à lei natural e divina, o Papa Pio VI, de saudosa memória, assinalou imediatamente, com documentos públicos, o carácter iníquo e a falsidade destas doutrinas e ao mesmo tempo predisse, com previdência apostólica, o estado ruinoso ao qual o povo, miseravelmente enganado seria conduzido. Contudo, como se não tomou medida alguma eficaz para impedir que as perversas doutrinas das seitas se espalhassem cada vez mais pelos povos e penetrassem nos atos públicos dos governos, os Papas Pio VII e Leão XII iam anatematizando estas seitas secretas e avisaram de novo a sociedade do perigo que ameaçava.

Finalmente, todos sabem com que gravidade de linguagem, com que firmeza e constância o Nosso glorioso Predecessor Pio IX, de saudosa memória, combateu, quer nas suas Alocuções, quer nas suas Encíclicas dirigidas aos Bispos de todo o mundo, tanto os esforços iníquos das seitas como nomeadamente a peste do socialismo, que já irrompia dos seus antros.

Mas é muito para lastimar que os que se encarregaram de vigiar pelo bem público, enganados pelos ardis dos ímpios e assustados pelas suas ameaças sempre deram prova de desconfiança e até de injustiça para com a Igreja, não compreendendo que todos os esforços das seitas teriam sido impotentes se a doutrina da Igreja Católica e a autoridade dos Pontífices romanos tivessem sempre sido devidamente respeitadas pelos príncipes e pelos povos.

Porque a Igreja do Deus vivo, que é a coluna e o sustentáculo da verdade (Tim., III, 15) ensina as doutrinas e princípios, cuja virtude consiste em assegurar inteiramente a salvação e a tranquilidade da sociedade e desarreigar completamente o germe funesto do socialismo. Porque, ainda que os socialistas, abusando do próprio Evangelho, a fim de enganarem mais facilmente os espíritos incautos, tenham adotado o costume de torcerem em proveito da sua opinião, entretanto a divergência entre as suas doutrinas depravadas e a puríssima doutrina de Cristo é tamanha que maior não podia ser. Pois, que pode haver de comum entre a justiça  e a iniquidade? Ou que união entre a luz e as trevas? (II Cor., VI, 14).

Os socialistas não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos os homens segundo a natureza; afirmam, como consequência, que não se devem honras nem veneração à majestade dos soberanos, nem obediência às leis a não serem estabelecidas por eles próprios, e segundo o seu gosto. Mas ao contrário, segundo as doutrinas do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que todos dotados da mesma natureza, são chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus e que, tendo todos o mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a recompensa que merecer. Entretanto a desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da natureza, de quem toda a fraternidade tira o nome, no céu e na terra (Ad Ephes., III, 15). Mas as almas dos príncipes e dos súbditos estão, segundo a doutrina e preceitos católicos, ligadas de tal sorte, por deveres e direitos mútuos, que se modere o desejo de dominar e o motivo da obediência se torne fácil, constante e nobilíssimo.

Por isso a Igreja inculca constantemente aos súbditos o preceito do Apóstolo: Não há poder que não venha de Deus e os que existem foram ordenados por Deus. Aquele pois que resiste ao poder, resiste à ordem de Deus e os que resistem atraem sobre si a condenação. E de novo ordena que sejam submissos não só por temor, mas também por motivos de consciência, e que se dê a cada um o que lhe for devido: a quem se dever o tributo, se lhe dê o tributo; a quem o imposto, o imposto; a quem o temor, o temor; a quem honra, a honra (Rom., XIII).

Aquele que criou e governa todas as coisas, regulou com a sua sabedoria providencial que as ínfimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores consigam todas o seu fim. Por isso assim como no céu, quis que os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (I Corp. XII); assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder a fim de que a cidade fosse como a Igreja, um só corpo, compreendendo grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum.

Mas a fim de que os regentes dos povos usem do poder que lhes é concedido para edificar e não para destruir, a Igreja de Cristo avisa-os muito a propósito de que a severidade do julgamento supremo ameaça também os príncipes, e repetindo as palavras da Divina Sabedoria brada a todos em nome de Deus: “Prestai atenção, vós que dirigis as multidões e que vos comprazeis do número das nações, porque o poder vos foi dado por Deus e a força pelo Altíssimo, que examinará as vossas obras e perscrutará os vivos os vossos pensamentos... Porque o julgamento dos que governam será muito severo. Deus efetivamente não excetuará pessoa alguma nem terá atenção com as grandezas de ninguém, pois Deus criou o pequeno e o grande e tem igual cuidado por todos: mas para os mais fortes está reservado um castigo mais forte” (Sap. VI).

Se, portanto, acontecer alguma vez que o poder público seja exercido pelos príncipes temerariamente e ultrapassando os limites justos, a doutrina da Igreja Católica não permite que os súbditos se revoltem contra eles, com receio de que a tranquilidade da ordem fique ainda mais perturbada e por isso a sociedade sofra um prejuízo muito maior. E quando as coisas chegarem a ponto de já não brilhar esperança alguma de salvação, a Igreja ensina que o remédio deve ser rogado e apressado pelos merecimentos da paciência cristã e com fervorosas orações a Deus. Se a vontade dos legisladores e dos príncipes sancionar ou ordenar alguma cousa que esteja em oposição com a lei Divina ou natural, a dignidade e o dever do nome cristão, assim como o preceito apostólico, prescrevem que devemos obedecer a Deus antes que aos homens (Act., V, 29).