Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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Liberdade

 

 

 

 

 

 

Legionário, 25 de fevereiro de 1945, N. 655, pag. 2

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Bem, está o Brasil novamente integrado em regime democrático. Segundo o curso natural dos acontecimentos, logo teremos eleições diretas e, em breve, nossos destinos serão presididos por um governo representativo. Porém, o que nos interessa mais de perto, como jornalistas, é o restabelecimento da liberdade de crítica.

Ora, a liberdade é característica da dignidade humana. Só os seres espirituais têm liberdade, isto é, a capacidade de dirigir a própria vida, de fazer os próprios destinos. O homem, até certo ponto, é senhor de sua própria realidade, e pode modelá-la e ajeitá-la segundo a sua vontade. Mais do que isso, em alguma medida o homem é fruto de sua própria iniciativa. O estado de pura natureza não existe para o homem, isto é, o desenvolvimento espontâneo das forças naturais não dá o homem “humano”, completo na sua fisionomia específica. Pelo contrário, a experiência prova que, largado a si mesmo, o homem decai para um estado infra-humano, em que a humanidade se lhe torna quase irreconhecível. Não foi à toa que o Papa Paulo III foi obrigado a declarar oficialmente que os índios eram verdadeiros homens, com todos os direitos correspondentes e não simples animais de presa. O homem, completo segundo a sua natureza específica, é produto da cultura e só se realiza através da cultura.

Em outras palavras, a natureza humana exige a cultura para manifestar as suas virtualidades intrínsecas, o homem é naturalmente um ser cultural. No homem, pois, natureza e cultura não são conceitos opostos, mas complementares.

Daí tem surgido um sem número de ambiguidades e equívocos, que têm lançado grandes confusões em ciências tipicamente culturais, como a Moral, a Economia política, a Sociologia, o Direito, etc. Daí, também, surgiram todas as questões relativas ao Direito Natural, porque uns veem apenas o aspecto exclusivamente cultural, e outros o aspecto exclusivamente natural do problema.

Disto tudo, porém, uma conclusão se impõe: não há cultura sem liberdade, nem liberdade sem cultura. E não basta uma simples liberdade “em princípio”, como capacidade psicológica, mas é necessário o exercício atual, concreto, moral da liberdade.

Mas, aqui nos encontramos perante uma gravíssima responsabilidade. Porque a liberdade em exercício – e isto é radicalmente próprio da liberdade – pode produzir não só a verdadeira cultura, mas também para-culturas, pseudoculturas e até mesmo anticulturas. E por anticultura deve-se entender não tanto a privação da cultura, como a cultura pervertida, isto é, uma manipulação ativa da natureza humana que a deforma fundamentalmente.

Eis a responsabilidade que o Brasil tem agora sobre os ombros. E o ônus desta responsabilidade atinge de modo todo especial a imprensa, pela liberdade de crítica recebida neste momento. Ninguém ignora os percalços e os danos inerentes ao silêncio, às unanimidades passivas, às conformidades maciças e artificiais. Mas não nos deixemos embriagar pela liberdade: ela é um dom muito precioso e muito perigoso. Ela exige de todos uma grande elevação de propósitos, um alto senso moral, uma perfeita integridade de princípios. “Corruptio optimi, pessima” (a corrupção do ótimo dá no péssimo, n.d.c.). Saibamos estar à altura da liberdade, pois a mesma liberdade que faz os Santos, faz os bandidos.