Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Laicismo e protestantismo

 

 

 

 

 

 

Legionário, 18 de fevereiro de 1945, N. 654, pag. 5

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Os brados de alarma proferidos pelo Cardeal-Arcebispo de Buenos Aires e pelo Arcebispo da Cidade do México contra o perigo da propaganda protestante nos incitam a tecer alguns comentários em torno do concurso que os filhos de Lutero e de Calvino emprestam ao laicismo em sua forma atual.

Com efeito, já se foi o tempo em que o laicismo assumia claramente a forma “neutra” ou indiferente em relação a Deus, quando violentamente se combatia o ensino do catecismo nas escolas. Diante dos pequenos resultados desse “método direto” ensaia-se hoje em dia um processo indireto, que é o de fornecer um sucedâneo falso para a Religião verdadeira. Perdura a campanha laicista e anticlerical, mas em vez de mostrar suas tendências contra Deus, se oculta na roupagem de um vago deísmo ou de um cristianismo largo e liberal.

Ora, não resta dúvida que nos países em que impera o Estado leigo, o proselitismo protestante vem se mostrando um dedicado colaborador das forças do mal, nessa nova forma de laicismo.

A França foi uma das primeiras vítimas dessa trama. Já em fins do século passado Georges Goyau denunciava essa modalidade de campanha laicista em que o protestantismo se aliava à maçonaria para roubar aos filhos da terra de São Luiz o inestimável dom da verdadeira Fé. São do seu livro “L'Ecole d'aujourd'hui” o trecho que a seguir apresentamos à meditação de nossos leitores:

* * *

Foi uma boa fortuna para o nosso regime escolar o ter sido inaugurado pelo sr. Jules Ferry: nenhum homem de Estado o excedeu em perpetuar (...) ao sr. Jules Ferry que essa incerteza pôde ser convenientemente disfarçada.

Que Deus exista, é uma necessidade, de acordo com os programas; que Ele seja discreto, e muito discreto, é uma necessidade por lei; que Ele desapareça, é uma necessidade segundo o desejo da maçonaria. Nem as escolas primárias, nem as escolas normais podiam esperar longamente que os especulativos refinados achassem uma solução elegante. Nossa raça, ademais, ama as idéias claras, a filosofia límpida, as situações precisas; ela teria lamentavelmente tateado em vão, se se baseasse em seus próprios recursos para determinar qual devia ser, na escola primária, a situação de Deus. Foi a uma religião exótica, a uma teologia exótica e quase a um vocabulário exótico que o sr. Jules Ferry pediu a salvação: sob os olhares espantados de uma parte da igreja evangélica francesa, um certo protestantismo liberal, repentinamente imigrado, conquista, nas escolas nacionais, um ascendente que nunca foi obtido nas próprias cátedras da pseudo-reforma. E, por uma dessas ironias indizíveis que formigam na história contemporânea, a escola que se qualificava como “neutra” recorreu a teólogos para que eles lhe definissem sua consciência e para que lhe mobiliassem o vazio. “A vitória da Alemanha sobre a França, escrevia há mais de dez anos um pensador universitário, que se tornou um dos mais falados teóricos socialistas, sr. Georges Renard, foi uma vitória do protestantismo. Tem havido em França provisório em manter o equilíbrio instável, em abrir portas falsas de saída nos impasses em que se empenhava sua política, e em dar a ilusão de que elas eram verdadeiras soluções, e se, após dezoito anos, o professor e o Ser supremo ainda se acham incertos quanto às suas relações recíprocas, foi graças a um recuperar de simpatia em relação aos protestantes, e nunca foram eles mais numerosos nas Câmaras, nos Conselhos públicos, nos Ministérios. Achar-se-ão seus rastros em cada uma das leis votadas nestes últimos anos. É ainda seu modo de espírito que se acha no hábito que adquiriram alguns de nossos estudiosos e de nossos pensadores, de envolver sua incredulidade em tiras de flanela”. Estas linhas podiam servir de epígrafe à história da intervenção da reforma calvinista em nosso regime escolar.

Cerca de 1869, três homens eminentes do protestantismo francês lançaram na Suíça uma semente religiosa: fundaram um “culto liberal” em um território em que, desde a reforma, o bigotismo protestante reinava como senhor absoluto” e “constituíram por subscrição uma sociedade de cristianismo liberal”. O sr. Ferdinand Buisson - era um deles - recordava, há poucos meses, sobre o túmulo do sr. Jules Steeg, essa longínqua campanha de apostolado: “Foi em Neufchâtel, dizia ele, onde o sr. Pecaudt havia ido apoiar com sua grave palavra um esforço tentado para separar do cristianismo tradicional e eclesiástico o que se poderia chamar o cristianismo eterno, uma espécie de Evangelho feito da medula do velho Evangelho, uma religião laica do ideal moral, sem dogmas, sem milagres, sem padres. Jules Steeg era então um jovem e obscuro pastor protestante. Obscuro não; já era conhecido como um livre-pensador religioso; havia se colocado logo no início na extrema esquerda da teologia protestante. Foi a ele que o sr. Pecaut recorreu para orientar a pequena e audaciosa igreja liberal que se organizava na Suíça francesa”. O sr. Buisson, por seu lado, publicava nessa época, sobre o cristianismo liberal e sobre o ensino da História Sagrada, alguns opúsculos hoje esquecidos. Eles se achavam cheios de audácias propositais, e nessas audácias, refletindo através do espelho da eloquência, ofuscou desagradavelmente os outros pastores.

Estava reservada a esses três missionários a presidência da elaboração e da execução de nossas leis escolares: a Suíça os devolveu à França.

O sr. Buisson e o sr. Steeg tomaram parte importante na discussão dessas leis: o primeiro se tornou diretor do ensino primário; o segundo foi diretor do Museu pedagógico e da Escola de Fontenay; o terceiro, sr. Pecaut, como inspetor geral da instrução Pública, dirigia a reorganização de todas as nossas escolas normais. E foi assim realizado o sonho de Edgar Quinet, de que todos três, na Suíça, haviam sofrido a fascinante influência. Ignora-se bastante, em geral, a chefia intelectual que exerceu sobre os futuros homens de Estado da terceira República o estranho e robusto gênio de Quinet; foi bem esquecida essa frase de Gambetta: “O promotor do ensino leigo, em França, foi Quinet”, e essa outra de Jules Ferry: “Nós nada fazemos, senão retomar a herança de Quinet”. Revolucionário por excelência, tão logicamente e tão profundamente revolucionário que não era somente ao futuro, mas ao passado, que se aplicava sua imaginação subversiva. Quinet desejava, retrospectivamente, uma França completamente outra, uma França filha da reforma, e ele censurava os Constituintes e os Convencionais por não terem feito Lutero e Calvino os diretores tardios da alma francesa”.

Depois de narrar como os protestantes senhres Buisson, Steeg e Pecaut deixaram seu pequeno cenáculo de Neufchâtel, para vir despertar a Paris do sonho católico e para assumir a governança do espírito francês, diz o autor:

“Nessa emigração, seu terreno de ação se tornou maior e também mais difícil: trabalhavam, em 1869, em um país protestante (a Suíça) e no meio de protestantes; trabalharam depois disso, em um pais católico (a França) no meio da infância católica; bastante indiferentes à ideia de uma Igreja para procurar aumentar a clientela confessional do protestantismo, bastava-lhes fazer reinar o espírito herético. O sr. Steeg, desde 1865 havia como que traçado programa de ação futura: “Parece duvidoso, escrevia ele, que possamos jamais esperar ver a França entrar nos quadros de nossa igreja, tal qual ela atualmente se acha constituída. Temos, porém, uma coisa melhor a desejar: é ver-se espalhar em torno de nós o espírito protestante, isto é, o espírito religioso, cientifico e liberal”. O sr. Pecaut escrevia em 1879: “A obra de secularização moral que as sociedades católicas não realizaram no século XVI por via da reforma eclesiástica ou religiosa, as sociedades católicas tentam realizar por meio da reforma escolar. Aqueles mesmos que julgam uma tal reforma insuficiente não podem deixar de nela cooperar”.

Parece que nova política escolar era como que um pedido de desculpas dirigido pela França ao protestantismo, do qual nossos ancestrais não avaliaram o valor; tanto o sr. Pecaut e seus amigos lhe prodigalizavam seu concurso.

Sofreram a dor de ser mal compreendidos. Foram qualificados de irreligiosos, como se sua vida inteira, votada ao serviço de uma aspiração religiosa, não se insurgisse contra um tal epíteto. Eram acusados pelos discípulos do Comitê, de pôr em perigo a religião positiva, ao que o sr. Pecaut respondeu: “A um ensino regular e leigo da moral, a religião positiva constituída nada poderia perder a não ser na medida em que, em lugar de ser verdadeiramente religiosa, ela fosse simplesmente eclesiástica, ou petrificada em suas formulas, seus ritos suas práticas, sua história sobrenatural, ela se tornasse incapaz de se adaptar a um novo estado de cultura intelectual e de atividade social”.

Não era culpa deles se uma Igreja imutável, tutora espiritual do país do qual se tornaram educadores, “estreitamente entrelaçada à toda nossa história nacional”, se sentisse tolhida ou diminuída pelo novo ensino da moral; e, se acontecesse por desgraça, como depois disso foi constatado pelo sr. Fouillée, que essa inovação escolar viesse desmentir certas esperanças otimistas, era necessário afirmar antecipadamente que a causa não devia ser procurada nos próprios defeitos da inovação mas em nosso temperamento, em nossas tradições, em nossa formação católica hereditária”.

E mais adiante:

“O regime das escolas públicas confessionais, escrevia o sr. Pillon, se acha em perfeita harmonia com as pretensões teocráticas, com o espírito de unidade e de imobilidade religiosa, toda exterior, do catolicismo. Ele é, por isso mesmo, contrário ao espírito do protestantismo, o qual comporta essas diversidades, variações que Bossuet lhe censura, e que são o produto e o sinal de uma religião interior, livre, sincera, progressiva, viva. De acordo com os interesses católicos em todo país em que o catolicismo é o culto tradicional da grande maioria, não se prestaria atenção aos verdadeiros interesses e aos direitos das minorias religiosas”. Pelo contrário, eperam-se da nova lei escolar vantagens insignes: ela seria a auxiliar do espírito da Reforma, e a “Crítica filosófica” citava prazerosa um artigo de um periódico protestante, em que se alentava a esperança de que os professores protestantes se multiplicassem em nossas escolas e que, apesar de guardarem para si suas convicções religiosas, eles “comunicariam necessariamente a seus alunos alguma coisa dessa austeridade, dessa independência de atitude, desse espírito liberal que o protestantismo inculca”.