Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 11 de fevereiro de 1945, N. 653, pag. 5 |
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Estamos na época dos tribunos, arautos e porta-vozes da democracia. Infelizmente, porém, nem toda essa campanha pelas chamadas “liberdades populares” prima pela sinceridade. Não há muito tempo, por exemplo, esteve em nosso meio um exemplar típico de “tribuno” ardoroso ou caixeiro-viajante de um Estado farisaicamente democrático. A ouví-lo, ter-se-ia a impressão de que não há no mundo Estado em que as tradições democráticas mais se aproximem de suas fontes genuínas do que no México. Entretanto, a realidade dos fatos é muito outra. Ainda recentemente o LEGIONARIO noticiava a campanha desencadeada pela maçonaria mexicana contra o Arcebispo da cidade do México, pelo fato de S. Excia. Revma. o Sr. D. Luis Maria Martinez haver publicado uma Pastoral contra “a intensa propaganda que, com perfeita organização e poderosos recursos pecuniários, se realiza em todo o território da República, pelas seitas protestantes”. Asseverou o grão-mestre da maçonaria mexicana que iria responsabilizar o Arcebispo “pelos delitos de violação às garantias constitucionais e pela alteração da ordem pública”. Para se avaliar a hipocrisia que essas palavras encobrem, vamos fazer breve resumo das medidas governamentais adotadas no México, contra a Igreja, valendo-nos do relatório da Comissão Inter-Americana da “Catholic Association for International Peace”, de Washington, a respeito da situação religiosa naquele país. Por estes dados veremos como a atitude totalitária do governo mexicano com relação à Igreja não constituí novidade, pois data de vários decênios, e é um exemplo típico do totalitarismo liberal. * * * “Sumariemos em poucas palavras o desenrolar dos acontecimentos depois do colapso do efêmero regime Madero. Em 1913, a Revolução se achava sob a chefia de Venustiano Carranza. Temos aqui no seu sentido mais típico a expressão revolucionária mexicana contra a Igreja. Os pronunciamentos de Carranza e sua camarilha podem ser tomados como modelo, uma espécie de rascunho grosseiro das tiradas e diatribes que seriam empregadas regularmente depois. O tipo de retórica que seria usado contra a Igreja recebeu forma nessa ocasião. As frases, epítetos e linguagem corrosiva, que se tornariam quase monótonos em sua repetição, começaram a se desenvolver durante esses anos. A Igreja passou por um de seus períodos mais amargos de 1913 a 1917, sofrendo o efeito de terrorismo e violências. A Constituição de 1917 completou o travejamento da revolução. Famoso entre os artigos dessa Constituição, e nisto se vê o aproveitamento e extensão do mesmo dispositivo na carta de 1857, é o Artigo Terceiro que declara sem rodeios que a educação deve ser leiga e que nenhuma entidade religiosa pode estabelecer ou dirigir escolas primárias. A redação do artigo foi feita de modo a tornar impossível o ensino por parte de Ordens Religiosas ou do Clero Secular. Dessa constituição data a rígida restrição de atos de culto, que somente podem ser realizados dentro das Igrejas, apesar de muitas dessas manifestações externas terem sido regulamentadas durante o século passado. O artigo 27 incorpora vários detalhes com relação às propriedades eclesiásticas, tornando-as patrimônio da nação. As atividades caritativas foram restringidas, e a Igreja se viu reduzida unicamente à administração dos Sacramentos. O artigo 130 encerra um número de medidas com relação à limitação do número de sacerdotes, à autoridade dos estados e à atitude do Clero na vida política. O mesmo artigo declara que “a lei não reconhece a personalidade jurídica das instituições religiosas conhecidas pelo nome de igrejas” e que “nenhum ministro de credos religiosos poderá, em reuniões públicas ou particulares, ou em atos de culto ou de propaganda religiosa, criticar as leis fundamentais do país, as autoridades em particular ou o governo em geral”. Nos oito anos seguintes os aspectos anticlericais da nova constituição não foram rigidamente postos em vigor. Nenhuma tentativa séria foi feita para executar o que obviamente estava na intenção daqueles que haviam redigido a constituição em Querétaro: tornar a Igreja Católica tão extinta quanto fosse possível sem declarar, de fato, que ela se achava exilada do México. Sob o presidente Obregón, a situação se tornou latentemente tensa, posto que não se registrassem conflitos abertos exceto em um certo número de estados, em que os governos locais tomaram a iniciativa de exercer os poderes que lhes haviam sido concedidos pelo Artigo 130, para restringir o número de sacerdotes em cada jurisdição. Este método favorito era visto como o meio mais eficaz para eliminar a ameaça da influência do Clero: nada de padres, portanto nada de paróquias; e todo o mecanismo do clericalismo se desmantela. * * * Em fevereiro de 1926 o novo regime de Plutarco Elias Calles tornou claro que as leis relativas à Igreja seriam postas em vigor. Razões políticas internas, como se acha na brochura “An Introduction to México” (publicada pela Catholic Association for Intemational Peace - Washington), explicam as terríveis calamidades que sofreram então a Hierarquia e os fiéis católicos mexicanos. A causa ostensiva do início da perseguição de 1926 foi uma declaração do Arcebispo Mora y del Rio, da Cidade do México, dada a pedido de um jornalista, no sentido de que a Hierarquia mexicana era favorável a uma tentativa de mudança das cláusulas da Constituição contra a Igreja. O governo fez as costumeiras acusações de sedição, traição e má vontade em apoiar o Estado. As declarações do Arcebispo Mora y del Rio com relação à incompatibilidade dos artigos constitucionais com a liberdade da Igreja, produziram uma reação instantânea. O episcopado formulou seu protesto. A controvérsia saiu em campo. O governo mexicano se mostrou espantadíssimo com o fato de que a Hierarquia e os féis se mostrassem assim hostis aos dispositivos antirreligiosos da Constituição. Aos olhos do Estado, que devia ser considerado supremo, era isto a mais grosseira deslealdade. Deve ser assinalado que o México de 1926 já se achava dominado totalmente pelo espírito de secularismo e de estatismo que depois disso se tornou tão patente em outras partes do mundo. O conceito do Estado supremo e ilimitado havia dominado profundamente os líderes mexicanos. Essa ideia típica do século dezenove, tão incompatível com todo o critério da doutrina católica, explica a extrema sensibilidade do governo mexicano, nesta e em outras ocasiões, a qualquer coisa que tivesse o sabor de independência com relação ao Estado. Isto é, a ação independente era interpretada como antagônica ao Estado. Tudo dentro do Estado e nada fora do Estado, pode ser tomado como o axioma desse período. O período de 1926 a 1929 forma o ponto culminante da longa história de lutas. A Igreja foi atacada com tal malícia e ferocidade, que os atos de Juarez, comparativamente falando, pareciam positivamente favoráveis aos católicos. Os Sacerdotes estrangeiros foram expulsos, os Bispos foram exilados, e uma onda de indignação se levantou em todo o mundo contra os métodos de perseguição empregados. Durante o verão de 1926, os atos religiosos foram suspensos e o povo católico do México verificou que todo o Clero havia sido retirado das Igrejas. Estava suprimida a liberdade religiosa (para os católicos), segundo fez sentir o Episcopado. O governo de Calles, porém, insistia que a liberdade religiosa não se achava envolvida, mas apenas se tratava de um ato de rebelião. Parecia não haver reconciliação possível entre essas duas posições diametralmente opostas. Foram feitas tentativas para se chegar a uma solução do impasse. Em junho de 1929 um modus vivendi foi alcançado para por termo à situação de guerra declarada. Reconhecia-se o direito da Hierarquia em nomear os Sacerdotes e religiosos que deviam constar do registro exigido pela lei. Era isto um meio indireto de admitir a existência de um grau, pelo menos, de personalidade jurídica à Igreja. Houve um acordo tácito no sentido de que a campanha violenta do Estado seria mitigada. Tratava-se apenas de uma simples promessa do presidente Portes Gil. E a questão religiosa não foi resolvida. Em 1931 ela surgiu de novo. Em junho daquele ano o Estado de Vera Cruz pôs em vigor uma lei restringindo o número de sacerdotes católicos a um para cada cem mil habitantes. Vera Cruz há muito tempo é um verdadeiro foco de anticlericalismo. Talvez nenhum estado da República tenha sido mais profundamente afetado pelo vírus. A vida católica quase não existe nessa região costeira que divide com Tabasco e Chiapas a triste honra de serem os Estados em que a Fé católica se acha próxima da extinção. Em Tabasco nenhum Sacerdote é tolerado. Em dezembro de 1931 as atividades antirreligiosas mais uma vez se achavam em função. Foi promulgada nova legislação restringindo o número do Clero. Os sacerdotes na cidade do México toram reduzidos de 90 para 24. Chiapas devia ter apenas quatro. Em Guanajuanto, um sacerdote devia atender a nove mil fiéis. Em outubro de 1932 o Arcebispo Ruiz y Flores foi exilado”. Durante a presidência de Lázaro Cardenas continuou a campanha anticlericalista. Em 1937, a polícia matou a tiros uma jovem que ouvia Missa em uma casa particular. Uma das mais significativas das medidas recentes tomadas pelo governo mexicano vem a ser a que em novembro do ano passado proibiu os membros das forças armadas de assistir a cerimônias religiosas envergando uniforme. A opinião católica se agitou de modo consideravel diante da declaração de que além do México ser um Estado não sectário, “os ritos dos vários credos religiosos não se acham em harmonia com a dignidade do uniforme e são contrários ao espírito marcial inerente às forças armadas”. Os comentaristas católicos se apressaram a dizer que nem na Rússia soviética, onde é notório o desrespeito pela religião, se havia ido tão longe na campanha contra a Igreja. E se acrescentarmos a estas notas o comentário de que a propaganda comunista é livre nesse país, teremos completo o quadro das “liberdades populares” no México, apregoadas pelos Lombardos Toledanos que por aqui têm passado. Há liberdade para a pregação de doutrinas deletérias e antissociais como é a comunista. Dificulta-se, porém, por todos os meios, inclusive pela violência, o exercício da mais importante das liberdades que é a de adorar a Deus em Sua verdadeira Igreja, perseguindo-se aqueles que são os legítimos representantes de seu Divino fundador. Não foi outro o modo de agir do nazismo. |