Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Não há verdadeira paz

fora da Igreja

 

 

 

 

 

 

Legionário, 21 de janeiro de 1945, N. 650, pag. 5

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Uma única instituição existe no mundo nos tempos que correm, capaz de custodiar a santidade do direito das gentes. Essa instituição se estende a todas as nações e se acha sobranceira sobre todas elas, munida da maior autoridade e digna de ser venerada pela plenitude de seu magistério e pelo mandato divino de que é portadora: a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. É o que veremos nas palavras do Santo Padre Pio XI na sua Encíclica sobre a “Paz de Cristo no Reino de Cristo”, no trecho em que expõe os remédios a serem aplicados aos males do mundo contemporâneo, e que a seguir transcreveremos.

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Sendo próprio unicamente da Igreja, por se achar na posse da verdade e da virtude de Cristo, o formar retamente o espírito dos homens, ela é a única que pode, não só proporcionar a paz nos tempos atuais, mas também assegurá-la para o futuro, conjurando os perigos de novas guerras, que nos ameaçam. Porque unicamente a Igreja é que por ordem e mandato divino ensina que os homens devem conformar-se com a lei eterna de Deus, em tudo quanto façam, tanto na vida pública quanto na vida privada, tanto como indivíduos quanto unidos em sociedade. E é claro que é de muito maior importância e gravidade tudo aquilo em que envolva o bem e proveito de muitos.

Pois bem, quando as sociedades e os Estados considerarem como um dever sagrado o se aterem aos ensinamentos e prescrições de Jesus Cristo em suas relações interiores e exteriores, então terão chegado à posse de uma boa paz, terão entre si mútua confiança e ajustarão pacificamente suas diferenças, no caso de surgirem algumas.

Sem a Igreja não há verdadeira paz

Quantas tentativas foram feitas até agora a este respeito e que não lograram nenhum ou muito pouco êxito, sobretudo nos assuntos debatidos com mais ardor. É que não há nenhuma instituição humana que possa impor a todas as nações um Código de leis comuns, adaptado aos nossos tempos, como foi o que teve na Idade Média aquela verdadeira sociedade de nações que era uma família de povos cristãos, na qual, apesar de em muitas vezes ter sido violado o direito, contudo a santidade do próprio direito permanecia sempre em vigor, como norma segura segundo a qual eram julgadas as nações.

, porém, uma instituição divina que pode custodiar a santidade do direito das gentes; Instituição que se estende a todas as nações e se acha sobre todas as nações, munida da maior autoridade e veneranda pela plenitude do magistério: a Igreja de Cristo; e ela é a única que se apresenta com aptidão para tão grande mister, seja por seu mandato divino, seja por sua própria natureza e constituição, seja pela própria majestade que lhe dão os séculos, que nem com as tempestades da guerra ficou diminuída, antes pelo contrário, com admiração de todos dela saiu aumentada.

A paz de Cristo no Reino de Cristo

Segue-se, pois, que a paz digna desse nome é a tão desejada paz de Cristo, que não pode existir se não são observados fielmente por todos na vida pública e privada os ensinamentos, os preceitos e os exemplos de Cristo. E uma vez assim constituída ordenadamente a sociedade, possa afinal a Igreja, desempenhando seu divino encargo, fazer valer todos os direitos de Deus, tanto sobre os indivíduos quanto sobre as sociedades.

Nisto consiste o que com duas palavras chamamos o Reino de Cristo. Visto que reina Jesus Cristo na mente dos indivíduos por suas doutrinas, reina nos corações pela caridade, reina em toda a vida humana pela observância de suas leis e pela imitação de seus exemplos. Reina também na sociedade doméstica quando, constituída pelo sacramento do matrimônio cristão, se conserva inviolada como uma coisa sagrada, na qual o poder dos pais seja um reflexo da paternidade divina, da qual nasce e toma o nome. Onde os filhos emulam a obediência do Menino Jesus, e o modo de proceder faz recordar a santidade da Família de Nazaré. Reina finalmente Jesus Cristo na sociedade civil, quando, tributando nela a Deus as honras supremas, dEle fazem derivar a origem e os direitos da autoridade, para que nem no mandar falte norma, nem no obedecer, obrigação e dignidade; quando ademais é reconhecido à Igreja o alto grau de dignidade em que foi colocada por seu próprio Autor, a saber, de sociedade perfeita, mestra e guia das demais sociedades; isto é, tal que não diminua o poder dessas sociedades - pois cada uma em sua ordem é legítima -, senão que lhes comunique a conveniente perfeição, como faz a graça com a natureza de modo que essas próprias sociedades sejam para os homens poderoso auxiliar para alcançar o fim supremo, que é a eterna felicidade, e com mais segurança proporcionem a prosperidade dos cidadãos nesta vida mortal.

De tudo isto fica bem claro que não há paz de Cristo a não ser no reino de Cristo, e que não podemos trabalhar com mais eficácia para a instauração da paz que restaurando o reino de Cristo.

Quando, pois, o Papa Pio X se esforçava por “restaurar todas as coisas em Cristo”, como se agisse inspirado por Deus, estava preparando a obra de pacificação, que foi depois o programa de Bento XV.

Insistindo no mesmo que propuseram conseguir Nossos dois Predecessores, procuraremos também com todos as nossas forças alcançar “a paz de Cristo no reino de Cristo”, plenamente confiados na graça de Deus que ao Nos fazer entrega deste supremo poder Nos prometeu sua perpétua assistência.”

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Depois de dirigir uma exortação à Hierarquia e de apontar os meios especiais que ela deve empregar para promover essa desejada paz, diz Pio XI:

Recordai também aos fiéis que, quando tomando por guias a Vós e ao vosso Clero, trabalham em público e em particular para que se conheça e ame a Jesus Cristo, então é que sobretudo merecem que se lhes chame a “linhagem escolhida, uma classe de sacerdotes reais, gente santa, povo de conquista” (I Pt., 2,9), então é que, estreitamente unidos a Nós e a Cristo, ao propagar e restaurar com seu zelo e diligência o reino de Cristo, prestam os mais excelentes serviços para estabelecer a paz entre os homens. Porque no reino de Cristo está em vigor e floresce uma certa igualdade de direitos, pela qual, distinguidos todos com a mesma nobreza, todos se acham condecorados com o mesmo precioso sangue de Cristo, e os que parecem presidir aos demais, seguindo o exemplo dado pelo próprio Cristo Nosso Senhor, com razão se chamam, e o são, administradores dos bens comuns e, ademais, servos de todos os servos, especialmente dos menores e de todo desvalidos.

Mas as mudanças sociais que provocaram a necessidade, ou a aumentaram, de tais colaboradores para levar avante a obra divina, criaram também aos inábeis novos perigos, nem poucos nem ligeiros. Pois apenas terminada a desastrosa guerra, perturbados os Estados com agitação dos partidos políticos se assenhorearam da mente e do coração dos homens paixões tão desenfreadas e idéias tão perversas, que é de temer que mesmo os melhores entre os fiéis, e mesmo Sacerdotes, atraídos pela falsa aparência da verdade e do bem, se infeccionem com o deplorável contágio do erro.

Porque quantos há que professam seguir as doutrinas católicas em tudo que se refere à autoridade na sociedade civil e no respeito que se há de ter seja pelo direito de propriedade, seja pelos direitos e deveres dos operários industriais e agrícolas, ou pelas relações dos Estados entre si, ou entre patrões e operários, ou pelas relações da Igreja e do Estado ou pelos direitos da Santa Sé e do Romano Pontífice e pelos privilégios dos Bispos ou, finalmente, pelos próprios direitos de nosso Criador, Redentor e Senhor Jesus Cristo sobre os homens em particular e sobre todos os povos? E, sem embargo, esses mesmos, em suas conversas, em seus escritos e em toda sua maneira de proceder portam-se como se os ensinamentos e preceitos promulgados tantas vezes pelos Sumos Pontífices, especialmente por Leão XIII, Pio X e Bento XV, tivessem perdido sua força primitiva ou tivessem caído em desuso.

No que é preciso reconhecer uma espécie de modernismo moral, jurídico e social, que reprovamos com toda energia, do mesmo modo que reprovamos o modernismo dogmático.

Devem, pois, ser conservados na memória as doutrinas e preceitos que assinalamos; deve ser avivado em todos o mesmo ardor da Fé e da Caridade divina, que é o único que pode abrir a inteligência àquelas e urgir a observância destes. O que queremos que se leve a cabo sobretudo na educação da juventude cristã, e mais especialmente da que se está formando para o sacerdócio; para que neste tão grande transtorno de coisas e nesta tão grande confusão de idéias, não ande esta juventude flutuando, como diz o Apóstolo, “e se deixe levar daqui para lá por todos os ventos de opiniões, pela malícia dos homens, que enganam com astúcia para introduzir o erro” (Ep. 4, 14).

E olhando em redor desta atalaia e alcácer que é a Sé Apostólica, oferece-se à nossa vista, Veneráveis Irmãos, muitos que, ou por desconhecer de todo a Cristo, ou por não conservar íntegra e pura a doutrina ou a unidade requerida, “não são todavia deste redil”, ao qual, porém, estão destinados por Deus. Pelo que o que faz as vezes do Pastor eterno não pode deixar de, inflamado nos mesmos sentimentos, fazer uso das mesmas expressões, muito breves certamente, mas cheias de amor e da mais terna compaixão: “Devo recolher também aquelas ovelhas” (Jo. 10, 16); e traga à memória com a maior alegria aquele vaticínio de Cristo: “E ouvirão minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (ibid.). Queira Deus, Veneráveis Irmãos, que aquilo que Nós, convosco, e com a porção da Igreja a vós confiada, com um mesmo coração imploramos em nossas orações, vejamos com resultado satisfatório realizado quanto antes, esta tão consoladora e certa profecia do divino Coração.