Plinio Corrêa de Oliveira
A Mensagem de Natal - III
Legionário, 14 de janeiro de 1945 |
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Como vimos em nosso último artigo, um duplo problema se punha na apreciação do regime democrático estabelecido nos países do Ocidente. De um lado, tratava-se de saber se a imensa participação nos negócios públicos, concedida à massa, não ia a ponto de violar a ordem natural pela inteira supressão da influência das elites, as quais devem ter em qualquer tipo de organização social e política uma influência indelével porque decorrente da ordem natural e imutável das coisas. Tratava-se de saber se, na organização social, a nivelação das classes não chegara a ponto de transformar a sociedade humana, que é pela lei natural um organismo vivo, com funções diferenciadas para cada uma de suas partes, em um amontoado inorgânico, um caos social, disciplinadas apenas pela força do hábito e pelo temor das leis. Em outros termos, já não se tratava mais, como no tempo de Leão XIII, de saber se a democracia era compatível com a lei natural, mas se o modo porque essa democracia se realizara nas nações do Ocidente era ou não compatível com os princípios católicos. Questão confusa e complexa que deveria ser resolvida em função de leis naturais mal conhecidas e ainda muito nebulosas. Questão, entretanto, angustiante entre as que mais eram porque a sociedade humana começava a se ressentir de males universais, profundos, imprecisos, como um organismo minado por doença implacável e ainda ignorada. A segunda questão era outra. Enquanto a evolução das instituições e das idéias tendia para a democratização, a técnica deu aos potentados do dinheiro os elementos necessários para instalar, por detrás do arcabouço democrático, um regime estritamente oligárquico. Vimos, no último artigo, que a massa governava o mundo; o cinema, a imprensa e o rádio governavam a massa; e o ouro, dirigindo a seu talante a imprensa, o cinema e o rádio, detinha por detrás da farsa democrática o governo do mundo. Daí decorriam outros tipos de problemas, já não mais relacionados com o regime democrático como tal, mas com a substituição clandestina do regime democrático por um regime oligárquico. Se se tiveste feito claramente a distinção entre os males decorrentes da democracia e os que decorriam do seu falseamento ter-se-ia evitado muita discussão inútil, muita confusão funesta. Na Europa era cada vez maior o número dos que se inquietavam. Antes de tudo, os partidários do "ancien regime" (antigo regime, n.d.c.), que continuavam a pleitear sua restauração parcial ou total e que tinham a seu favor o prestígio do passado de certas posições que ainda conservavam, na carreira das armas ou da diplomacia, a influência que, como classe milenarmente agrícola, exerciam sobre certas camadas da população rural. A estes se juntaram alguns dos seus antigos e irredutíveis inimigos, os burgueses médios e pequenos que se sentiam minados em seu prestígio pela ascensão vertiginosa de alguns magnatas da indústria e em sua tranquilidade pelos manejos do partido comunista que procedia de um modo cada ver mais "shocking" (chocante). Essa posição da pequena e média burguesia refletiu naturalmente nos elementos numerosos e influentes de que ela dispunha no mundo intelectual e militar. Mas a grande alavanca de toda a reação foi sobretudo o elemento católico. A ofensiva pseudocientífica contra a Igreja estava gasta e todos os móveis ou tendências que atuavam contra Ela, no espírito europeu, desde a Enciclopédia, tinham perdido sua vitalidade. Houve tempo em que o moço, o soldado, o operário e o sábio eram elementos ímpios por definição. Agora, eram eles que se convertiam em massa formando organizações católicas, universidades, sindicatos, jornais, obras sociais de toda espécie, para reconquistar para Jesus Cristo o mundo contemporâneo. Ora, todos os católicos europeus, qualquer que fosse sua tendência política ou social, eram descontentes. Assim, havia um imenso potencial humano antidemocrático a explorar, e esse potencial tinha como denominador comum de todos os seus elementos a civilização cristã. Quem conquistasse esse potencial adquiria sérias possibilidades de conquistar o futuro. Duas correntes se candidataram a isso: a que pleiteava a reforma cristã da Democracia e a que exigia em nome do Cristianismo a abolição completa do regime democrático. De modo geral, nem uma nem outra corrente ficou no puro terreno da ortodoxia. Contra uma e contra outra se dirigiram as condenações de Pio XI e hoje os ensinamentos de Pio XII. Analisá-lo-emos no próximo artigo. |