Plinio Corrêa de Oliveira
Comentando...
Legionário, 7 de janeiro de 1945, N. 648, pag. 2 |
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Foi recentemente resolvida em definitivo pelo Supremo Tribunal, uma interessante questão matrimonial, que durava há já oito anos. Certa pessoa, de origem libanesa, radicada nesta capital, veio a conhecer uma sua prima, pertencente à colônia libanesa norte-americana. Após um noivado extremamente breve, casaram-se. Eis senão quando o marido descobre que sua mulher estava muito longe de ter os austeros costumes tradicionais libaneses, que ele pretendia perpetuar em sua família e, além do mais, era de religião diferente, isto é, protestante. Como se tudo isto não bastasse, a convivência conjugal durou muito pouco, pois logo foi abandonado por sua prima e esposa, a qual, por via aérea, voltou aos Estados Unidos. À vista de tantos infortúnios, o malogrado marido resolveu intentar a anulação de seu casamento, alegando que, ao celebrar-se este, ignorava a verdadeira realidade daquela com quem se unia, pois então se conheciam há muito pouco tempo. Em outros termos, mais explícitos e incisivos, comprara nabos em saco. Ora, acontece que o casamento não é um contrato de compra e venda, que pode ser rescindido por motivo de vício redibitório. Além disso, se os costumes da prima norte-americana eram assaz modernos – fumava e bebia whisky – não chegavam a ser dissolutos. Em consequência, a ação anulatória do casamento foi julgada improcedente pelos juízes paulistas de primeira e segunda instância, sendo esta decisão confirmada em grau de recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal. A decisão é lógica e justa, conforme não somente à legislação brasileira, mas também ao direito eclesiástico e à lei natural. É evidente que, quando alguém se casa com uma pessoa, pensando casar-se com outra, tal casamento é nulo radicalmente, pois o casamento é antes de mais nada – mesmo o casamento sacramental – um contrato, isto é, um acordo de verdades. É claro que na hipótese de um erro quanto à identidade física dos nubentes, este acordo é meramente aparente, puramente ilusório. E, por conseguinte, o casamento se torna também aparente, e não real. O nosso Código civil concede a anulação do casamento também na hipótese de se dar erro não mais quanto à identidade física, mas quanto à identidade moral dos nubentes. Porém, até lá não chegam as leis da Igreja. De qualquer forma, contudo, os defeitos da prima norte-americana não eram de molde a lhe alterar a identidade moral. Esta alteração só se dá quando alguém toma um “scroc” (vigarista, n.d.c.) por uma pessoa honesta, um plebeu por um nobre, e assim por diante. Daí não se conclua, entretanto, que os defeitos encontrados pelo infeliz marido em sua esposa fossem de pequena monta. Muito pelo contrário, os modernos hábitos, chamados elegantes, são absolutamente detestáveis. E os casamentos mistos, com pessoas de outra religião, se não são condenados pela Igreja, são positivamente desaconselhados. Por isso mesmo não foi feliz o argumento com que um dos ministros do Supremo Tribunal rejeitou a anulação, a saber, que fumar e beber whisky são hábitos elegantes hoje em dia, não sendo, portanto, coisas censuráveis. O argumento não se relaciona com o assunto e vem dar uma espécie de chancela judiciária à moderna perversão dos costumes. E não é só: onde iríamos parar se a lei se fosse curvar ante todos os hábitos atualmente elegantes? E, inversamente, haveria outra conclusão necessária: os bons hábitos de austeridade, combatidos pela corrupta elegância contemporânea, também deveriam ser profligados pela lei. O que há no fundo disto tudo é uma perigosa intoxicação de materialismo jurídico, que faz a lei ir a reboque dos fatos, numa atitude ancilar (subserviente, n.d.c.), em vez dos fatos serem dominados pela lei. Este é o postulado fundamental em que se apoiam, por exemplo, todos os partidários do divórcio. |