Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Mensagem de Natal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 31 de dezembro de 1944

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A imprensa diária publicou um extenso resumo da mensagem de Natal do Sumo Pontífice, transmitida pela emissora vaticana para o mundo inteiro. Infelizmente, a simples leitura dessa versão telegráfica mostra que em muitos trechos foram omitidas frases inteiras, e em outros a palavra do Papa foi desfigurada por interpolações que a tornaram por vezes ininteligível. Dada a suma importância de qualquer ensinamento brotado dos lábios do Pontífice, preferimos não publicar o simples texto radiotelegráfico de sua alocução, reservando-nos para divulgar, assim que o recebamos, o documento oficial da Acta Apostolicae Sedis com os estudos e comentários com que habitualmente publicamos os documentos pontifícios. Entretanto, desde logo, podemos dizer algumas palavras sobre o discurso do Papa, cujas linhas gerais se podiam discernir claramente a despeito das imprecisões da transmissão telegráfica.

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E convém que assim façamos. A Mensagem de Pio XII é de uma atualidade, e de uma importância doutrinária relevante. Todo fim de ano é propício para os retrospectos e para as previsões. Sentimos que o ano de 1944 marcou o declínio irremediável do poderio totalitário. Mais do que nunca, o problema da organização do mundo novo se põe diante de nossos olhos. Na medida em que possam ser certas as previsões humanas, em 1945 esse problema do mundo novo se delineará com uma nitidez cada vez maior, e, provavelmente, é em 1945 que o mundo de pós-guerra há de renascer dos escombros da Europa destruída, e começará a se constituir em suas linhas essenciais. Nada é, pois, mais importante do que conhecer o pensamento do Sumo Pontífice sobre os grandes princípios de moralidade e de ordem natural que hão de ser observados pelo mundo de amanhã.

Ora, dos vários problemas de amanhã ou de hoje, nenhum tem atualidade maior que o que o Papa escolheu: o da democracia. Qual a verdadeira posição da Igreja perante a democracia? A questão vem sendo acaloradamente discutida entre os católicos, desde a Revolução Francesa até nossos dias.

Uma corrente, considerando que a nota distintiva do Catolicismo é o espírito de caridade, e ponderando que o próprio da caridade consiste no maior desprendimento dos bens terrenos e em sua larga distribuição aos próximos, acha que o Catolicismo deve considerar mesmo mais consentâneo com seu espírito a forma de governo democrática, na qual se distribui pela massa da população a maior soma de regalias e direitos, nivelando os homens e suprimindo as desigualdades, fontes perenes de mundanismo, de apego, de orgulho.

Outra corrente, pelo contrário, entende que o fim de toda organização social consiste em realizar o bem-estar temporal e em auxiliar o homem a conquistar sua eterna bem-aventurança. Ora, estas coisas são conexas e se conseguem pelo mesmo meio: o cumprimento da Lei de Deus pela sociedade humana. A Lei de Deus é suave e leve para o homem justo. Mas ela pesa como um fardo aos ombros do homem injusto. Assim, pois, é preciso que a sociedade humana esteja sempre aparelhada a reprimir as maquinações dos homens iníquos, que se empenham em subverter a ordem cristã. Para isto, é necessário que as leis sejam enérgicas, a autoridade vigorosa, muito elevada acima da massa dos súditos e capaz de agir com eficácia e solércia diante das manifestações iniciais de qualquer desordem inspirada pelas forças do mal. A organização medieval era a própria realização deste ideal: um poder público dotado de força divina, com titulares investidos pela Igreja por meio de sacramentais próprios, uma organização vital que distribuía a autoridade através de vários corpos do organismo social, e tudo disciplinava e orientava para o bem comum entendido segundo os princípios da civilização cristã.

É bem de ver que os partidários da primeira corrente consideravam a organização medieval como perigosa, por arrastar facilmente os homens poderosos ou ricos ao egoísmo, ao orgulho, ao desprezo da dignidade e dos direitos do povo. E que os partidários da segunda corrente consideravam utópicos os sonhos dos "democratas cristãos", que com sua "democracia" concorreriam apenas para conferir o poder a um populacho ímpio e ignóbil, atiçado secretamente pelos foliculares ateus e pelas potências do dinheiro.

Basta uma consideração rápida do simples enunciado destas duas correntes, para se compreender, a um tempo a gravidade doutrinária e a importância política do problema.

Por isso mesmo não espanta que ele tenha ocasionado, entre os próprios católicos, controvérsias acaloradas. Na França, especialmente, as polêmicas entre os principais elementos católicos foram ardentíssimas, e chegaram tão longe que tornaram impossível a cooperação dos católicos de ambos os campos, na grande tarefa da dilatação do reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para o esclarecimento dos espíritos, para a concórdia dos corações, para a convergência de todos os esforços na grande tarefa do apostolado, urgia eliminar o conflito. Compreendeu-o o grande Leão XIII, que então regia os destinos da Igreja Universal. E, por isto, empregou o meio próprio e específico, instituído por Nosso Senhor para fazer cessar as contendas doutrinárias entre os fiéis: uma definição clara de princípios, que apontasse a todos os espíritos a Verdade em torno da qual se deveriam reunir. Os que obedecessem continuariam no aprisco. Os que desobedecessem seriam amorosamente chamados à penitência. E, caso contumazes, seriam excluídos.

Daí uma série de atos doutrinários de Leão XIII, que culminaram com a famosa declaração de que todas as formas de governo - monarquia, aristocracia, democracia - eram compatíveis com a doutrina da Igreja - desde que se ajustassem, a um tempo, aos princípios cristãos, à lei natural, e às exigências do bem comum temporal dos povos.

Com base nesta definição de verdades, que fazia cessar toda a ambiguidade doutrinária, Leão XIII iniciou sua política de pacificação entre os católicos divididos. Era o chamado "ralliement".

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De fato, as contendas perderam sua primitiva acuidade, e uma larga cooperação, no terreno do apostolado, se formou entre católicos monarquistas e republicanos, todos coligados para a luta contra as leis anticlericais do início deste século e para a ação social católica. A questão doutrinária desaparecera. A um católico era igualmente lícito ser monarquista ou republicano. Durante o pontificado de Pio XI e de Bento XV os frutos da ação de Leão XIII se fizeram sentir profundos. Mas, sob Pio XI o problema reapareceu com outro aspecto.

As democracias europeias, em lugar de se conformarem com o grande princípio de Leão XIII, de que todas as formas de governo deveriam respeitar a ordem natural e os direitos da Igreja, se constituíram contra a primeira, e agiram contra os segundos.

É inútil relembrar a História mais recente. Basta recordar que, um pouco por toda a parte, a democracia entrava em franca decomposição. De um lado, o progresso técnico e industrial operava a concentração das fortunas nas milícias de pequenos grupos de famílias argentários, sem tradição nem capacidade para dirigir o país. De outro lado, o nível moral das classes intelectuais decaía prodigiosamente em consequência da descristianização, a imprensa, os parlamentos, as próprias universidades se transformaram em muitos países em verdadeiras sentinas de imoralidade e incredulidade. Basta lembrar a história da Espanha antes da última revolução (de 1936 a 1939, n.d.c.), a história da França sob Blum, a história da Áustria antes de Dollfuss, para se ver que nada há de exagero nesta expressão.

Não se tratava mais de saber, como no tempo de Leão XIII, se em tese a democracia era compatível com o Catolicismo. Tratava-se de saber se, sim ou não, aquelas democracias, consideradas não mais em tese, mas concretamente, estavam ou não estavam conduzindo para o abismo a Europa. Tratava-se de saber como a Europa haveria de sair desse abismo. Questão muito mais concreta do que de princípios. Mas questão que novamente dividiu os católicos.

Veremos em nosso próximo artigo, como se fez a divisão, e, à luz disto, qual a importância das grandes Encíclicas de Pio XI contra o comunismo e o nazismo, bem como a relação da presente mensagem de Pio XII com aqueles luminosos documentos de Pio XI.


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