Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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Amar os pecadores

 

 

 

 

 

 

Legionário, 31 de dezembro de 1944, N. 647, pag. 2

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São Tomás de Aquino (1225-1274) explica quando amor e horror não se excluem, mas se completam na mesma caridade

É muito conhecido, e tem muita voga hoje em dia, o célebre adágio que nos manda odiar os pecados e amar os pecadores. Contra os pecados, todo o nosso zelo, toda a nossa energia, toda a nossa indignação. Para com os pecadores, toda a doçura, toda a compaixão, toda a nossa dileção.

Ora, aquele adágio é o que há de mais certo e virtuoso, mesmo porque pertence ao patrimônio doutrinário da Igreja, e tem a seu favor o ter sido adotado, teórica e praticamente, por quantos se salientaram no caminho da perfeição cristã. Isto não obstante, é preciso acrescentar que este adágio sofre, atualmente, uma interpretação que o deforma inteiramente. E o que o faz estar tão em moda não é o seu significado correto, mas, precisamente, a sua interpretação deturpada.

Quando, hoje, se distingue o pecado do pecador, para amar a este e odiar aquele, o que se faz é, pura e simplesmente, transformar o pecado numa espécie de entidade abstrata, quase uma quimera mitológica. Ah! Sim, evidentemente é preciso combater e odiar o pecado! E o pecado aparece como uma nuvem negra e indistinta, a toldar os horizontes. Contudo, é tão impossível combater “o pecado” como combater o centauro. Só o que tem existência real pode ser combatido. E o que tem existência real é “este” pecado de avareza, “aquele” pecado de luxúria e não “o pecado” ou “os pecados”, numa consideração genérica. Mas acontece que os pecados, considerados na sua realidade individual, estão íntima e inseparavelmente vinculados ao pecador, que os comete. Só há uma categoria de pecados em que não se verifica esta vinculação: são os chamados pecados materiais, isto é, certas violações objetivas da ordem moral sem culpa; por exemplo, o homicídio inteiramente casual e involuntário. Mas seria estúpido que alguém se indignasse, em nome da virtude, contra semelhantes infortúnios.

O pecado concreto, portanto, o pecado real existe em função da vontade perversa que o gerou, como um fruto abortivo. O seu veneno, que o constitui como pecado, é a malícia da vontade, de que ele – pecado – é a imagem e expressão. Isolado, já não tem seiva para subsistir, e se aniquila, quando o pecador o arroja de seu seio, pelo arrependimento eficaz, que se traduz na penitência.

Quando este vínculo interno entre o pecador e o pecado é desconhecido, o ódio ao pecado se torna meramente platônico e anódino. O que será, sem dúvida alguma, uma atitude cômoda em face da dissolução moral de nosso tempo, que evitará todos e quaisquer atritos com os iníquos (só se detesta a “iniquidade”, isto sim, e com que intransigência! Nada de transações com os “princípios”!), e ainda acarretará não poucas vantagens positivas (afinal, tão úteis ao apostolado, não se pode negar!). Neste sentido, já ouvimos judiciosas palavras a respeito da “relatividade” do pecado. Quanta inocência há por aí! Quanta violação gravíssima à Lei de Deus é cometida sem qualquer má intenção! Ah! A relatividade do pecado... E todo mundo peca, e ninguém se emenda e tudo vai bem.

Mas há outra atitude diferente. Alguns veem o nexo necessário que une pecador e pecado. E então dizem: “Sejamos moderados ao profligar os pecados, porque como todo pecado pertence a algum pecador, se formos muito duros com os pecados, também acabaremos por se-lo com os pecadores que o cometem, o que é contra a caridade”.

Esta segunda atitude tem a vantagem de revelar o que estava oculto na primeira, a saber: o que há, no fundo, é pouca vontade de combater o mal porque não se ama o bem; e não se ama verdadeiramente o bem porque não se ama a Deus, causa e princípio de todo bem, sobre todas as coisas. Em termos mais simples, o que há é laxismo disfarçado sob aparências de virtude, dissimulando-se sob as espécies augustas da caridade, o que é uma intolerável profanação. Debaixo da pele de ovelha, há um lobo voraz. E é isto que explica a voga daquele adágio, na interpretação equívoca que lhe dão.

Sim, é preciso odiar os pecados e amar os pecadores. Mas o que é que se entende por pecador? Se se entende por pecador a determinação viciosa da personalidade que, havendo concebido um monstro, abraça-se a ele, nutre-o com sua carne e com seu sangue, conforma-se à sua imagem, nele se contempla e nele vive; em suma, se se entende o pecador enquanto pecador, então, neste sentido, não é lícito amar os pecadores, mas é obrigação odia-los: “Perfecto odio oderam illos” (Odiei-os com ódio perfeito, Salmos, 138, 22).

Porém, se por pecador se entende o homem, a natureza que Deus criou à sua imagem e semelhança, sob este aspecto, devemos amar os pecadores. E quanto maior for o nosso amor pela natureza que Deus criou, tanto maior será o nosso horror pelas deformações impostas a esta natureza por parte de quem a recebeu. E, neste caso, amor e horror não se excluem, mas se completam na mesma caridade. É a luminosa lição que nos dá São Tomás na Suma Teológica, 2ª. 2ae., Questão 25, artigo 6º.


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