Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 17 de dezembro de 1944, N. 645, pag. 5 |
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À medida que a questão social vai se agravando, cresce a geral preocupação nos meios católicos no sentido de se dar maior incremento e coordenação às obras sociais e de beneficência devidas à iniciativa da Igreja e de seus filhos. E um dos problemas que surgem quanto aos meios e métodos a serem empregados nesse enorme campo de apostolado, vem a ser a conveniência ou não de se dar um aspecto nitidamente católico a essas iniciativas no campo social e caritativo. Há quem sustente que à vista da apostasia de certos meios sociais, melhor seria que se ocultasse o aspecto religioso dessas instituições. Acham outros que o bem não teme a luz e que essa tática equivaleria ao uso de verdadeiros mundéus e alçapões para apanhar as ovelhas tresmalhadas. A questão, apesar de sua palpitante atualidade, não é nova, porém. Vejamos, por exemplo, o que sobre ela já dizia Yves de la Brière em 1912, em seu livro “Les Luttes présentes de l’Eglise”:
A questão de princípio sobre a qual a Santa Sé frequentemente se tem pronunciado de algum tempo a esta parte, vem a ser a seguinte: devem as obras caritativas e as obras sociais empreendidas pelos católicos, na medida do possível, arvorar o pavilhão católico, proclamar publicamente os princípios católicos, ou pelo contrário não seria melhor proclamar simplesmente a “justiça cristã”, talvez mesmo a generosidade filantrópica, atitude que permitiria obter, fora do mundo católico, concursos negados a uma obra confessional? É fácil de se compreender a dúvida. Não se trataria, com efeito, de associações de piedade ou de apostolado religioso, que não podem ser outra coisa que formalmente católicas, tais como as confrarias do Santíssimo Sacramento ou as Congregações Marianas. Tratar-se-ia de obras caritativas e de obras sociais, instituições cujo fim imediato é de ordem temporal e não espiritual, instituições nas quais colaboram frequentemente católicos e não católicos, crentes e descrentes. As obras caritativas remedeiam as muito numerosas misérias físicas e morais que existem na sociedade. As obras sociais tendem a diminuir as causas permanentes de misérias e de injustiças, procurando para a família, para a profissão, para o próprio conjunto da sociedade condições de existência e de previdente organização tais que todos os direitos e todos os interesses sejam mais eficazmente salvaguardados. O Soberano Pontífice Pio X, na Encíclica sobre o Sillon, põe em relevo a razão de ser, a necessidade das obras sociais, enquanto distintas das obras caritativas: “...Como no conflito dos interesses e sobretudo na luta das forças adversas, a virtude de um homem, sua própria santidade, nem sempre bastam para lhe assegurar o pão quotidiano e que as engrenagens sociais deviam ser organizadas de tal modo que, por seu jogo natural, paralisem os esforços dos maus e tornem abordável a toda boa vontade sua parte legítima de felicidade temporal. Nós desejamos vivamente que tomais parte ativa na organização da sociedade para esse fim.” Quando os católicos, respondendo a semelhantes convites do Magistério eclesiástico, organizam uma obra caritativa ou uma obra social, devem eles em razão da finalidade temporal de tal obra, calar o pensamento religioso que as anima, a influência católica que as dirige? Devem eles, pelo menos normalmente, adotar uma fórmula não confessional que possa ser comum com os não católicos ou mesmo os não-cristãos? Eis o problema prático a respeito do qual a Santa Sé propôs uma indicação clara e uma direção firme. Devemos citar literalmente cada um dos textos significativos concernentes a esta matéria, porque sua própria continuidade e o relevo de suas expressões acusam com uma singular clareza os desejos do Soberano Pontífice. Em primeiro lugar se acha o Motu proprio de 18 de dezembro de 1903 sobre a Ação popular cristã, endereçado particularmente aos católicos da Itália. Eis aqui os artigos que dizem respeito às obras caritativas e às obras sociais: “XI. Para a solução da questão operária podem contribuir poderosamente os capitalistas e os próprios operários, por meio de instituições destinadas a fornecer oportunos socorros àqueles que se acham na necessidade, bem como, para aproximar e unir as duas classes entre si. Tais são as Sociedades de socorros mútuos, os múltiplos seguros privados, as patronagens de meninos e, acima de tudo, as corporações de artes e ofícios (Rerum Novarum). “XII. É o fim que visa especialmente a Ação popular cristã ou democracia cristã, com suas obras numerosas e variadas. Mas essa democracia cristã deve ser entendida no sentido já fixado pela Autoridade, o qual, muito afastado daquele da democracia social, tem por base os princípios da Fé e da moral católicas; aquele sobretudo de não ofender de qualquer maneira o direito inviolável da propriedade privada.” (Encíclica Graves de communi). * Ainda mais explicita seria a Epístola pontifícia de 22 de novembro de 1909, dirigida ao Conde Medolago Albani, presidente da União econômico-social da Itália. A Comissão pensava em refundir os estatutos da Federação dos grupos profissionais para que, se dizia, “o caráter de associação católica não aparecesse abertamente, a fim de obter mais numerosas adesões, acolhendo-se na nova organização os agrupamentos que se inspirassem mesmo apenas na ideia de justiça cristã, e a fim de obter mais facilmente uma representação equitativa junto aos poderes públicos.” A resposta de Pio X a essa proposição é verdadeiramente característica. Depois de haver assinalado uma dúvida sobre as vantagens hipotéticas da adoção de uma etiqueta não-confessional, o Papa descobre todo seu pensamento: “Por outro lado, não é nem leal nem digno dissimular, cobrindo-a com uma bandeira equívoca, sua qualidade católica, como se o catolicismo fosse uma mercadoria avariada e de contrabando. Ademais, com a ideia da justiça cristã, muito larga e perigosa, não se saberia nunca até que ponto se poderia chegar pelo espírito das Ligas que aderissem e, por conseguinte, pelas pessoas que poderiam ser sufragadas pelas eleições do Comité. “Que a “União econômico-social” desfralde, portanto, corajosamente a bandeira católica e se atenha firmemente ao estatuto aprovado a 20 de março último. Poder-se-á assim atingir a finalidade da Federação? Devemos graças a Deus. Será vão Nosso desejo? Permanecerão sempre as Uniões parciais, mas católicas, que conservarão o espírito de Jesus Cristo, e o Senhor não deixará de Nos abençoar.” * Três cartas públicas do Cardeal secretário de Estado vieram em seguida lembrar e comentar a doutrina desse documento pontifício. De início uma carta, endereçada, a 25 de janeiro de 1910, à presidência da “Federação italiana das caixas rurais católicas”: “Sua Santidade não duvida que os critérios diretores em que se inspirará vossa presidência sejam de natureza a assegurar à nova Federação esse carácter abertamente e claramente católico que deve constituir o apanágio glorioso de toda instituição que nasce e cresce à sombra da Igreja.” O Cardeal Merry del Val escrevia também, a 17 de março do mesmo ano, ao Conde Medolago Albani, em resposta a um novo comunicado da “União econômico-social": “Que o Non erubesco Evangelium (Não me envergonho do Evangelho), que São Paulo repetia com santa fraqueza em sua carta aos Romanos, seja impresso em grandes e inapagáveis caracteres na bandeira de todas as Instituições católicas, e que uma profissão cristã, aberta e franca, forme sua divisa gloriosa e a síntese luminosa do caráter que as informa e as distingue. “Sua Santidade já teve ocasião de se pronunciar explicitamente no venerado autógrafo que dirigiu recentemente a Vossa Senhoria. Hoje, valendo-se desta feliz ocasião, Ele volta ao mesmo argumento para recomendar de novo e indistintamente a todas as associações que militam no campo católico que sejam e se mostrem católicas à toda prova, não somente na sombra de suas próprias reuniões, mas também à luz das grandes manifestações sociais; não somente no silêncio da vida privada, mas também no meio do bulício da vida pública, de modo que cada um possa aplicar a si próprio e de dizer com alegria: In ipso vivimus, movemur et sumus.” * A 17 de abril, o Cardeal-secretário de Estado responde nestes termos a uma súplica vinda da França e redigida pelo Sr. Louis Durand, presidente da “União das caixas rurais e operárias”: “Desejais mui justamente que os processos de ação social verdadeiramente capazes de realizar um grande bem pelo manejo dos interesses econômicos para formação de elites se afastem resolutamente do pernicioso princípio da neutralidade religiosa e se revistam de um caráter católico pleno de precisão e de clareza, em uma união disciplinada. “Com efeito, é em vão que se pretenderá restaurar a sociedade e melhorar realmente a sorte dos povos se se evita colocar à base da ação social a inspiração da religião e da caridade cristã. “O Santo Padre soube com vivo interesse que vossa união reúne agrupamentos que podem servir muito eficazmente de modelo aos outros, tanto do ponto de vista da organização econômica quanto do ponto de vista da organização religiosa.” Palavras cujo espírito se acha admiravelmente conforme aos conselhos de afirmação e de solidariedade católica, dados na véspera por Pio X em sua alocução aos peregrinos franceses (16 de abril de 1909): “Tenhamos solicitude uns para com os outros, a fim de nos estimular à caridade e às boas obras. Não abandonemos a sociedade dos nossos e não metamos o pé no campo adverso, porque daríamos assim ao inimigo uma prova de nossa fraqueza que o inimigo tentaria interpretar como um sinal e uma marca de cumplicidade.” As diretivas da Santa Sé não podem, portanto, se prestar ao menor equívoco. Até o ponto em que seja possível, o ponto em que as circunstâncias o permitam, as obras caritativas e as obras sociais empreendidas pelos católicos devem adotar um carácter francamente confessional. Essas obras serão nitidamente católicas, até pelo próprio título, ou ainda pelas prescrições de seus estatutos e regulamentos, mas sobretudo pelos princípios doutrinários e pelo espírito religioso, do qual, notoriamente, elas se inspirarão.” |