Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
Uma espiga

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de dezembro de 1944, N. 643, pag. 2

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O sr. Afonso Schmidt gosta de cultivar um certo gênero intermediário entre o romance, o conto, a novela, a anedota, a memória e a narrativa; de modo que o leitor nunca sabe ao certo onde começa a imaginação do literato e onde termina a veracidade do narrador.

Prevalecendo-se desta cômoda situação, em que a testemunha se esconde atrás do poeta, e vice-versa, de acordo com as circunstâncias, o sr. Afonso Schmidt já tem contado muita história interessante aos seus leitores, e já se poderia fazer um alentado volume daquilo que os ingleses chamam de “bedtime stories”.

Ainda agora este estimado literato produziu uma longa narração acerca dos terrores que assaltaram a cristandade, ao esperar o fim do mundo no ano mil. Usando largamente os recursos de sua fervida imaginação, o sr. Schmidt reconstituiu os episódios salientes e representativos desta expectação apocalíptica, de conformidade com as trevas e as superstições daquela época noturna. E de conformidade com outras coisas também, pois nem tudo eram superstições naquele tempo. Assim, por exemplo, o sr. Schmidt pinta a propaganda feita pelos frades que, ao aproximar-se o ano mil, anunciavam às pobres populações ignorantes e temerosas a iminência do cataclisma terrível, que tudo aniquilaria em fogo. E para salvar as almas deveriam todos desprender-se dos bens terrenos, abandonando todas as suas posses. Em consequência, nas vésperas do ano fatídico, todos, sem qualquer exceção, começaram a doar seus bens aos frades. Desta sorte, grandes carros se encheram com preciosidades sem conta, ao passo que os escrivães não acabavam de lavrar as escrituras de doação dos imóveis. Contudo, veio o ano mil, e nada aconteceu. O sol continuou a levantar-se e a deitar-se como de costume. Porém, conclui o sr. Schmidt, não havia caminho em que não se vissem aqueles grandes carros atulhados de tesouros, todos os caminhos conduziam a Roma...

É notável que o sr. Schmidt saiba tão meticulosamente o que aconteceu em época tão recuada, quando está muito menos informado acerca de acontecimentos coevos.

O mesmo sr. Schmidt, na sua biografia de Júlio Frank, conduz subitamente o leitor à morte do biografado, sem maiores explicações. Segundo ficou narrada, a vida de Júlio Frank não representa qualquer interesse especial que a diferencia do comum das vidas humanas, de molde a merecer um estudo especial.

Por que, portanto, o sr. Schmidt se desdobrou em tantas minúcias para terminar com uma tirada anticlerical a respeito do ano mil? Principalmente hoje, em que há uma tal variedade de modos mais elegantes de combater a Igreja! Será que lhe coube, por acaso, a parte menos grata, do ataque rasteiro? Isto seria certamente uma espiga, senão uma bucha.


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