Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Estarão mortos os inimigos de D. Vital?

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de novembro de 1944, N. 642, pag. 5

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Neste primeiro centenário do nascimento do grande Bispo de Olinda, nada mais justo que lhe consagremos a presente crônica de transcrições.

Foi D. Vital uma vítima das tramas das forças secretas, que naqueles tempos estavam aqui no Brasil e na Europa, no apogeu de sua luta aberta contra a Igreja. Ora, é comum tratar-se a maçonaria como coisa do passado, que hoje ainda perdura em algumas lojas desmoralizadas, frequentadas por anticlericais notórios e quase inofensivos pelo ridículo de que se cobrem. Qualquer coisa parecida com o “Rotary Club”.

Torna-se, portanto, muito oportuno perguntar: estarão realmente mortos os inimigos de D. Vital?

Não nos referimos à ação política das forças secretas. O LEGIONÁRIO por mais de uma vez já forneceu aos seus leitores farta documentação que prova as origens maçônicas não somente do comunismo, o que é evidente, mas também do nazismo e do fascismo, em que pese a demagogia em contrário destes dois monstruosos movimentos políticos modernos. Queremos nos referir às atividades diretamente anticatólicas das forças secretas. Neste setor não há dúvida que de um modo geral houve uma completa mudança de tática em relação aos métodos carbonários de meados do século passado. Longe de diminuir a violência de seus ataques, as forças secretas apenas resolveram agir com mais cautela, baseadas, quem sabe, em parte sobre os efeitos benéficos para a Igreja dessa perseguição direta que cria mártires, como no caso de D. Vital.

Daí a tática da infiltração e da confusão das ideias de preferência usada hoje pela maçonaria em seu combate à Igreja. E, para maior elucidação de nossos leitores, transcrevemos abaixo o que se acha a respeito no “Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique” de A. D'Alès:

Dom Vital (1844-1878)

“Infiltrações” maçônicas e novas formas da maçonaria

Parece-nos indispensável dizer algumas palavras sobre os atuais neo-espiritualistas, ocultistas, cabalistas, teósofos, etc., que parecem se filiar à conjuração anticristã e que se nos afiguram mais perigosos que o próprio Grande Oriente; porque enquanto este exerce sobretudo uma influência política e governamental, aqueles se insinuam nos espíritos a favor dos piores equívocos, e se “infiltram” na Igreja para desagregá-la. É, infelizmente, muito difícil explorar um terreno minado a cada passo, como se dava no século XVIII no terreno político (e sabemos as lutas que então se travaram!).

Sabe-se que no correr do século XIX a Alta-Venda parece haver tomado o lugar do iluminismo na direção geral das seitas-secretas. Seus documentos, compreendendo o período que vai de 1820 a 1846, caíram nas mãos do Santo Padre Leão XII e foram publicados por Cretinau Joly (L’Église Romaine et la Révolution). Ora, leem-se nas “Instruções secretas” de Nubius (pseudônimo que ocultava o principal personagem da Alta Venda), frases como as seguintes: “Que o clero marche sob vosso estandarte acreditando sempre marchar sob a bandeira dos chefes apostólicos; lançai vossas redes... ao fundo das sacristias, dos seminários e dos conventos” (Carta a Volpe, 3 de abril de 1844). Um outro membro da Alta Venda, explicando como tantos sacerdotes e leigos católicos se deixam seduzir pelo igualitarismo e pelo humanitarismo maçônicos, escrevia: “Eles se persuadem que o cristianismo é uma doutrina essencialmente democrática” (Emmanuel Barbier, Les Infiltrations, pp. 5 e 6).

Depois disso, múltiplos esforços foram desenvolvidos para de novo dar à maçonaria a influência filosófica conforme ao espírito de seus ritos e de seus símbolos, de que seus políticos impuros haviam se desviado, e para atacar indiretamente, por uma espécie de movimento envolvente, os princípios constitutivos da Igreja.

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Cerca de 1885, o dr. Papus (M. Encause) reconstituiu o martinismo, cujas primeiras lojas funcionaram em Montmartre em 1889. Cerca de 1888 foi igualmente restaurada a seita dos Gnósticos, tornada 1893 a igreja gnóstica; em 1906, havendo o “patriarca” Fabre des Essarts formado uma associação cultural sob o nome de Igreja gnóstica da França, essa igreja se dividiu em dois ramos, tendo cada um sua revista (Le Rêveil gnostique e La Gnose). Foram sobretudo estes grupos que constituíram a “Aliança espiritualista”: eles procuram o “mesmo esoterismo” que se oculta no fundo de todos os cultos, e estudam o espiritismo, o hipnotismo, a magia; desejam explicar o mundo sem auxílio do dogma da criação e terminam no “panteísmo emanentista”, que é a divinização do homem. Seu principal sistema é o ocultismo, que pretende se ligar ao esoterismo dos antigos filósofos (alexandrinos e gregos), ao “hermetismo” da Idade Média, às doutrinas dos templários e dos cavaleiros Rosa Cruz, ancestrais dos maçons; seu “pontífice” é o sr. Albert Jounet que reivindica o título de “chefe incontestável dos católicos modernistas” e que sob o nome de “Harmonia messiânica”, deseja erigir uma síntese que, realizada entre a Igreja e o novo mundo, incorporará as verdades modernas às verdades cristãs, mas rejeitará os erros da Igreja e os erros modernos”.

A essas escolas convém acrescentar a “Kabala” e a “Teosofia”. A Kabala, que forma um grupo muito considerável e atesta o progresso da influência dos judeus no mundo intelectual, pretende se fundar estritamente sobre a tradição hebraica; seu chefe é o marquês de Saint-Yves d’Alveydre. A Teosofia, sem reclamar abertamente a tradição universal (como a Gnose), nem a interpretação da Escritura (como a Kabala), é uma revelação interior da ciência e da vida divina, obtida pelos segredos da contemplação que ela toma emprestada ao... bramanismo e ao budismo. Quanto ao resto, suas doutrinas nada tem de original e são, em seu conjunto, idênticas às precedentes. “Qual será a religião futura da humanidade? (perguntava no Congresso espiritualista de 1908 o sr. Blech, presidente da Sociedade teosófica de França). Ela difere de todas aquelas que a precederam; não mais será uma fé exclusiva e separatista, mas um reconhecimento que as mesmas verdades se acham em todas as religiões, que não existe senão uma única verdadeira religião, a Divina sabedoria, e que cada religião tomada à parte é apenas verdadeira na medida em que incorpora os principais ensinamentos dessa divina sabedoria”. Em outros termos, os teósofos desejam absorver o catolicismo numa religião puramente humanitária (devendo o homem achar em si próprio os ensinamentos divinos), e o sr. Blech observa que o “modernismo”, condenado por Pio X era já “uma das formas” da teosofia. – Ver Leonce de Grandmaison, “Teósofos e Teosofia", “Le Lotus bleu” (coleção “Science et Religion”).

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Deve-se aliar esse apregoado “renascimento espiritualista” à ação ou às ideias maçônicas? Incontestavelmente, e as provas abundam. O sr. M. J. Doinel, restaurador da Gnose, era membro do Conselho da Ordem do Grande Oriente (cf. La Gnose, março de 1910, p. 184) – (O sr. J. Doinel mais tarde se converteu ao catolicismo). O “Congresso espiritualista” de 1908, federando todas as seitas ocultas, não escondeu seu objetivo: a restauração da Franco-Maçonaria decaída de seu verdadeiro espirito como resultado de suas manobras políticas. O secretário geral, sr. V. Blanchard, expressou a esperança de ver todos os ritos da maçonaria francesa se unirem para reforçar “o exército dos cavaleiros do Idealismo cristão” (!), e terminou assim seu discurso de abertura: “Será então que eles (os que se atormentam com o problema da Hiperfísica), prepararão conscientemente o Advento sobre a terra da Verdadeira Fraternidade e do Reino do Espirito Santo ou da Ciência aliada à Fé, da Razão unida à intuição...? Depois desse discurso, lê-se nos anais o seguinte título dos trabalhos da segunda parte do Congresso: “Convenção maçônica dos ritos espiritualistas”. Com efeito, trinta e uma potências maçônicas estavam representadas no Congresso, graças à iniciativa das lojas martinistas; ali se censuraram “as ignorâncias e as faltas da maçonaria francesa”, e fez-se luz sobre os meios de apressar a “evolução” que dois meses antes o tripingado Hiram havia preconizado na “Acácia” (março de 1908): torna-se necessário, dizia ele (no seu jargão especial) “despolitizar” a franco-maçonaria e fazer reviver seu simbolismo tradicional. Em abril de 1910, La Gnose emitiu idéias análogas com relação à “ortodoxia maçônica”, e mostrou no simbolismo maçônico “a forma sensível de uma síntese filosófica de ordem transcendente ou abstrata”. Assim será realizada, segundo as expressões de Hiram, uma “nova forma de luta contra a Igreja”, consequência da “reação ritualista, simbolista... religiosa, no sentido social da palavra, que começa na maçonaria francesa”.

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Estas breves indicações (confirmadas pelas teorias que expõe o irmão maçom Oswald Wirth no seu “Livro do Aprendiz”) bastam para mostrar que perigos resultam da mudança de frente e de método das seitas ocultas, perigos que crescem diante do fato de que certos católicos veem nessa mudança um retorno possível às suas crenças e parecem facilitar com toda sua transcendente ingenuidade o sucesso da nova estratégia (“Dictionnaire apologétique de la Foi Catholique”, tomo II, páginas 123 a 124).