Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Entraves à união dos católicos

 

 

 

 

 

Legionário, 12 de novembro de 1944, N. 640, pag. 5

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A pretensão de conhecer melhor do que ninguém as necessidades da época, eis a mais grave das desordens dos neoliberais. Juntai a esta pretensão uma generalizada antipatia contra os princípios absolutos e verdadeira intolerância para com seus defensores; pelo contrário, grande simpatia para com os erros modernos e ampla disposição de transigir com seus adeptos à custa da verdade e dos direitos de Jesus Cristo e tereis o diagnóstico da doença que corrói muitos dos nossos irmãos.

Vimos, em nosso último número, como o ilustre Jesuíta Padre Henrique Ramière, já em fins do século passado demonstrava que esses católicos eivados de liberalismo se portam como verdadeiros inimigos do reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Continuaremos hoje a transcrição dessas atualíssimas páginas do grande apóstolo da consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus. Por elas veremos como se opõem esses neoliberais à união dos católicos entre si, união que somente é possível em torno da tradicional doutrina da Igreja, que eles repudiam.

 

 

Podem-se reduzir a três principais os funestos resultados do liberalismo católico: enfraquecendo a autoridade do seu Chefe, destrói a disciplina do exército católico; tirando-lhe a união com este Chefe, rouba-lhe a força que deriva de tal união; enfim despojando-o das armas, sem as quais não pode resistir-lhes, nem vencê-los, entrega-o, sem defesa, a seus inimigos.

O liberalismo começa por quebrar, no exército católico, o nervo da disciplina e com isto o priva da condição mais essencial para a vitória. Um exército que não obedece mais a seu chefe, está vencido antes de combater. Digamos melhor: não é mais exército, pois o que distingue o exército da multidão desordenada é unicamente a disciplina, a submissão de todos a um chefe único. E esta submissão indispensável aos exércitos que combatem em defesa de interesses puramente materiais o é mil vezes mais naquele que defende na terra os interesses de Deus e os interesses de Jesus Cristo. Porque o primeiro desses interesses divinos, cuja defesa está confiada aos católicos, é a autoridade suprema do Criador, exercida aqui na terra pelo seu Vigário. A submissão de todas as almas a esta autoridade foi o primeiro interesse que Jesus Cristo entregou aos cuidados de sua Igreja.

E querendo que a submissão fosse uma obrigação mais indispensável que nas sociedades temporais, o divino Fundador da Igreja tornou-lhe a prática muito mais fácil. O soldado que obedece cegamente a seu chefe, só tem a experiência e as qualidades pessoais do chefe a garantir-lhe a sabedoria de ordens que talvez vão custar-lhe a vida. O católico, pelo contrário, que segue a direção dada pelo Vigário de Jesus Cristo, quando se trata dos interesses da Igreja, tem garantia muito mais sólida: a palavra do divino Salvador, a assistência prometida a seus representantes e a certeza dada a seus soldados de que, obedecendo-lhe, marcham para a vitória.

Se um soldado ou oficial é repreensível quando, na direção do exército, tenta substituir suas próprias ideias às ordens do general, quanto mais repreensíveis seriam os católicos que pretendessem dar à Igreja direção contrária à que lhe imprime o Vigário de Jesus Cristo? Tal pretensão seria tão absurda como criminosa. Violando a ordem de Jesus Cristo, levaria o católico a negar o que o faz católico. Com efeito o católico difere do protestante justamente porque o primeiro reconhece a autoridade do Papa no governo da Igreja ao passo que o segundo lhe prefere a da razão. Não é isto por ventura o que fariam os cristãos que, na grave questão das relações da Igreja com as sociedades temporais, se julgassem autorizados a seguir as próprias idéias, em vez da direção do Vigário de Jesus Cristo? E se o liberalismo católico conduzisse a semelhante resultado não cessaria por isso mesmo de merecer o nome de católico? Não se tornaria verdadeiro protestantismo?

Não há, pois, que duvidar: pondo de lado as ilusões individuais, e considerando a doutrina em si mesma, reconheceremos que o liberalismo tende a pôr seus adeptos em oposição ao Papa, em assunto que lhe compete. Realmente, como negar que pertence ao Chefe da Igreja decidir quais são os direitos desta sociedade divina em relação às sociedades temporais? Como se pode supor que numa questão de tanta importância, Jesus Cristo tenha deixado, durante séculos, vítimas dum erro funesto, aqueles a quem prometeu assistir com seu divino Espírito, e que tenha confiado a homens sem missão alguma a incumbência de salvar a Igreja perdida pelo seu Vigário? Ora, os católicos liberais são forçados a admitir esta suposição, igualmente absurda e ímpia, se querem manter a sua doutrina, pois é certo que os chefes da Igreja nunca deixaram de ensinar a doutrina contrária. É certo que, desde o dia em que o liberalismo começou a aparecer no mundo, foi ferido, diversas vezes com as mais explícitas condenações. Pio VI, Gregório XVI, Pio IX lançaram-lhe seus anátemas, e este último Pontífice em particular, cuja exaltação fora tão calorosamente aplaudida pelo liberalismo, deu-lhe o golpe de morte com a célebre Encíclica “Quanta cura”.

Parece, portanto, que para os católicos de boa fé, não deveria haver a menor hesitação: qualquer que tenha sido sua ilusão no começo, desde que se lhes mostre que o liberalismo é condenado pelo representante de Jesus Cristo, não lhes resta senão abjurar tão perniciosa doutrina, e reconhecer generosamente seu erro.

Infelizmente, o liberalismo não é somente um erro da inteligência: é também uma verdadeira doença da alma, e as desordens intelectuais produzidas por semelhante doença são mais difíceis de curar que cegueira proveniente do erro. A mais grave destas desordens é a pretensão de conhecer melhor que ninguém as necessidades do tempo; juntai a esta pretensão a antipatia aos princípios absolutos, e a intolerância para com seus defensores; pelo contrário a simpatia para com os erros modernos, e a disposição de transigir com seus defensores à custa da verdade e dos direitos de Jesus Cristo, e tereis o diagnóstico da doença liberal.

Ora, a menos de um milagre, não será uma simples encíclica do Soberano Pontífice, nem mesmo um decreto do Concílio Universal, que poderá curar completamente as almas atacadas desta doença, e restituir à Igreja os proveitos que tinha direito de esperar da sua cooperação. Querem permanecer católicos, portanto não se revoltarão contra as decisões dos Papas, mas, aceitando teoricamente estas decisões, continuarão convencidos de que, na prática, devem ser consideradas como inexistentes. Se não contestam a verdade, negam-lhe a oportunidade; não hesitarão em dizer que os Papas não compreenderam os tempos; que tomaram a sociedade moderna às avessas, e julgarão que estão em regra com o dever de católicos, porque não negam absolutamente nenhuma verdade definida pela autoridade doutrinal da Igreja, estando entretanto em oposição aberta com a autoridade diretiva do Chefe da Igreja. É de fé, porém, que estas duas autoridades são igualmente soberanas, e que o Sumo Pontífice não tem poder menos pleno para reger e governar que para definir e ensinar. É de fé, por conseguinte, que um católico não cumpre senão a metade do seu dever se, aderindo às decisões dogmáticas do Soberano Pontífice, não aceitar de coração a sua direção, em tudo o que toca ao bem da Igreja.

Deste primeiro perigo nasce o segundo. Rompendo os laços de submissão que devem unir todos os católicos ao Vigário de Jesus Cristo, o liberalismo torna impossível a união dos católicos entre si, porque, em qualquer sociedade, a união dos membros entre si, não pode resultar senão da união de cada um com o chefe comum. Aliás, que necessidade temos de provar a realidade deste perigo? Quem não vê e lamenta? As divisões dos católicos que mais se têm distinguido pela sua dedicação à Igreja não são, de alguns anos para cá, o maior luto desta Mãe das almas, e o maior triunfo de seus inimigos? Quantas vezes não se ouve com estupefação, da boca de homens que partilham da mesma fé, e se assentam ao mesmo banquete eucarístico, certas severidades e certos rancores contra seus irmãos, que não teriam usado contra os inimigos de Deus! Já o dissemos e nada mais certo: a intolerância para com os defensores dos princípios é justamente com a tolerância para com os patronos do erro, um dos sintomas característicos do contágio liberal.

É verdade que os que mostram tal intolerância não se esquecem de motivá-la com os perigos a que seus adversários expõem a Igreja. Persuadidos de que são os únicos a compreender às necessidades do seu século, procuram inculcar como agressores os que os impedem de operar a reconciliação entre a Igreja e a sociedade moderna, que é o fim de seus esforços. E para restabelecer a paz, propõem um meio que lhes parece muito fácil: que seus adversários cessem de combatê-los, e que a Igreja inteira abrace o liberalismo e assim o liberalismo não mais seja para a Igreja uma causa de divisão.

Infelizmente este meio é impraticável: a Igreja católica não pode abraçar o liberalismo, sem renunciar à sua tradição, e sem deixar de ser a Igreja católica. Os liberais nos obrigam, portanto, a combatê-los, enquanto resistirem em combater a doutrina tradicional. Há, portanto, um único meio de acabar com as divisões que tanto nos prejudicam: é preciso que voltemos todos ao caminho dos nossos pais; é preciso que nos sujeitemos de novo à direção do Pastor que Deus incumbiu de apascentar-nos; devemos repudiar todas essas novas doutrinas, cuja novidade por si só nos deveria ser indício de falsidade; devemos renunciar a ser homens do século, para permanecermos discípulos da eterna verdade, e servos daquele que se chama o Rei imortal dos séculos.

Se, a despeito dos avisos reiterados do Vigário de Jesus Cristo, os católicos liberais persistirem no seu erro, saibam que só eles serão responsáveis pelas desuniões de que este erro é o princípio, e das vantagens que proporcionarão a nossos inimigos comuns.

Tal é de fato a terceira consequência do liberalismo católico: desarmando os defensores da verdade, dá aos adversários toda a facilidade para fazer triunfar seus erros. Aqui também os raciocínios são supérfluos; os fatos falam muito alto, e parece, na verdade, que a Providência, permitindo as catástrofes de que somos testemunhas, quis vingar a sabedoria dos anátemas fulminados pela Igreja contra o liberalismo.

Todos sabem que a ausência de reação contra o mal é mais causa de morte que a violência do mesmo mal. A violência do mal pode ser indício de força, e quando a reação se opera com suficiente energia, o corpo pode tornar-se mais vigoroso, depois do abalo que momentaneamente o enfraqueceu. Mas quando já não é capaz de reagir, o menor golpe bastará para derribá-lo. Não há mais vida, onde não há reação contra a morte. E é este, sem contestação, o mais grave sintoma da decomposição social que assistimos.

De todos os resultados do liberalismo, é este o mais funesto. Dando livre curso às paixões perversas, ele enervou os sentimentos generosos que deveriam ter reagido contra seus excessos. Extinguiu nas almas o ódio do mal. Se um homem de bem é o que se indigna à vista duma má ação, pode-se dizer que o liberalismo tende a fazer desaparecer a raça dos homens de bem. Que é o que vemos nos últimos anos? As leis da justiça pública e particular são aberta e sistematicamente calcadas aos pés por aqueles mesmos que deveriam defendê-las; as mais enormes iniquidades são perpetradas, sem que se levante a consciência da Europa cristã. A Itália revolucionária se apodera da Capital da Cristandade, ultrajando ao mesmo tempo, a Majestade do Pontificado e os mais sagrados direitos de duzentos milhões de católicos, e os representantes das nações católicas acompanham ao Quirinal o usurpador excomungado. Paris é incendiada por franceses e um mês depois várias grandes cidades da França enviam à Assembleia Nacional homens que professam as mesmas idéias que os incendiários.

E não bastará tamanha lição para nos abrir os olhos? Em presença destes resultados tremendos do liberalismo, haverá ainda católicos sinceros que se prezem do título de católicos liberais? Ter-se-á a ousadia de preconizar ainda, como preciosa conquista, a liberdade absoluta do erro, quando, debaixo dos nossos olhos, o erro fez tal uso de sua liberdade? Esta ilusão até certo ponto mereceria desculpa, se o erro quisesse conceder à verdade a liberdade que seus adversários muito indulgentes lhe reivindicam. Mas é assim que procede? Não o vemos antes atentar, em toda a parte, contra a liberdade da verdade? Que vimos em Paris no reinado da Comuna? E que vemos ainda em Roma, na Espanha, na Suíça, na Áustria, onde quer que o desprezo ou o temor não estorvem as tendências tirânicas do liberalismo?

Em todos estes países, a única ocupação é forjar cadeias para a Igreja. E que faz nesse tempo o liberalismo católico? Fica de sentinela para que os defensores da Igreja não estorvem o aliado na execução de seus tirânicos desígnios. Sim, é este o papel que fazem há muito tempo os católicos liberais, em relação aos liberais anticristãos: o papel de papalvos. Se o liberalismo anticristão é a mais solene impostura que jamais registrou história, o catolicismo liberal é o mais colossal logro de que se conserva memória.


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