Plinio Corrêa de Oliveira
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Legionário, 29 de outubro de 1944, N. 638, pag. 2 |
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A economia canavieira se apresenta com características particulares, na História do Brasil. Durante os tempos coloniais, não há quem ignore o papel preponderante que o açúcar desempenhou. Aqui mesmo em São Paulo, antes do surto da cafeicultura, a cultura da cana teve uma grande importância. Porém, a importância da economia açucareira não é meramente histórica. Ainda hoje ela representa consideráveis interesses, não só no Norte do País, mas também em São Paulo. Ora, esta economia está passando por transformações profundas, na sua mais íntima estrutura. Antigamente, a cultura da cana, como as demais explorações agrícolas, se revestia de um aspecto todo patriarcal. As relações entre patrões e empregados tomavam a feição e o colorido das relações familiares. Existia, em toda a acepção da palavra, esta extensão da sociedade familiar, que se chama a sociedade heril. Aliás, a palavra “patrão” hoje cada vez mais em desuso, substituída como é pela palavra “empregador”, se origina de “pater”, isto é, “pai”. Por aí, os trabalhadores acabavam por ter uma certa participação no próprio patrimônio do patrão. A gleba, o proprietário, sua família e seus trabalhadores tendiam a tornar-se uma só unidade econômica, tudo isto aliás muito de acordo com a nossa índole nacional. E deste tipo de exploração econômica surgia uma forma toda espontânea de previdência social: a unidade econômica, para a qual todos concorriam, era também o amparo e o apoio de todos. A vitalidade destes nossos clãs rurais chegou a ser tão pujante, que influiu decisivamente em nossos destinos políticos. Pois estes organismos sociais se alicerçavam na força das coisas, que é muito mais forte do que a força das leis. Porém, tudo isto está sofrendo uma evolução enorme. Desintegram-se, dia a dia, as unidades econômicas, o patrão se vai transformando em empregador, colocado face a face ao empregado. O trabalhador deixa de ser uma pessoa bem conhecida em sua identidade pelo patrão bem como deixa de ser identificado pelo seu clã rural, se transforma numa abstração anônima: o “empregado”, o indivíduo-massa, que se define, na órbita do ambiente agrícola, apenas como capacidade produtiva. A última etapa desta evolução acaba de ser alcançada pelo decreto-lei que regulamentou a “situação dos fornecedores de cana que lavram terra alheia”. A situação é a seguinte: a lavoura canavieira já não é mais explorada por colonos. Estes, se transformaram em “fornecedores”, isto é, a cana que eles cultivam é propriedade deles, e eles a vendem ao dono da terra, de acordo com os preços tabelados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool. Sobre este preço, porém, serão feitas algumas deduções, relativas ao aluguel da erra, ao aluguel da casa de moradia, à distribuição de mudas, e a outros serviços indispensáveis à exploração agrícola, prestados pelo dono da terra ao fornecedor. Estas deduções serão calculadas segundo porcentagens determinadas pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, dentro de certos limites fixados no referido decreto-lei. Entretanto, é evidente que o fornecedor, enquanto não vende a sua cana ao dono da terra, precisa receber algum dinheiro, para ir vivendo. Este dinheiro lhe será adiantado pelo dono da terra, aos juros de 4% ao ano. Em matéria de financiamento agrícola, é um notável progresso; o Banco do Brasil, por exemplo, faz o mesmo financiamento à taxa anual de 9%. Além disto, o mencionado decreto-lei dispõe várias penalidades no sentido de salvaguardar o fornecedor contra a ganância do dono da terra. Quanto aos encaixados na classe dos fornecedores, suas relações com o dono da terra serão especificadas em contratos-tipos, devidamente aprovados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool. Esta é a substância do decreto-lei. Como se vê, são profundas as alterações introduzidas em nossa vida agrícola açucareira. |