Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
A tese e a hipótese

 

 

 

 

 

 

Legionário, 22 de outubro de 1944, N. 637 pag. 5

  Bookmark and Share

 

Voltam os seguidores incondicionais do sr. Jacques Maritain a reabrir os debates em torno das ideias políticas e sociais do “Mestre”, através de artigos de jornais, de “cursos” e de conferências. Não se aduzem, porém, argumentos novos. Defendem-se, de preferência, pontos de vista que não foram combatidos e emprega-se um cuidado todo especial em não citar na íntegra e no seu contexto as passagens do livro “Os Direitos do Homem” que foram cotejadas, pelo Padre Arlindo Vieira, com os textos pontifícios que regulam a matéria.

Um outro processo de defesa, agora reeditado, é o de afirmar que o sr. Jacques Maritain, ao se referir ao “Estado leigo vitalmente cristão” e à solução “pluralista”, não atacava a tese católica, mas apenas encarava a hipótese derivada da situação atual da Cristandade. Para provar este ponto, houve até quem argumentasse com as diretrizes dadas no Brasil à Liga Eleitoral Católica!

O fato é que o sr. Jacques Maritain transforma a hipótese em tese; pois coloca uma concepção “pluralista”, e contrária ao “regime de privilégios” na base de seu “ideal histórico de uma nova Cristandade”, e de uma “sã sociedade política”. O que segundo Leão XIII pode ser tolerado em dadas circunstâncias e em determinados países, se transforma em regra geral.

—oOo—

Não é nova, porém, a tentativa de passar esse contrabando doutrinário. Fracassado o movimento de Lamennais e de Montalembert, surgiu no fim do século passado nova onda liberal acobertada pelo nome de “americanismo”. Esta segunda onda seguiu no assunto a mesma tática da atual “corrente” do sr. Maritain: não negar a tese mas mostrar-se favorável à hipótese. Tornam-se, portanto, muito atuais os seguintes trechos do livro Le Père Hecker est’il un saínt?” da lavra do campeão do anti “americanismo” que foi o Padre Charles Maignen, da sociedade de S. Vicente de Paulo:

“Em discurso pronunciado no Congresso Internacional dos sábios católicos reunidos em Friburgo, discurso intitulado: “O Americanismo segundo o Padre Hecker, o que ele é e o que não é”, houve quem se expressasse do seguinte modo: “Por mais bela e verdadeira, que seja, em teoria, a união legal entre a Igreja e o Estado, entretanto, na prática, infelizmente, acontece muito frequentemente que ela tem por resultado prejudicar gravemente a Igreja diminuindo sua liberdade e fornecendo a leigos, frequentemente desprovidos de piedade, ocasião de se intrometer indevidamente na administração dos negócios religiosos.”

“Há muito tempo que se conhece esse discurso; é a velha doutrina do congresso de Malines, ao qual, aliás o Padre Hecker assistiu. Reconhece-se a verdade da tese “em teoria”, mas se apressa em afirmar que “na prática” ela tem produzido detestáveis efeitos. Exagera-se a extensão e a multiplicidade dos abusos, fazem-se deles quase que a lei geral da história, e vem-se assim a atribuir, não à malícia dos homens, mas a essa “bela” e “verdadeira” teoria, quase todos os males da Igreja.

“Foi ela, foi essa “doutrina verdadeira” que teve “por resultado prejudicar gravemente a Igreja”, foi ela que diminuiu sua “liberdade”, “fornecendo ocasião” a “leigos desprovidos de piedade”, como o sr. Dumay, de se intrometer indevidamente nos negócios da Igreja.”

“A lógica das raças latinas concluiria desses fatos que a teoria é má e a doutrina falsa; mas certos anglo-saxões, parece, têm uma lógica lá deles, que não procede por via de princípios e de consequências; ou, antes, eles sabem apresentar suas idéias com uma sábia prudência de acordo com os auditórios aos quais se dirigem. Sua convicção, muito firme, é aquela do Padre Maumus, que escreveu a “L’Univers” a 13 de março de 1898: “Digo e repito, que a liberdade de direito comum, isto é, que a liberdade pública, é para a Igreja uma situação melhor que aquela da proteção e do privilégio”. Esta teoria tão contrária à tese católica, o citado orador do Congresso dos sábios católicos não a afirmou tão claramente em Friburgo, mas eis como ele leva seus ouvintes às mesmas conclusões: “Em que pese a teoria ou a tese, continua ele, esse sistema (o dos Estados Unidos) parece produzir tão bons resultados quanto não importa qual outro sistema atualmente em vigor. Em nenhuma parte a ação da Igreja é tão livre como na América, em nenhuma parte o exercício da autoridade pontifícia é menos entravado. A Igreja vive completamente sob o império de suas próprias leis livremente ditadas; as relações dos Bispos com a Santa Sé são diretas, sem intermediários, e não são objeto de restrição alguma; do mesmo modo, o exercício da autoridade papal é imediato e sem controle. E, se bem que a Igreja não goze de nenhum privilégio legal, ela não encontra menos apoio, e apoio de eficácia sem limites, na calorosa simpatia de um povo Cristão e na irresistível influência de uma opinião pública favorável. Eis, o que se deve entender como americanismo!

—oOo—

“Não nos empenharemos aqui na discussão sobre o terreno dos fatos, bem que alguns dentre eles possam ser discutidos; basta que nos coloquemos no terreno da doutrina. Pode-se e deve-se preferir, em nossa época, como garantia da liberdade eclesiástica, o apoio da “simpatia de um povo cristão” e da “irresistível influência de uma opinião pública favorável”, ao reconhecimento pelo Estado da divindade do cristianismo e da autoridade da Igreja, ou a essas solenes convenções realizadas entre os dois poderes sob o nome de concordatas?

“Em teoria, a resposta não é duvidosa. O Estado, como o indivíduo, tem o dever de professar a Fé cristã; o americanismo fala e age como se a tese devesse em toda linha ceder lugar à hipótese.

“Ora, a hipótese não se acha inteiramente entregue à livre discussão das escolas e dos partidos; ela é limitada, em sua aplicação, por duas decisões pontifícias, cuja doutrina não é permitido deixar caducar.

“A proposição 77ª., condenada pelo Syllabus, está assim concebida: “LXXVII – Em nossa época, não mais é útil que a religião católica, seja considerada como a única religião do Estado, com exclusão de todos os outros cultos.”

“É a hipótese que visa esta condenação, e é forçoso concluir que essa hipótese não poderia ser estendida, sem erro, ao conjunto das nações modernas. Mais ainda, essa teoria da liberdade dos cultos, mesmo restringida à sua interpretação mais estrita, é expressamente condenada na proposição seguinte: “LXXVIII - Do mesmo modo, é com razão que, em alguns países católicos, a lei dispôs que os estrangeiros que para ali se dirigem, gozem do exercício público de seus cultos particulares.”

A Igreja condena, portanto, o sistema em virtude do qual países como a Itália, a Espanha, permitiram aos estrangeiros, sejam residentes, sejam viajantes, o exercício público de seus cultos. Vimos recentemente, na Espanha, país da Europa em que o clero parece guardar ainda o senso teológico mais puro e a energia apostólica mais viril, o Episcopado protestar contra a abertura de um templo evangélico em Madrid.

“É que, com efeito, apesar de todas as afirmações em contrário, apoiadas sobre relações e estatísticas mais ou menos volumosas, a Igreja não admite e não admitirá jamais que a liberdade civil de todos os cultos, sua profissão pública, sob a lei do direito comum a todos os cidadãos, não seja de natureza a propagar no povo três flagelos perniciosos: a corrupção de costumes, a perversão do espírito e “a peste do indiferentismo” em matéria de religião.

“Isto resulta textualmente da 79ª. proposição condenada pelo Syllabus: “LXXIX – É falso que a liberdade civil de todos os cultos, e que o pleno poder deixado a todos de manifestar abertamente e publicamente todos seus pensamentos e todas as suas opiniões, lancem mais facilmente os povos na corrupção dos costumes e do espírito, e propaguem a peste do indiferentismo.”

“Essas três proposições do Syllabus não contêm outra coisa senão a doutrina do americanismo; elas são inteiramente e em todos os pontos conformes ao espírito do Padre Hecker e de seus partidários.

“Ora, elas são reprovadas, proscritas e condenadas pela autoridade da Santa Sé, que deseja e ordena a todos seus filhos que as tenham por reprovadas, proscritas e condenadas”.

—oOo—

Em nosso próximo número continuaremos esta transcrição, no trecho, em que autor mostra como Leão XIII, na Encíclica aos católicos franceses, desejando sem dúvida evitar o abuso que poderia ser feito de sua palavra, expressamente condenou, em França, a aplicação de um regime que pode ser digno de tolerância em outros países, e como proibiu que os católicos preconizassem ali essa separação da Igreja e do Estado, precisamente por causa das intenções daqueles que a desejavam.

Mais ainda. Mostraremos como Leão XIII nega que a melhor situação para a Igreja seja aquela que vigora na América do Norte, ou que “seja sempre permitido e útil separar, desligar os interesses da Igreja e do Estado, como na América.”

Aí temos, clara, a condenação da hipótese quando arvorada em regra geral. E quando concluirmos a transcrição das palavras do Padre Maignen, nossos leitores verão que a “corrente” do sr. Maritain nada mais está fazendo que tentar um novo esforço a fim de abrir uma brecha na Cidadela Católica, para nela fazer penetrar os princípios de 89 (Revolução Francesa, 1789, n.d.c.).


ROI campagne pubblicitarie