Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Igualitarismo totalitário

 

 

 

 

 

 

Legionário, 8 de outubro de 1944, N. 635, pág. 5

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Há tempos, já em plena guerra, sob o título de “Envenenadores da Vitória”, tratou o LEGIONÁRIO de um discurso pronunciado pelo sr. William Temple, o “arcebispo” vermelho de Cantuária. Investia o líder da igreja anglicana contra “privilégios” sociais, fazendo a franca apologia de um regime igualitário e socialista.

O LEGIONÁRIO também já se ocupou, amplamente, das origens liberais do totalitarismo moderno, de que é tipo acabado o estado socialista, seja “internacional” ou “nacional”.

E o curioso é que os adeptos dos princípios da Revolução francesa sustentam que o mundo não pode regredir, com o que dão a entender que o totalitarismo é um “progresso”, pois, como está exuberantemente demonstrado, é ele a etapa final dos planos das forças que dirigem o pensamento revolucionário em marcha desde os tempos da pseudo-reforma.

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Comentamos, não há muito tempo, a “evolução” do sr. Stalin. De simples cidadão soviético, trajado com um blusão de operário, se transmudou, na Conferência de Teerã, em um autêntico grão-duque, com uniforme luzidio e solene... É a isso que conduz o rolo compressor das igualdades revolucionárias: destroem-se os valores tradicionais e em lugar deles, diante da massa inerme, surge uma pequena “clique” de aventureiros, chefes de Estado e chefes de usinas industriais e organizações agrícolas estatais, os únicos a gozarem dos “privilégios” negados de direito, mas por eles nababescamente gozados de fato. É assim no regime soviético, é assim no regime nazista, é assim no regime fascista, em todos os Estados “gangsters” ou nazi-comunistas, para empregar duas expressões do agrado de Mons. Fulton Sheen.

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Hoje vamos insistir sobre essa face da questão: o problema dos privilégios e das imunidades no campo social. Citaremos um autor que já em fins do século dezenove previa o advento dos totalitarismos demagógicos como consequência fatal e desejada dos princípios consagrados em 1789 pelos famigerados “Direitos do Homem” (P. Paul Benoît – ”La Cité Antichrétienne au XIX Siècle“).

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“No passado todos os cidadãos não podiam sem distinção exercer todos os empregos: não eram todos admitidos a todos os cargos públicos. Havia ordens e corpos no Estado. As leis garantiam os direitos especiais de cada classe. Ninguém podia se introduzir por si próprio em um grau superior, nem usurpar seus privilégios.

“Ora, essas desigualdades sociais são universal e absolutamente tratadas pelos semi liberais como ”abusos do antigo regime”, como “privilégios odiosos” e “atentados contra a igualdade natural dos cidadãos”. Às vezes se indignam ao ver subsistirem ainda alguns vestígios dos antigos privilégios: “Por que títulos de duque, de marquês, de conde? Por que subsistem as partículas antes dos nomes? Por que ainda as imunidades?” Desejam que o nível passe sobre todas as cabeças e faça desaparecer para sempre toda desigualdade. (...)

“Os contemporâneos declamam com tanta facúndia contra todos os privilégios e todas as imunidades sem distinção, que parece temerário contradizê-los.

“Vejamos, entretanto, se esse ódio universal não é mais inspirado pela paixão que fundado na razão.

“Podem-se distinguir dois gêneros de privilégios e de imunidades. Uns são concedidos para o interesse ou para honra da pessoa ou da classe que com ele é favorecida: foram numerosos nas antigas monarquias cristãs. Ora, serão os privilégios desse gênero universalmente condenáveis? Todas as vezes que forem a recompensa de serviços assinalados, evidentemente não se lhes pode dar o nome de abuso, porque é digno de uma nação recompensar grandes homens; ela pode fazê-lo por meio de franquias concedidas a eles próprios ou a seus descendentes.

Há uma classe de privilégios que são estabelecidos menos em favor daqueles que os possuem que para honra ou salvaguarda de todo corpo social. Evidentemente ainda, estes não merecem o nome de abuso porque, neste caso, o próprio público exige que pessoas ou classes gozem desses favores.

“Ora, tais foram, pelo menos na origem, a maior parte dos privilégios e das imunidades que existiam na velha França. Não cremos que essa verdade possa ser negada por um homem que tenha algum conhecimento dos fatos de história. Que valem então essas declarações contra “os privilégios e as imunidades do antigo regime”? Sem dúvida, vários não mais teriam razões de ser no nosso século; mas estes podiam ser suprimidos ou modificados, sem proscrever todos os outros; sem sobretudo os proscrever por princípio.

“Não será hoje necessário ao bem comum restabelecer alguns dos privilégios abolidos?

Para uma nação ser poderosa e feliz, é necessário que a ordem pública seja estável; não o poderá ser sem a permanência das famílias. Com efeito, se não existirem famílias que conservem de geração em geração a mesma influência social e nas quais se mantenham as mesmas tradições, a sociedade será semelhante a um mar agitado em que as vagas se sucedem umas às outras. Com famílias estáveis, o Estado é estável; com famílias que se elevam um dia e desaparecem no seguinte, os aventureiros, isto é, os homens sem apoio no passado, se apossam de todas as funções, e nelas fazem campear uma ambição desenfreada, o gosto das inovações e a ausência de experiência hereditária, capital de sabedoria que apenas se acumula com o correr dos séculos.

“Ora, a posição social das famílias depende principalmente de sua riqueza; porque, como a experiência nos ensina, os bens de fortuna são a principal origem da influência pública. Não devemos concluir que, para manter a estabilidade das famílias se torna necessário, pelo menos em certos limites, garantir um patrimônio a uma série de herdeiros únicos? Assim mesmo, nos tempos presentes, ou antes, sobretudo nos tempos presentes as leis que protegessem as heranças ou certas heranças contra partilhas indefinidas seriam de utilidade social.

É necessário que haja, sobretudo nos grandes Estados, uma aristocracia influente que assegure a estabilidade do poder soberano contra as paixões das massas e a liberdade do povo contra a tirania do Estado. Mas poderá essa aristocracia subsistir se ela não for posta em relevo por certas honras, e se ela não tiver, com seus deveres especiais, alguns direitos próprios? Esses privilégios, necessários à existência de um corpo necessário, serão portanto de interesse social.

“Em todos os povos o sacerdócio tem sido cercado de honras, e frequentemente tem gozado de grande independência. Os padres católicos, representantes desse Deus Incarnado do qual os reis são súditos, órgãos dessa Igreja que, em nome e pelo poder do Verbo domina todas as nações da terra, têm direito de viver nos Estados cristãos, não como perseguidos, não tolerados, mas honrados. Por conseguinte, poder-se-iam tratar como abuso, mesmo em nossa época, as leis que garantem aos bispos e aos padres sua independência e sua dignidade, as leis, por exemplo, que subtraem da jurisdição leiga?

“Exigis frequentemente que a nação presida a seus próprios destinos. Seja. Mas a nação não se compõe unicamente de indivíduos isolados; ela se compõe de famílias, de sociedades comerciais, industriais, científicas. Desejais que todos os indivíduos tomem parte no governo da coisa pública; não conviria que os corpos não permanecessem estranhos? Seria sensato que se dessem aos chefes de família direitos especiais no Estado, que se atribuísse uma maior influência pública às grandes sociedades privadas, em geral às associações de finalidades honestas. Eis ainda privilégios fundados sobre o interesse social.

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“Nossas palavras encontram talvez como que uma oposição instintiva perto de certos leitores. A maioria dos contemporâneos, com efeito, é, já o dissemos, inimiga sistemática de uma hierarquia social reconhecida e protegida pelo Estado. Todo privilégio lhes parece um favor arbitrário feito a um particular ou a uma casta, e uma injustiça feita aos outros cidadãos e às outras classes da nação. A nação, para eles, se compõe apenas de indivíduos isolados, iguais em direitos e deveres. Nesse sistema, todos os cidadãos são grãos de poeira; o Estado é um gigante que os esmaga aos pés. Não há nem classes, nem personagens influentes, cujo espírito tradicional mantenha inquebrantáveis as instituições públicas, e cuja autoridade tempere o poder soberano. De uma parte, o Estado absorve todos os poderes; de outra parte, ele próprio depende dos caprichos da multidão.

Centralizador, tudo pode contra os cidadãos isolados; demagógico, é impotente conta as paixões populares. Ora a sociedade é esmagada pelo despotismo, ora se dissolve na anarquia. Hoje, são, da parte do Estado, abusos do poder; amanhã serão, da parte do povo, revoltas insensatas.

“Eis a consequência inevitável da destruição da aristocracia; eis o efeito do nivelamento de todas as classes e do estabelecimento de um direito uniforme para todos os cidadãos” (P. Paul Benoît – ”La Cité Antichrétienne au XIX Siècle“).


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