Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
A cabeça da serpente

 

 

 

 

 

 

Legionário, 1º. de outubro de 1944, N. 634, pág. 6

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“Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a sua; e em vão armar-lhe-ás ciladas no calcanhar”. Eis, no Paraiso, a primeira profecia sobre o papel providencial de Nossa Senhora na luta contra o mal.

É Nossa Senhora a eterna inimiga do príncipe deste mundo, a vencedora de todas as heresias. E, de todos os atos de devoção a essa poderosa aliada, a mais eficaz e predileta é sem dúvida o Rosário. O Rosário, disse Leão X, ”foi instituído contra as heresias e os heresiarcas; ele nos salvará”. Com ele, esmagaremos a cabeça da serpente.

Torna-se muito oportuno, portanto, neste limiar do mês de outubro, que nos ocupemos, nesta crônica de transcrições, com o texto principal da Encíclica “Supremi Apostolatus”, de 1.º de setembro de 1883, na qual o Santo Padre Leão XIII ordena que em todo o mundo católico se consagre este mês ao Rosário de Maria, para a salvação do mundo:

O milagroso conjunto pictórico de Nossa Senhora de las Lajas, tendo aos seus pés São Domingos e São Francisco (Colômbia)

“O dever do supremo apostolado, que Nos está confiado, e a condição particularmente difícil dos tempos atuais, Nos adverte instantemente todos os dias, e por assim dizer Nos incita imperiosamente a velar com tanto mais cuidado, pela conservação e integridade da Igreja quanto maiores são as calamidades que ela sofre.

“Eis porque, tanto quanto em Nós cabe, ao mesmo tempo que Nos esforçamos por todos os meios para defender os direitos da Igreja, assim como para prevenir e repelir os perigos que a ameaçam e a acometem, pomos igualmente toda a diligência em implorar a assistência dos socorros divinos, com cuja única ajuda os Nossos trabalhos e solicitude podem frutificar.

“Para este fim cremos que nada poderá ser mais eficaz e mais seguro do que obter o favor, pela prática religiosa do seu culto, da sublime Mãe de Deus, a Virgem Maria, depositária soberana de toda a paz e dispensadora de toda a graça, que foi colocada pelo seu divino Filho no fastígio da glória e do poder, a fim de ajudar com o socorro da sua proteção os homens que se encaminham, no meio das fadigas e dos perigos, para a Cidade Eterna.

“É por isto que, ao aproximarem-se os solenes aniversários que recordam os numerosos e consideráveis benefícios que valeu ao povo cristão a devoção ao Santo Rosário, queremos que este ano seja esta devoção objeto de uma particularíssima atenção no mundo católico em honra da Virgem Soberana, a fim de que por sua intercessão obtenhamos do seu divino Filho feliz minoração e acabamento dos nossos males. Portanto, Veneráveis Irmãos, pensamos em vos dirigir estas letras, a fim de que sendo-vos conhecido o Nosso desejo, a vossa autoridade e o vosso zelo excitem a piedade dos povos a com ele se conformarem religiosamente.

“O principal e solene cuidado dos católicos foi sempre acolherem-se à égide de Maria e recorrerem à sua maternal bondade nos tempos de perturbação e nas circunstâncias perigosas. Isto prova que a Igreja católica sempre pôs, e com razão, toda a sua confiança e esperança na Mãe de Deus. Com efeito, a Virgem isenta da mancha original, escolhida para ser a Mãe de Deus e por isto mesmo associada a Ele na obra da salvação do gênero humano, goza junto de seu Filho de um favor e poder tão grandes que jamais a natureza humana e a natureza angélica puderam nem poderão obtê-los iguais. Assim, pois, já que lhe é sobremodo lisonjeiro e agradável conceder o seu auxílio e a sua assistência a todos os que lho imploram, não é duvidoso que queira e, para assim dizer, que se apresse a acolher as preces que lhe dirija a Igreja universal.

“Esta piedade tão grande e tão cheia de confiança na Augusta Rainha dos céus, nunca brilhou com mais esplendor do que quando a violência dos erros difundidos, uma corrupção intolerável dos costumes, ou os ataques de adversários poderosos pareciam pôr em perigo a Igreja militante de Deus.

“A história antiga e a moderna e os fatos mais memoráveis da Igreja recordam as preces públicas e particulares dirigidas à Mãe de Deus, assim como os auxílios concedidos por ela, e também em muitas circunstâncias a paz e tranquilidade públicas, obtidas pela sua divina intercessão. Daqui esses epítetos de Auxiliadora, de Benfeitora, de Consoladora dos cristãos, de Rainha dos exércitos, de Dispensadora da vitória e da paz com que tem sido saudada. Entre todos estes títulos é principalmente notável o que lhe vem do rosário, e pelo qual tem sido consagrados perpetuamente os insignes benefícios que lhe deve o nome cristão.

“Nenhum de vós ignora, Veneráveis Irmãos, quantos tormentos e quantas amarguras causaram à Santa Igreja de Deus nos fins do século XII os heréticos Albigenses, que, nascidos da seita dos últimos Maniqueus, encheram de seus perniciosos erros o Meio-dia da França e todos os demais países do mundo latino. Levando a toda a parte o terror das suas armas, por toda a parte estendiam o seu domínio, por meio da morte e das ruínas.

“Contra este flagelo Deus suscitou, em sua misericórdia, o insigne Padre e fundador da Ordem dos dominicanos. Este herói, grande pela integridade da sua doutrina, pelo exemplo das suas virtudes e pelos seus trabalhos apostólicos, avançou contra os inimigos da Igreja Católica animado do espírito do Altíssimo, não com a violência e com as armas, mas com a fé mais absoluta na devoção do Santo Rosário, que ele foi o primeiro a divulgar e que os seus filhos propagaram pelos quatro ângulos do mundo. Previa ele, com efeito, pela graça divina, que esta devoção poria em fuga, como poderosa máquina de guerra, os inimigos e confundiria a sua audácia e a sua louca impiedade. Assim o justificaram os fatos. Graças a este novo modo de orar, aceite, regulado e em seguida posto em prática pela instituição da Ordem do Santo Padre Domingos, principiaram a arraigar-se a piedade, a boa fé e a concórdia, e a ficarem destruídos os projetos e os artifícios dos hereges. Graças a ele também muitos extraviados voltaram ao bom caminho e o furor dos ímpios foi refreado pelas armas católicas empunhadas para repelir a força com a força.

“A eficácia e o poder desta oração experimentaram-se no século XVI, quando os inumeráveis exércitos dos turcos estavam em vésperas de impor o jugo da superstição e da barbárie a quase toda a Europa. Naqueles tempos, o Soberano Pontífice Pio V, depois de reanimar em todos os princípios cristãos o sentimento da defesa comum, dedicou-se em especial por todos os meios possíveis a tornar propícia ao nome cristão a Todo poderosa Mãe de Deus e a atrair sobre ele o seu auxílio, invocando-a por meio da recitação do Rosário. Este nobre exemplo que naqueles dias se ofereceu à terra e aos céus, uniu todas as vontades e persuadiu todos os corações, de sorte que os fiéis de Jesus Cristo, decididos a derramar o seu sangue e a sacrificar a sua vida para salvarem a Religião e a pátria, marchavam, sem atenderem ao seu número, ao encontro das forças inimigas reunidas não longe do golfo de Corinto; ao passo que os que não eram aptos para empunhar as armas, piedoso exército de suplicantes, imploravam e saudavam a Maria, repetindo as fórmulas do Rosário, e pediam o triunfo dos que combatiam.

A Soberana Senhora, assim rogada, não se mostrou surda às preces, pois que, empenhado o combate naval nas Ilhas Equinadas (Cursolares) a esquadra dos cristãos ganhou, sem sofrer grandes perdas, uma insigne vitória e aniquilou as forças inimigas.

“Por este motivo, o mesmo Soberano e Santo Pontífice, em agradecimento a tão assinalado benefício, quis que se consagrasse com uma festa em honra de Maria Vitoriosa, a recordação desse memorável combate. Gregório XIII sancionou esta festa, dando-lhe o nome de festa do Santo Rosário.

“Igualmente se alcançaram no século passado importantes vitórias sobre os turcos em Temesvar, em Panônia e na Coreira, as quais coincidiram com dias consagrados à Santíssima Virgem Maria e com a terminação das preces públicas celebradas com a reza do Rosário.

“Assim pois, já que está bem demonstrado que esta forma de oração é particularmente agradável à Virgem Santíssima, e que é, sobretudo, própria para a defesa da Igreja e do povo cristão, ao mesmo tempo que para atrair toda a sorte de benefícios públicos e particulares, não é de admirar que vários dos Nossos predecessores se empenhassem em propagá-la e recomendá-la com especiais elogios. Urbano IV assegurava que o Rosário proporcionava todos os dias vantagens ao povo cristão; Sixto V disse que este modo de orar é vantajoso em honra de Deus e da Santíssima Virgem, e especialmente próprio para afastar os perigos que ameaçam o mundo; Leão X declarou que fora instituído contra os heresiarcas e as perniciosas heresias, e Júlio III apelidou-o glória da Igreja. S. Pio V disse também do Rosário, que com a divulgação dessa espécie de preces os fiéis principiaram a animar-se na meditação e a inflamar-se na oração, e que chegaram a ser outros homens distintos dos que antes eram; que as trevas da heresia se dissiparam, e que a luz da fé brilhou em todo o seu esplendor. Finalmente, Gregório XIII declarou por sua vez que S. Domingos havia instituído o Rosário para apaziguar a cólera de Deus e implorar a intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria.

“Guiado por este pensamento e pelos exemplos dos Nossos predecessores, julgamos inteiramente oportuno estabelecer, pela mesma causa nestes tempos, preces solenes e procurar por meio destas preces endereçadas à Santíssima Virgem por meio da reza do Rosário, obter de seu Filho Jesus Cristo análogo socorro contra os perigos que nos ameaçam. Bem vedes, Veneráveis Irmãos, as graves provas a que todos os dias está exposta a Igreja; a piedade cristã, a moralidade pública, a própria fé, que é o bem supremo e princípio de todas as demais virtudes, tudo está ameaçado cada vez por maiores perigos.

“Não só sabeis quão difícil é esta situação e quanto sofremos por causa dela, senão que também a vossa piedade vos faz experimentar conosco as suas amarguras; pois é muito doloroso e lamentável ver tantas almas resgatadas por Jesus Cristo arrancadas à salvação pelo torvelinho de um século extraviado e precipitadas no abismo e na morte eterna. Em nossos tempos temos tanta necessidade do auxílio divino como na época em que o grande Domingos levantou o estandarte do Rosário de Maria, a fim de curar os males da sua época. Este grande santo, iluminado pela luz celestial, entreviu claramente que, para curar o seu século, nenhum remédio podia ser mais eficaz que o que atraísse os homens a Jesus Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida, e os impulsasse, a dirigirem-se à Virgem, a quem é concedida a faculdade de destruir todas as heresias, como padroeira deles que é junto de Deus.

“A fórmula do Santo Rosário foi composta de tal maneira por S. Domingos, que nela se recordam pela sua ordem sucessiva os mistérios da nossa salvação, e esse assunto de meditação está misturado e como entrelaçado com a oração da Saudação com uma oração jaculatória a Deus, ao Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nós que buscamos remédio para males semelhantes, temos direito de crer que, valendo-nos da mesma oração que serviu a S. Domingos para fazer tanto bem, poderemos também ver desaparecer as calamidades que afligem a nossa época.

“Não só incitamos vivamente todos os cristãos a dedicarem-se, tanto em público como nas suas habitações particulares e no seio de suas famílias, a recitarem este piedoso ofício do Rosário e a não cessarem de perseverar neste santo exercício, mas também desejamos que especialmente o mês de outubro deste ano seja consagrado inteiramente à Santa Rainha do Rosário. Decretamos e ordenamos que em todo o orbe católico se celebrem solenemente durante este ano com funções especiais e esplêndidas os ofícios do Rosário. Assim pois desde o primeiro dia do mês de outubro próximo até ao segundo dia do mês de novembro seguinte rezar-se-á em todas as paróquias, e se a autoridade o julgar oportuno e útil em todas as demais Igrejas e Capelas dedicadas à Santíssima Virgem, uma parte do Rosário, acrescentando a Ladainha Lauretana.

“Desejamos também que o povo assista em grande número a estes exercícios de piedade, que serão feitos durante a Missa pela manhã, ou à tarde diante do Santíssimo Sacramento solenemente exposto. Aprovamos muito que as confrarias do Santo Rosário façam conformemente aos antigos usos, procissões solenes através das cidades, a fim de glorificar publicamente a Religião.

“Contudo, se por causa da desgraça dos tempos, não for possível em algumas partes este exercício público da Religião, substitua-se por uma visita mais assídua às Igrejas, e patenteie-se a piedade dos fiéis por meio de um exercício mais diligente das virtudes cristãs”.


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