Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Comentando...

Êxodo rural

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de setembro de 1944, N. 632, pag. 2

  Bookmark and Share

 

S. Excia. Revma. o Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, novo Arcebispo Metropolitano de São Paulo, na entrevista que concedeu ao “Correio Paulistano”, afirmou que é preciso evitar o contínuo êxodo das populações rurais, que, abandonando os campos, procuram as cidades. Não será preciso salientar a importância desta declaração. Todos aqueles que estudam com interesse os fenômenos sociais já denunciaram este fato como uma das chagas da civilização contemporânea, que deve ser sanada a todo custo, a fim de evitar verdadeiros cataclismos.

De um modo geral, a grande concentração urbana é considerada, por grandes sociólogos e historiadores, como um índice de decadência e um sintoma de ruína de todo um ciclo cultural. Ainda agora, no Brasil, se está patenteando, com uma evidência experimental, a anomalia que é o desequilíbrio entre as populações rurais e urbanas. De fato, as dificuldades alimentares, até o presente inéditas entre nós, se estão fazendo cada vez mais prementes. É verdade que as más condições climatéricas têm agravado estas dificuldades, mas é preciso considerar que estas perturbações meteorológicas não constituem novidade. As causas, pois, são mais profundas, e devem ser encontradas na anomalia apontada por S. Excia. Revma.

Porém, mais do que tudo isto, são nefastas as consequências espirituais da excessiva concentração urbana com a paralela desorganização da vida social dos campos. E é para isto, especificamente, que olha a Igreja Católica, que sempre foi e é defensora da vida rural, por imperativo constitucional.

Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a “National Catholic Rural Life Conference”, organização que trabalha ativamente pela defesa e elevação do nível da vida rural, contra a absorção monopolizadora dos grandes centros industriais. Aliás, os americanos já compreenderam que a prosperidade industrial está condicionada à prosperidade agrária, e, embora sejam a nação mais industrializada do mundo, jamais desprezam o valor da economia agrícola, antes pelo contrário, a incrementam de todos os modos.

Voltando, entretanto, ao ponto de vista puramente espiritual, é preciso não esquecer que, ainda há poucos meses, o Santo Padre Pio XII, em alocução proferida aos Párocos de Roma, apontou os gravíssimos empecilhos que se encontram nas grandes cidades modernas ao normal desenvolvimento de uma vida integralmente católica. Este é o ponto sobre o qual jamais se pode refletir suficientemente. Não se trata apenas das desordens morais, oriundas da promiscuidade, ou da facilidade de prazeres próprios às grandes cidades. É algo de mais profundo: trata-se deste aspecto de gado humano, que apresentam, necessariamente, as coletividades muito densas. Nas grandes aglomerações, a personalidade como que se dissolve e o homem passa a ser um mero valor numérico.

Além disso, todos os valores culturais se vão desgastando nesta porção de atritos inevitáveis à vida nas populações concentradas. Quem não percebe que séculos de educação desaparecem na competição pelos meios de transporte? Quanto maior é o ajuntamento humano, mais o homem se sente isolado e estranho aos seus semelhantes e indiferente a eles; a benevolência mútua naufraga, e o senso de comunidade se apaga. Além disso, para manter em ordem estas grandes massas inertes, que qualquer acontecimento pode transformar inopinadamente em hordas de bárbaros, se impõem necessariamente medidas policiais de caráter quase totalitário. Mas, não é só: nestas grandes massas indiferenciadas, o homem é seccionado de todas as raízes que devem prende-lo a um ambiente social e, em consequência, o seu senso de responsabilidade perde o centro de gravidade, transformando-se em mero senso de equilíbrio com o agrupamento. O homem sente em si o apelo da liberdade abominável de aviltar-se. Este apelo germina em seu coração, como uma dilatação fremente e incoercível, que lhe promete o rompimento definitivo de todas as barreiras, e o seduz como uma promessa de salvação: a mentira mais sedutora de Satanás. Não é à toa, portanto, que as grandes metrópoles foram a expressão mais acabada do paganismo.


Bookmark and Share