Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

Brotoejas literárias

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de setembro de 1944, N. 632, pág. 5

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Presenciamos atualmente, em certos meios intelectuais católicos, um sorrateiro movimento de revolta contra o poder de vigilância e de disciplina da Igreja na ordem doutrinária, moral e sentimental. Com efeito, há os que sustentam que uma obra literária pode perfeitamente ignorar o bem e o mal. Há os que retiram a arte do raio de ação da Igreja, mediante o artifício de considerar que seu domínio próprio não é o do bem e do mal; pois “por definição” ela é amoral como a ciência... Há os que elogiam livros escabrosos, sentenciando que “os espíritos limpos” saberão demonstrar a necessária repulsa pela miséria moral e pelo cinismo dos tipos surrealisticamente descritos nas páginas de certos romances modernos. E não faltam os que vivem a gabar a coragem, o destemor, o “amor” pela liberdade, o cristianismo “puro” e sem jaças de escritores que não vacilam em injuriar os Pastores da Santa Igreja e que até mesmo levam seus salpicos de lama até à altura da túnica inconsútil de Vigários de Cristo como Leão XIII e Pio XI.

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Para esses trêfegos e versáteis profissionais ou amadores da crítica literária, a Sagrada Congregação do Santo Ofício é uma instituição bem embaraçosa. Já no tempo de Pio X não faltava entre eles quem propusesse sumariamente sua extinção. Pois não tem o homem o livre arbítrio? Por que tirar-lhe o mérito de seus atos, mediante a ação coercitiva de semelhante tribunal? E no estado de desenvolvimento a que chegou a humanidade, por que tolher a liberdade dos voos da imaginação artística e literária mediante bitola de um moralismo antropocêntrico?

A verdade, porém, é que a Sagrada Congregação do Santo Ofício ainda existe e é dela o seguinte “Aviso aos Ordinários dos lugares” de 15 de março de 1923:

“Acontece muito frequentemente que escritores, mesmo desses que passam por bons católicos, nas folhas quotidianas ou periódicas, louvam, exaltam, aprovam livros, escritos, pinturas, esculturas e outras obras de arte ou de inteligência que são contrárias à doutrina católica, ou ao senso cristão, algumas vezes até reprovadas expressamente pela Santa Sé.

“Que haja nisso para os fiéis uma fonte de grave escândalo com grandes prejuízos para a Fé e os costumes, se os pastores de almas não se põem em guarda e deixam esse proceder sem punição, é coisa fácil de se compreender. Para prevenir esse mal, a Suprema e Sagrada Congregação do Santo Ofício, com a aprovação de S. S. o Papa Pio XI, crê ser bom advertir os Ordinários dos lugares que eles tem o dever, se existem entre seus próprios súbditos escritores dessa espécie (sobretudo do clero secular ou regular), de tomar sem tardança, seja por eles próprios, seja com cooperação do Conselho de vigilância, todas as precauções que julgarem mais eficazes, perante o Senhor.

Roma, palácio do Santo Ofício, 15 de março de 1923.

R. Cardeal Merry del Val

Secretário”

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E que tem sido este o modo de proceder da Igreja em todos os tempos, prova-o o mesmo Cardeal Merry del Val na Carta-prefácio à edição do “Índice dos livros proibidos” (outra instituição que atenta contra a livre produção artística e literária!) publicada em 1929 durante o Pontificado de Pio XI, que a seguir transcrevemos:

“Desde os primeiros tempos, bem que os escritos fossem mais raros na ausência dos meios modernos de publicação, os fiéis foram postos em guarda pela autoridade legítima contra os livros errôneos e imorais. Já o apóstolo dos Gentios obtém, graças ao zelo de sua pregação, que os neófitos de Éfeso lançassem publicamente ao fogo os livros supersticiosos.

Seguindo o exemplo de um tal mestre, os pastores de almas e sobretudo os Soberanos Pontífices nada pouparam para afastar das leituras perniciosas os homens resgatados, ‘não pelas coisas perecíveis de prata ou de ouro, mas pelo Sangue precioso de Jesus Cristo, Cordeiro sem mancha nem defeito’.

“Do Concilio de Nicéia, que interdita a Talia de Ario do Papa Anastácio que condena as obras de Orígenes porque elas ‘prejudicavam os simples ao mesmo tempo que não aproveitavam aos sábios”; de São Leão o Grande, que interdita, em Roma, os escritos dos maniqueus e convida os Bispos espanhóis a se oporem aos escritos dos priscilianistas, até à carta publicada recentemente pela Suprema Congregação do Santo Ofício contra a literatura sensual e místico-sensual, não é possível traçar sequer um apanhado de tudo que a Santa Sé tem feito contra as publicações que ofendem as verdades a crer e regras morais a praticar. Basta citar a Sagrada Congregação do Índice, instituída pelo Papa São Pio V; os Índices dos livros proibidos publicados pela autoridade de Paulo IV, de Pio IV, de Clemente VIII, de Alexandre VI, de Bento XIV, de Leão XIII; por outro lado, a Constituição Sollícita ac próvida dada por Bento XIV em julho de 1753, que prescreve o método a seguir para o exame e interdição dos livros; a encíclica Christianae reipublicae salus, que Clemente VIII endereçou em novembro de 1766, a todos os Bispos para lhes ordenar “que afastassem o rebanho do Senhor a eles confiado da leitura de livros perniciosos”, a Constituição Officiorum ac munerum pela qual o grande Papa Leão XIII promulgou em fevereiro de 1896 “os decretos gerais sobre a proibição e a censura de livros”.

Tudo isto prova superabundantemente a vigilância que sempre observou Sé Apostólica Romana e que cuidado ela sempre tomou para empregar as próprias palavras do imortal Bento XIV “em afastar os fiéis da leitura de livros que poderiam prejudicar os espíritos simples ou não prevenidos e os impregnar de opiniões e de teorias que se opõem à integridade da moral, seja aos dogmas da religião católica”.

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A Igreja não podia se comportar de outro modo, Ela que foi constituída por Deus mestra infalível e guia segura dos fiéis, que foi dotada para esse fim de todos os meios necessários e úteis e que tem o dever, por conseguinte o direito sacrossanto, de impedir o erro e a corrupção de penetrar sob qualquer forma e que eles se ocultem no aprisco de Jesus Cristo para o contaminar.

Que não se diga: a condenação dos livros maus é uma violação da liberdade, uma luta contra a luz da verdade, por conseguinte, o Índice dos livros proibidos é um atentado permanente ao progresso das ciências.

Incialmente, é evidente que ninguém ensina mais vigorosamente que a Igreja católica essa verdade que o homem foi dotado por Deus da liberdade e ninguém mais que Ela tem defendido esse “dom excelente de Deus” contra quem quer que ouse negá-lo ou diminuí-lo de qualquer maneira. Só os espíritos infectados por essa peste moral conhecida sob o nome de liberalismo, podem ver no freio posto à libertinagem pelo poder legítimo um atentado ao livre arbítrio, como se, pelo fato de ser senhor de seus atos, o homem estivesse autorizado a fazer sempre o que deseja.

A este propósito Leão XIII, esse grande luzeiro, escreveu muito sabiamente: “Nada pode ser dito ou imaginado de mais absurdo e de mais contrário ao bom senso que essa asserção: o homem sendo livre por natureza, deve ser isento de toda lei, porque se assim fosse seguir-se-ia que é necessário para a liberdade que ela não se conforme com razão quando é justamente o contrário que é verdadeiro, isto é que o homem deve ser submisso à lei, precisamente porque ele é livre por natureza.

Donde se depreende claramente que, quando a autoridade competente interdita por uma lei coercitiva a difusão de erros doutrinários, sempre certamente nocivos, mas perniciosos ao supremo grau se concernem a religião e que quando ela procura retirar da circulação os escritos de natureza a fazer perder a Fé ou a corromper os bons costumes, longe de combater a liberdade, cujo exercício consiste na escolha dos melhores meios de obter a salvação eterna, bem ao contrário, ela é a salvaguarda contra os erros aos quais a fraqueza humana poderia facilmente levá-la.

* * *

Os livros irreligiosos e imorais são às vezes escritos em um estilo sedutor, tratam frequentemente de assuntos que lisonjeiam as paixões carnais ou exaltam o orgulho do espírito; tendem sempre, por hábeis artifícios e por sofismas de todo gênero, a se apossar do espírito e do coração dos leitores imprudentes de modo que é natural que a Igreja, como mãe prudente, advirta por oportunas proibições seus fiéis a não aproximar dos lábios essa taça sedutora de veneno.

Não é, portanto, por receio da luz que a Santa Sé interdita a leitura de certos livros, mas é a virtude desse zelo de que Deus a inflama e que não tolera a perdição das almas; a própria experiência ensina que o homem decaído da justiça original, é fortemente propenso ao mal e tem, por conseguinte, necessidade extrema de proteção e de defesa. De resto, quanto à repressão da má imprensa, é necessária ao bem público e como se harmoniza perfeitamente com  uma justa liberdade, os próprios governos civis o têm demonstrado, sobretudo nestes últimos tempos, eles que tem recorrido, para a proteção das leis e da tranquilidade pública, até à censura preventiva, com um rigor desconhecido pela Igreja. (*)

Por outro lado, o valor literário ou científico, mesmo se for real, não pode certamente legitimar a difusão de um livro contrário à religião e aos bons costumes, porque então, pelo contrário, tornar-se-á necessária uma medida de repressão tanto mais eficaz quanto sejam mais tênues as malhas do erro e mais sedutores os atrativos do mal.

Nota da Redação do jornal: (*) Esta censura preventiva só é condenável quando em lugar de visar o bem comum e a tranquilidade pública, apenas serve para oprimir a verdade e manter intocáveis os membros de uma “clique” política, como se dá nos governos fascistas e semi-fascistas. Países como a liberal Inglaterra, a bem do interesse público promovem devassas como a realizada na “Soviet House” em Londres, em pleno período de paz, e fecham o órgão do partido comunista, ao mesmo tempo que interditam as atividades dos fascistas e quislings moderados por Sir Oswald Mosley, durante o estado de emergência, sendo justo que continuem a fazê-lo no após-guerra. E as próprias leis civis inglesas proíbem a livre circulação de livros imorais, como os de H. D. Lawrence, a representação de peças teatrais atentatórias dos bons costumes.


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