Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
A Santa Sé e a Questão Social

 

 

 

 

 

 

Legionário, 27 de agosto de 1944, N. 629, pag. 5

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Debalde se tentará edificar a Cidade em outra base que não seja Nosso Senhor Jesus Cristo. A questão social só poderá ser levada a bom termo se as instituições fundadas para resolvê-la forem dirigidas como convém, isto é, conformemente aos preceitos da doutrina católica.

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Em março de 1920 o Santo Padre Bento XV dirigiu uma carta ao Bispo de Bérgamo (Itália) por ocasião de uma série de distúrbios violentos dirigidos pelos comunistas naquela cidade. Nessa carta o Soberano Pontífice, em forma resumida, repetiu as prescrições da Santa Sé com relação à questão social.

Depois disso a Itália, em vez de ouvir a voz do Supremo Pastor das Nações, resolveu embarcar na aventura fascista, dirigida pelos próprios socialistas da extrema direita do naipe de Mussolini e Farinacci. E de novo nos dias que correm, aquele infeliz país se acha nas garras de um bando de iniciados da extrema esquerda.

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Que a leitura do documento que a seguir transcrevemos sirva de tema às nossas meditações em torno dos desatinos que os homens teimam em praticar como filhos pródigos que se recusam a voltar à casa paterna.

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Bergamo, aurora

Carta dirigida a 11 de março de 1920 pelo Santo Padre Bento XV ao bispo de Bergamo sobre as prescrições da Santa Sé no que concerne a questão social

Estamos habituados a experimentar uma alegria particularmente suave ao constatar como Nossos filhos de Bérgamo se distinguem pelo caráter cristão de sua vida, verdadeiramente exemplar. Também foi com uma viva tristeza que ouvimos o eco doloroso das violentas manifestações populares, que vossa a cidade vem de ser centro. Não se deve, é verdade, espantar que o “homem inimigo”, exasperado com o espetáculo da maravilhosa fecundidade desse campo do Senhor, e sempre à espreita de uma ocasião favorável para o devastar, haja explorado a crise atual para semear a cizânia em uma seara tão rica e tão abundante. Confiando-Nos a guarda de seu campo místico todo inteiro, o Senhor nos impôs o dever de impedir absolutamente, por todos os meios em Nosso alcance, que possa germinar esta má semente; ela ameaça, por pouco que crie raiz, destruir toda a messe.

Se Nós vos escrevemos, Venerável Irmão, não é que ponhamos uma pequena dúvida sequer a respeito de vosso zelo vigilante - esses acontecimentos, pelo contrário, vos permitiram de dar uma nova prova desse zelo; mas nos pareceu bom exortar por vosso intermédio Nossos filhos bem amados a permanecerem inquebrantavelmente fiéis a seu dever. Temos confiança, que eles responderão a esse apelo com uma generosidade verdadeiramente solícita, pelo fato de Nossa autoridade vir apoiar a força da vossa.

E de início, notificamos a todos e a cada um que aprovamos sem reserva a iniciativa que haveis tomado, Venerável Irmão: desde o fim das hostilidades, quando se despertou a atividade que a guerra havia suspensa, o desejo de prover as necessidades novas das classes pobres vos levou a criar, servindo-vos da comissão Diocesana, um Bureau especial de trabalho para o desenvolvimento das obras trabalhistas. Se essa instituição é dirigida como convém, isto é, conformemente aos preceitos da religião, ela Nos parece excelente e rica de promessas; se não, não escapará pessoa alguma, que ela pode engendrar piores desordens no seio da sociedade civil.

Os diretores de uma tal organização, tão estreitamente ligada ao bem público, devem, portanto, antes de tudo ter sempre presente ao espírito, para a eles se conformar rigorosamente os ensinamentos da sabedoria cristã em matéria de ciência social, consignados na imortal encíclica Rerum Novarum e em outras cartas da Sé Apostólica.

Eis o que importa, essencialmente não perder de vista: esta vida, efêmera e sujeita a todos os males, não é capaz de nos assegurar a felicidade; a verdadeira felicidade, perfeita, eterna, nos será dada no Céu, como recompensa da virtude; o Céu deve ser a meta de todos nossos esforços; devemos também nos preocupar menos de fazer valer nossos direitos que de cumprir nossos deveres; não é entretanto vedado, mesmo neste mundo, e na medida do possível, que melhoremos nossa sorte pela procura de uma existência mais folgada; nada enfim é mais próprio a assegurar o bem geral que a concórdia e a união de todas as classes, entre as quais não há melhor traço de união que a caridade cristã.

Trabalham portanto muito mal em favor do operário - que disso se persuadam - aqueles que, apregoando a pretensão de querer melhorar suas condições de existência, lhe dão a mão apenas para a conquista dos bens frágeis e perecíveis aqui da terra, esquecendo-se de o esclarecer sobre seus deveres à luz dos princípios da doutrina cristã e indo mesmo até a excitar sempre e cada vez mais sua animosidade em relação aos ricos, entregando-se a essas declamações amargas e violentas, pelas quais vossos adversários impelem as massas à sublevação da sociedade.

Para afastar tão grave perigo torna-se necessário, Venerável Irmão, toda vigilância. Prodigalizando vossos conselhos – como já tendes feito – àqueles que visam diretamente melhorar a condição dos operários, vós os incitareis a evitar as intemperanças de linguagem que caracterizam os socialistas e a penetrar profundamente do espírito cristão toda ação, a fim de que esta tenda a realizar ou a propagar um tão nobre programa. Se o espírito cristão se acha ausente, sem falar do mal incrível que poderia causar esta ação, basta afirmar que ela se acha fadada à esterilidade. Desejamos esperar que todos serão dóceis a vossas instruções, se um ou outro ousar se obstinar em suas vistas, retirai-lhe seu cargo sem hesitação.

A esta obra de reerguimento cristão dos humildes, devem contribuir com maior largueza aqueles que a bondade e a liberdade divina para isso tornaram mais especialmente aptos. Todos aqueles aos quais seus conhecimentos conferem qualquer superioridade, não recusarão ajudar os operários com seus conselhos, sua autoridade, sua palavra, e muito especialmente pelo apoio que darão às obras suscitadas pela Providência para esse fim. Do mesmo modo, que os privilegiados da fortuna regulem suas relações com os proprietários, não segundo os dados do estrito direito, mas antes segundo os princípios da equidade. Bem mais, Nós os incitamos com todas Nossas forças a empregar nessas relações o mais possível de inteligência, de largueza de espírito e de liberalidade, a fazer, sobre seus próprios direitos, todas concessões e descontos possíveis. É a eles que se dirige o conselho do Apóstolo a Timóteo: Recomenda aos ricos do século presente... de dar com boa vontade, generosamente. E que assim eles reconquistam o coração dos pequenos, que a avidez lhes havia alienado.

Por outro lado, aqueles que ocupam situações inferiores quanto à posição e à fortuna, devem bem se convencer que a diversidade das classes sociais se acha na própria ordem das coisas, e portanto é da vontade divina que se deve repetir que Ela criou os grandes e os pequenos, para maior vantagem dos indivíduos e da sociedade. Esses humildes devem se penetrar dessa verdade: qualquer melhoria que eles tragam à sua situação tanto por seus esforços pessoais quanto com o concurso das pessoas de bem, restar-lhes-á sempre, como aos outros homens, uma pesada herança de sofrimentos. Se eles têm essa visão exata da realidade, não se esgotarão em inúteis esforços para se elevarem a um nível acima de suas capacidades e suportarão os males inevitáveis com a resignação e a coragem, que dão a esperança dos bens eternos. Como consequência, que Nossos filhos de Bérgamo, Nós lhes rogamos e suplicamos, inspirando-se no respeitoso amor que eles sempre testemunharam à Sé Apostólica, não se deixem dominar pela miragem das promessas falaciosas pelas quais se procura devastar a Fé de seus pais para os alistar em seguida ao serviço da violência que se apresta a tudo sublevar e a tudo destruir.

Não é nem por meios truculentos, nem pela desordem, que se defende a causa da verdade e da justiça; são armas que, em definitivo ferem gravemente, e em primeiro lugar aqueles mesmos que a elas recorrem.

Contra esses inimigos funestos da Fé católica e da sociedade civil, os sacerdotes, sobretudo os Curas, tem o dever de realizar a união perfeita dos espíritos, agrupando-os atrás de vós, Venerável Irmão, para lhes fechar o caminho.

Que nenhum membro do Clero imagine que semelhante ação seja estranha ao ministério sacerdotal sob pretexto de que ela conduz ao terreno econômico: basta que nesse terreno a salvação das almas esteja em perigo. Também desejamos que os Sacerdotes considerem como uma de suas obrigações o consagrar-se o mais possive1 à ciência e ao movimento social pelo estudo, pela direção ou pela ação e de colaborar por todos os meios com aqueles que, nesse terreno, exercem uma sã influência em vista do bem geral. Por outro lado pertence-lhes esclarecer suas ovelhas com cuidado sobre os deveres da vida cristã, de os premunir contra as ciladas dos socialistas, de os ajudar a melhorar sua sorte, sem jamais perder de vista o espírito que ditou a oração ardente da Igreja: “Possamos nós usar, como em viajem, dos bens temporais, de maneira a não perder os bens eternos”.


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