Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

Um Catolicismo aceitável

 

 

 

 

 

 

Legionário, 6 de agosto de 1944, N. 626, pag. 5

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O LEGIONÁRIO por mais de uma vez já se referiu à mentalidade de certos católicos, que embora vivam a apregoar sua irrestrita adesão à Igreja, na prática fazem dEla uma verdadeira trepadeira, que não poderia viver sem se arrimar nas correntes políticas e sociais dominantes.

Esses mesmos homens “prudentes” e “esclarecidos” que achavam que a atitude dos católicos para com os partidos emanados do fascismo não devia ser nem de hostilidade ou de confusão, mas de cooperação, esses mesmos homens que acreditaram no “conto” da reação direitista, ao ponto de julgar tais movimentos quislings como “a maior força política organizada para o combate ao comunismo”, esses eternos clientes dos institutos ortopédicos, uma vez fracassado o plano do nazismo totalitário, se voltam, em marcha desordenada, para o barrete frígio, e assim como haviam tentado amarrar a Igreja ao carro do totalitarismo, querem agora, à viva força, amarrá-la ao carro da democracia.

* * *

Não é nova, porém, a tentativa. Trata-se apenas de uma volta às posições anteriores. No início deste século deu-se coisa semelhante. É o que veremos pelas palavras do Padre Charles Maignen, no capítulo intitulado “Um catolicismo aceitável”, de seu livro “Nouveau Catholicisme et Nouveau Clergé”:

“Cada dia vê surgir uma ideia, ou antes, uma fórmula, na imaginação fecunda daqueles que o Papa Leão XIII tão bem designou pelo nome de “inovadores”.

“Devemos ao Revmo. Padre Gayraud a existência de uma democracia cristã e entretanto não confessional.

“Por seu lado, o Revmo. Padre Garnier, primogênito dos sacerdotes democratas, nos revela o programa de católicos de um novo gênero. São estes, segundo ele, os católicos não confessionais (Le Peuple Français, 13 de maio de 1899).

“As pessoas retrógradas, que se aferram às “rotinas envelhecidas”, se espantarão talvez com esse conjunto de palavras cuja simples aproximação ofende o bom senso; os zombeteiros dirão que se trata de católicos que não se confessam...

“O Revmo. Garnier tem vistas mais elevadas; tentaremos penetrar no seu mistério, e, para não sermos acusados de haver mal apresentado sua tese, citaremos suas próprias palavras:

Os católicos não-confessionais, diz ele, são aqueles que agem, eleitoral e politicamente, como os outros cidadãos (?) que colocam na dianteira o bem do país em geral, a defesa da Alma Francesa, os melhoramentos industriais, agrícolas, econômicos, sociais e nacionais’.

“Esta definição parecerá talvez um pouco vaga ao leitor que procure entender a novidade da ideia encerrada na expressão de que o Revmo. Garnier se faz assim criador. Qual é, com efeito, o católico digno desse nome que não se interessa pela defesa do bem do país e não reclama “melhoramentos industriais, agrícolas, econômicos, sociais e nacionais”?

Os “católicos não-confessionais” do Padre Garnier vão além: seu título deve significar outra coisa, e nós disso achamos a prova nas linhas seguintes:

Esses - os católicos não-confessionais - esses pensam que, se os franco-maçons não se revelam como tais para atrair as populações para seu lado, os católicos poderiam usar da mesma habilidade; mas, sem dissimular suas convicções, eles desejam provar que o patriotismo é uma das primeiras reivindicações de sua religião... ‘

É difícil apanhar com precisão o pensamento do autor, nessa prosa em que certas ideias contraditórias se tornam ainda mais confusas pelo andamento incerto da frase.

“Como os católicos, “sem dissimular suas convicções”, poderão atrair as populações “com a mesma habilidade” que os franco-maçons que chegam a esse resultado porque eles “não se revelam como tais”?

“Eis o que o Revmo. Garnier terá, sem dúvida, algum trabalho para explicar.

“Talvez nós compreendamos melhor estudando a definição dos católicos que o Padre Garnier chama “confessionais” e que poderiam ser mais claramente designados pela palavra católicos sem nenhum epíteto:

Por confessionais entendemos aqueles que desejam apresentar-se apenas como católicos, agir apenas como católicos do ponto de vista político; aqueles que apenas levam suas reivindicações às leis opostas à liberdade religiosa e aos interesses da religião.”

“Onde foi que o Revmo. Padre Garnier encontrou esses católicos que se tenham colocado, na ação política, em um terreno tão exclusivamente religioso, diríamos até, sobre um terreno tão eclesiástico?

Todos os católicos militantes, em todas as épocas, têm unido as reivindicações religiosas à defesa dos interesses do país e o cuidado pelas classes populares.

“Essas classificações impróprias e defeituosas, essas denominações novas e equívocas, esses epítetos quotidianamente colados ao belo nome católico, terminam sempre nesse resultado: perturbar, dividir, lançar confusão nos espíritos, paralisar as forças dos defensores da Igreja, do mesmo modo que sinais multiplicados e contraditórios reduziriam à impotência uma frota bem armada.

“Essa mania dos epítetos, essa necessidade de fazer cada dia um plano de campanha, é ao mesmo tempo o sinal e a causa de nosso enfraquecimento. Quem sabe se não veremos um dia sacerdotes não-confessionais!

(...)

“Mas é interessante examinar de que espírito procede essa tendência de tudo secularizar.

A ideia de fundar obras com um certo caráter religioso sem serem confessionais não é exclusiva dos democratas cristãos e dos partidários do “catolicismo americano”, ela é também e sobretudo protestante.

“Os protestantes conceberam, de acordo com esse programa, todo um plano de campanha que realizam com o favor do movimento de idéias criado pelo caso Dreyfus.

“O sr. Wilfred Monod, pastor em Rouen, inaugurou nessa cidade, em 1900, “uma Solidariedade” - espécie de círculo popular - concebida nesse espírito de cristianismo não-confessional. Eis em que termos o sr. Augusto Sabatier, deão da faculdade de teologia protestante definia o caráter da obra:

Ela deseja ser profundamente cristã sem ser confessional; faz abstração tanto do dogma quanto das liturgias. Sob o estandarte em que o Cristo inscreveu esse mandamento: “Amai-vos uns aos outros”, ela chama, sem afastar ninguém, todos aqueles que desejam trabalhar pelo triunfo da justiça e pelo reino do amor, em particular os membros da Liga dos Direitos do homem e os socialistas idealistas do matiz Jaurès.‘

“Assim, a aliança dos socialistas com os protestantes e os judeus, aliança começada no terreno político e social, a propósito da agitação dreyfusiana, parece dever se estender ao terreno religioso. Mas não se deve precipitadamente concluir que se dará um retorno do socialismo na direção das ideias mais espiritualistas e inconscientemente cristãs.

“Tendo alguns dos revolucionários presentes à inauguração da “Solidariedade” de Rouen, achado a reunião demasiadamente clerical, ou talvez demasiadamente “pastoral”, os organizadores convocaram para uma segunda reunião os socialistas mais militantes da região, e eis a declaração que um deles fez na presença de toda a assembleia: – ‘Acho-me aqui porque tenho confiança nos autores da “Solidariedade”. Vós me conheceis. Acho que aqueles que reconhecem a Deus talvez sejam bem temerários. Mas os promotores da Solidariedade declaram que não fazem obra confessional, e eu neles confio. Anunciam francamente que patrocinarão conferências evangélicas; entretanto o Cristo que eles apresentam é um Cristo que poderemos aceitar. Nós, livres-pensadores, dizemos: justiça, verdade, caridade; eles incarnam esses bens supremos em uma pessoa... Nós não disputaremos sobre esses termos. Nós nos unimos ao Cristo que não pertence a nenhuma Igreja, mas à sociedade inteira, e cujo resplendor atravessa a humanidade.”

Um Cristo não confessional, um Cristo cuja própria personalidade não é mais que um símbolo, eis para o socialismo um Cristo aceitável.

O próprio Jaurès declarou em um artigo citado pelo sr. Augusto Sabatier:

É chegada a hora em que a democracia, em vez de eliminar ou de ultrajar as antigas crenças, deverá procurar o que elas contem de vital e de verdadeiro‘.

“Todos se lembram, lendo essas linhas, do famoso discurso, aplaudido pelo Padre Lemire, em que Jaurès evocou “a velha canção” que havia embalado nossos pais. Reduzir o cristianismo a uma espécie de mitologia moderna, eis a tendência comum, consciente ou inconsciente, dos conciliadores de todos os partidos. Portanto o sr. Sabatier pôde também escrever:

É uma novidade bem grande, pelo menos em França, ver sobre o mesmo estrado pastores e socialistas militantes, cristãos e ateus, tentando se unir para fazer o bem e aclamando o nome do Cristo, uns a título de Redentor, outros pelo menos, a título de símbolo e por causa de seu martírio. ‘

“Apresentamos as linhas acima as meditações do Revmo. Padre Garnier, que se rejubila algumas vezes por haver feito aclamar Jesus Cristo em reuniões socialistas. Além do Revmo. Padre Garnier frequentemente se iludir ao ponto de não ouvir as blasfêmias que se misturam a essas aclamações, verá que os socialistas não têm necessidade de sua presença, e que eles também de muito bom grado se fazem eco dos pastores protestantes, quando estes lhes apresentam um Cristo aceitável, um Cristo não confessional.

Há nisso um perigo para a Fé. Alguns, mesmo entre os protestantes, o compreendem; outros mesmo entre os católicos não o compreendem. Não pretendemos estabelecer um paralelo entre os eclesiásticos que vamos citar e os “socialistas idealistas” gênero Jaurès, mas é certo que a tendência de não ver senão um símbolo naquilo em que a Igreja vê uma realidade, poderia expor certos católicos a aproximações muito vexatórias.

“Na “Justice sociale” de 19 de maio de 1900, o Revmo. Padre Sifflet, que assinava Padre C. S. Delion, por ser lyonês, nos informava que ele se achava “encarregado da alma e da inteligência de muitos jovens de alma aberta, lutadores do bom Deus nas lojas e nas oficinas, cristãos sensíveis, de convicções sólidas, mas que não se levam por palavras”. Ora, para esses “cristãos sensíveis”, a leitura de sermões sobre a outra vida provoca “perturbações” em razão de “certas reflexões” que ela faz nascer.

“O Revmo. Padre Sifflet nos explica o motivo dessas perturbações.

“Na exposição das verdades religiosas ‘nós abusamos verdadeiramente da alegoria e do estilo figurado. Nós a negligenciamos na história sagrada onde, nos dizem os verdadeiros sábios, ela se impõe mais que em qualquer outro lugar.‘

“Para bem precisar seu pensamento, o Revmo. Padre Sifflet o ilustra com alguns exemplos:

O Padre Lacordaire, em suas conferências de Notre Dame, diante de cinco mil jovens, afirmou que um bom católico podia não ver senão uma narrativa, em grande parte alegórica, no quadro da criação feita por Moisés; o Padre Lagrange, diretor da “Revue Internationale Biblique” de Jerusalém, revista clássica na expressão da palavra, sustenta a mesma opinião. É o que se ensina correntemente em grande número de nossos seminários. Pois bem! nenhuma história sagrada para uso das próprias classes superiores, não se arrisca a sustentar esse sentimento tão livre, e, a meu ver, tão razoável: nenhum ou muito poucos diretores espirituais de jovens ousam explicar mais abertamente por um símbolo a tentação, a serpente, a espada do Querubim. Notamos um progresso no que concerne aos seis dias, a universalidade do dilúvio, o sol de Josué.”

E, entretanto, eis que esses jovens da manhã à tarde são atacados em suas crenças, que teriam necessidade, mais ainda que as dos seminaristas, de ser posta ao largo na medida tolerada pela Igreja, e a quem se recusa sistematicamente liberdade para conhecer as teorias modernas.”

“Essas palavras mereceriam ser retratadas, tanto quanto aquelas que motivaram, um ano mais tarde, a retratação do Padre Sifflet. Entretanto não o foram.

“Nós não nos empenharemos em discussão sobre este assunto com o capelão da Escola de São João Batista de la Salle, desejamos apenas constatar que a liberdade reivindicada pelos “inovadores”, de dar um sentido puramente alegórico e simbólico aos fatos mais importantes das narrativas bíblicas, é praticada “em grande número de nossos seminários” e que certos “diretores espirituais de jovens” dela fazem uso “abertamente”. Um professor de seminário pôde constatar recentemente que vários de seus alunos não temiam pôr em dúvida até a existência de Moisés, tanto quanto já se fez com a existência de Homero. Como aliás, poderia, ser de outro modo?

A juventude vai instintivamente aos extremos, e quando ela vê personagens veneráveis, homens reputados por sua ciência e sua prudência, abalar ou rejeitar como que brincando o ensino tradicional, se escalda no desejo de se salientar pelas mais audaciosas conquistas sobre a velha exegese e suas interpretações fora de moda.

Espera-se, ao preço de tantas concessões, tornar enfim o catolicismo aceitável ao espírito moderno. Vã ilusão! O desacordo é demasiadamente profundo; é irredutível o antagonismo entre o catolicismo e essa doutrina racionalista e naturalista que caracteriza o espírito moderno.

O único resultado que as tentativas de conciliação e de adaptação podem atingir é fazer definhar a Fé nas almas.

“Conhecemos exemplos dessas devastações produzidas em certos seminários pela exegese e apologética modernas.

É, na hora atual, um dos grandes perigos que nos ameaçam, e não é o único.”


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