Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 30 de julho de 1944, N. 625, pag. 5 |
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Numa época em que a política da mão estendida, condenada pelo Santo Padre Pio XI, de novo tenta lançar uma ponte entre os católicos e os socialistas, é muito oportuno lembrar o que sobre a união dos católicos disse o santo por excelência da Caridade e do amor ao próximo, São Vicente de Paulo, cuja festa litúrgica foi celebrada a 19 deste mês (atualmente se comemora a 27 de setembro, n.d.c.). As considerações que abaixo transcrevemos são sobretudo preciosas porque se referem à união de católicos com “cristãos” jansenistas, numa época em que os erros dos discípulos do Bispo de Ypres ainda não haviam sido condenados pela Santa Sé. As cartas de São Vicente de Paulo que hoje transcrevemos, tratam justamente da adoção de medidas tendentes a provocar um pronunciamento do Papa sobre os pontos de doutrina que dividiam os católicos franceses. Segundo o Patrono das conferências vicentinas, fora da verdade nenhuma união é desejável. E apesar da mensagem “cristã” mais ou menos “fraca” dos jansenistas, era irredutível partidário de uma ruptura completa com eles. Vejamos o que sobre este assunto se acha no livro do Padre Charles Maignen, “Nouveau Catholicisme et Nouveau Clergé”. * * * “É um alivio para o espírito e o coração, quando colocamos de lado as tristezas e vergonhas do presente e nos transportamos para as grandes épocas da história, na companhia dos santos. Não há leitura mais apropriada, neste sentido, que a dos capítulos da Vida de São Vicente de Paulo, em que o Padre Maynard, seu historiador, narra as lutas do santo contra o jansenismo. Essas páginas parecem escritas para a hora presente. Os processos dos jansenistas, seu modo de fazer polêmica e de desenvolver os interesses do partido não são apenas semelhantes, são idênticos à maneira de agir dos americanistas e católicos liberais de nosso tempo. Não pretendemos redizer como São Vicente de Paulo que perseguiu a seita e atravessou seus projetos, denunciando-os à rainha, denunciando-os à Igreja e escrevendo a todos os Bispos de França para levá-los a pedir ao Papa a condenação das cinco proposições extraídas do livro “Augustinus”. Nós nos limitaremos a reproduzir alguns trechos de suas cartas, em que o zelo do santo aparece bem afastado dessa falsa virtude que protege o erro sob pretexto de caridade.
São Vicente de Paulo (1581-1660), quadro de Simon François de Tours (1606-1671) Eis em que termos Vicente de Paulo termina uma carta ao Bispo de Louçon, de 23 de abril de 1651, a respeito dos jansenistas: “É grandemente de se desejar que tantas almas sejam alertadas... e que se impeça em boa hora que outras entrem em uma facção tão perigosa. – O exemplo de um chamado Labadie é uma prova da malignidade dessa doutrina. É um padre apóstata que passava por grande pregador, o qual, depois de haver feito grandes danos na Picardia e depois na Gasconha, fez-se huguenote em Montauban; e, por um livro que escreveu de sua pretensa conversão, declara que tendo sido jansenista, achou que a doutrina que ali se adota é a mesma crença que ele abraçou. E, com efeito, Monsenhor, os ministros se vangloriam em seus sermões, falando a essa gente, que a maioria dos católicos se acha de seu lado, e que em breve terão o resto.” Vê-se que São Vicente de Paulo não desdenhava o testemunho dos padres apóstatas de seu tempo. Logo depois dessas palavras, o santo acrescentava: “Assim sendo, que não se deve fazer para extinguir esse fogo que dá vantagem aos inimigos jurados de nossa Religião? Quem não se lançará sobre esse pequeno monstro que começa a devastar a Igreja, e que afinal a desolará, se não for estrangulado ao nascer? Que não desejariam ter feito tantos bravos e santos Bispos destes dias, se fossem do tempo de Calvino? Vê-se agora a falta dos daquele tempo, que não se opuseram fortemente a uma doutrina que devia causar tantas guerras e divisões.” E São Vicente de Paulo insistia com o Bispo de Luçon para que “requeresse que Nosso Santo Padre” falasse enfim “para reprimir essas opiniões novas que simbolizam tanto com os erros de Calvino. Estará nisso a glória de Deus, concluiu ele, o repouso da Igreja e, ouso dizê-lo, também do Estado.” * * * Mas onde a clarividência e a energia de Vicente de Paulo aparecem com mais brilho, é na admirável carta aos Bispos de Alet e de Pamiers, que estranhas razões de prudência e de contemporização haviam levado a permanecer neutros no conflito. São Vicente de Paulo refuta, uma após outra, todas as razões que eles haviam alegado em favor de sua abstenção. Essas razões são de todos os tempos e os argumentos que São Vicente de Paulo lhes opõe não são menos probantes em nossos dias do que no século dezessete: “Monsenhores, Recebi, com o respeito que devo à vossa virtude e à vossa dignidade, a carta que me haveis feito a honra de escrever no fim do mês de maio, para responder as minhas a respeito das questões presentes, na qual vejo muitos pensamentos dignos da posição que ocupais na Igreja e que parecem vos fazer inclinar ao partido do silêncio nas contendas do momento atual. Não deixarei, entretanto, de tomar a liberdade de vos apresentar algumas razões, que talvez vos poderão levar a outros sentimentos, e que vos suplico, Monsenhores, prosternado em espírito a vossos pés, vos digneis de boamente ouvir. É, primeiramente, sobre o que testemunhais recear que o julgamento que se deseja de Sua Santidade não seja recebido com a submissão e a obediência que todos os cristãos devem à voz do Soberano Pastor e que o Espírito de Deus não encontre bastante docilidade nos corações para neles operar uma verdadeira união, eu vos diria de bom grado que, quando as heresias de Lutero e de Calvino, por exemplo, começaram a aparecer, se se tivesse esperado para condená-las até que seus sectários parecessem dispostos a se submeter e a se unir, essas heresias estariam ainda no número das coisas indiferentes, que podem ser seguidas ou deixadas, e elas teriam infectado mais pessoas que o fizeram. Se, portanto, essas opiniões, das quais vemos os efeitos perniciosos nas consciências, são dessa natureza, em vão esperaremos que aqueles que as semeiam entrem em acordo com os defensores da doutrina da Igreja, porque é isto que não devemos esperar, e o que jamais acontecerá; e diferir a obtenção da condenação da Santa Sé, é dar-lhes tempo de espalhar seu veneno, e é também privar a várias pessoas de condição e de grande piedade, o mérito da obediência que protestaram render aos decretos do Santo Padre, logo que os conheçam; tais pessoas não desejam senão saber a verdade, e, enquanto esperam o efeito desse desejo, elas permanecem sempre de boa fé nesse partido, que fazem aumentar e fortificar por esse meio; a ele aderindo pela aparência do bem e pela reforma que pregam e que é a pele de ovelha com que os verdadeiros lobos sempre se cobrem para enganar e seduzir as almas. Em segundo lugar, o que vós dizeis, Monsenhores, que o calor dos dois partidos em sustentar sua opinião deixa pouca esperança de uma perfeita união, à qual entretanto se deve visar, me obriga a vos ponderar que não há união a fazer na diversidade e contrariedade de sentimentos em matéria de Fé e de Religião, a não ser apelando para um terceiro que não pode ser senão o Papa, na falta dos Concílios e que aquele que não deseja unir-se nessa matéria, não é capaz de nenhuma união, a qual fora disto não é mesmo desejável: porque as leis não se devem jamais reconciliar com os crimes, não mais que a mentira concorda com a verdade. Em terceiro lugar, essa uniformidade que desejais entre os Prelados seria bem de se desejar, desde que sem prejuízo para a Fé, porque não deve haver união no mal e no erro; mas quando essa união deve ser feita, a parte menor deve procurar a maior, e o membro deve se unir à cabeça, que é o que se propõe, e havendo ao menos, das seis partes, cinco que ofereceram de se ater ao que disser o Papa na falta de um concílio, que não pode reunir-se por causa das guerras; e quando, depois disso permanecer a divisão e se achardes melhor o cisma, deve-se imputa-lo àqueles que não desejam juiz, nem se render à pluralidade dos Bispos, aos quais. não acatam, do mesmo modo que não o fazem ao Papa. E daí se forma uma quarta razão, que serve de resposta ao que vos ocorreu de me dizer, Monsenhores, que um e outro partido acreditam que a razão e a verdade se acham de seu lado, o que concedo. Mas vós bem sabeis que todos os hereges têm dito o mesmo, e que isto não os garantiu contra a condenação e os anátemas com que têm sido fulminados pelos Papas e pelos concílios; não se achou que a união com eles fosse um meio de sanar o mal, pelo contrário, foi-lhes aplicado o ferro e o fogo e algumas vezes demasiadamente tarde, como pode acontecer agora. É verdade que um partido acusa o outro, mas com esta diferença, que um pede juízes, e que o outro não os deseja, o que é mau sinal. Ele não deseja remédio, digo eu, da parte do Papa, porque sabe que é possível; e faz gesto de pedir Concílio porque o crê impossível, no estado presente das coisas; e se pensasse que ele fosse possível, rejeitá-lo-ia do mesmo modo que rejeita o outro. E não será, segundo creio, motivo para o riso dos libertinos e hereges, nem escândalo para os bons, ver os Bispos divididos, porque além de ser muito pequeno o número dos que não desejam subscrever as cartas escritas ao Papa sobre este assunto, não é coisa extraordinária, nos antigos Concílios, que todos não tenham o mesmo sentimento; e é o que mostra também a necessidade que o Papa conheça o assunto; pois que, como Vigário de Jesus Cristo, é o Chefe de toda a Igreja, e por conseguinte o superior dos Bispos. Em quinto lugar, não vemos porque a guerra, por estar espalhada quase por toda a Cristandade, há de impedir que o Papa julgue com todas as condições e formalidades necessárias e prescritas pelo Concílio de Trento, a escolha das quais este deixou nas mãos de Sua Santidade, a quem vários santos e antigos Prelados tem ordinariamente consultado e reclamado nas dúvidas sobre a Fé, mesmo quando reunidos, como se vê nos Santos Padres e nos anais eclesiásticos. Ora, se se prevê que haverá quem não dê aquiescência ao seu julgamento, será este um meio de discernir os verdadeiros filhos da Igreja dos rebeldes. Quanto ao remédio que propondes, Monsenhores, de proibir a um e outro partido de dogmatizar, eu vos suplico muito humildemente que reconsidereis que isto já foi experimentado inutilmente, e serviu apenas para dar força ao erro, porque vendo que era tratado na mesma base que que a verdade, o erro se aproveitou desse ensejo para se consolidar; e não se deve tardar demasiadamente em extirpa-lo, visto que essa doutrina não se aplica somente em teoria, mas que consistindo também na pratica, as consciências não mais podem suportar a perturbação e a inquietação que nascem dessa dúvida, a qual se forma no coração de cada um, a saber se Jesus Cristo morreu por ele ou não, e outras semelhantes. Há pessoas que, ouvindo outros dizerem, a moribundos, para consolá-los, que tivessem confiança na bondade de Nosso Senhor, que morreu por eles, disseram aos doentes que não se fiassem nisso, porque Nosso Senhor não havia morrido por todos. “Permiti também, Monsenhores, acrescentar a estas considerações que esses que fazem profissão da novidade, vendo que se temem suas ameaças, as aumentam, e se preparam para uma forte rebelião; servem-se de vosso silêncio como um poderoso argumento em seu favor, e mesmo se ufanam, por um impresso que publicam, que sois de sua opinião; e, pelo contrário, os que se conservam na simplicidade da antiga crença, se debilitam e se desencorajam, vendo que não se acham universalmente sustentados. E não ficareis um dia bem contristados, Monsenhores, se vosso nome, ainda que contra vossas intenções, que são muito santas, tivesse servido para confirmar a uns em sua obstinação, e para abalar a crença de outros? “Quanto a confiar o assunto a um concílio ecumênico, qual o meio de convoca-lo durante estas guerras? Passaram-se quase quarenta anos desde que Lutero e Calvino começaram a perturbar a Igreja e a convocação do Concílio de Trento. Segundo este, não há mais pronto remédio que o de recorrer ao Papa, ao qual o próprio Concílio de Trento nos encaminha em sua última sessão, no último capítulo, do qual vos envio um excerto. “Portanto, Monsenhores, não se deve temer que o Papa não seja obedecido como é bem justo quando se tiver pronunciado; porque além do que essa razão de temer a desobediência é comum em todas as heresias, as quais por conseguinte dever-se-ia deixar existir impunemente, nós temos um exemplo muito recente na falsa doutrina dos dois pretensos chefes da igreja saída da mesma botica, a qual, tendo sido condenada pelo Papa seu julgamento foi obedecido, e não mais se fala dessa nova opinião. Certamente, Monsenhores, todas essas razões e várias outras que vós sabeis melhor que eu, que desejaria aprender de vós, que respeito, como meus pais e como doutores da Igreja, fizeram que restam presentemente poucos prelados em França que não tenham assinado a carta que vos foi apresentada.” |