Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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Arte amoral

 

 

 

 

 

Legionário, 30 de julho de 1944, N. 625, pag. 2

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“O que pedimos à arte é o prazer estético, é o agradável, o belo, e não o útil nem o bom. Assim, uma obra literária pode perfeitamente ignorar o bem e o mal. Isto não significa que a arte seja por si imoral. Ela é por definição amoral como a ciência. Seu domínio próprio não é o do bem e do mal”. A tese contrária, que parece inspirada em nobres ideais, é um “leitmotiv” dos “bien pensants”, dos que não distinguem entre a realidade e a imaginação, entre as normas que devem presidir à vida real de um homem, ser racional e portanto moral, e as normas que devem orientar uma ficção agradável. A observação de uma obra de arte produz uma melhoria geral em quem a sente. Uma obra literária que tivesse intenções puramente moralizantes não seria uma obra de edificação. A esse propósito ainda transcrevo Christian Ducasse, que, depois de lembrar o verso de Claudel “et, certes, nous aimons Jésus-Christ, mais rien au monde ne nous fera aimer la moral” (e certamente nós amamos Jesus Cristo, mas nada no mundo nos fará amar a moral), assim se exprime: “Os verdadeiros artistas são em geral pessoas a quem nada no mundo fará amar a moral. Quando eles põem na obra o problema do bem e do mal, não é em termos de moral que o fazem. Que ganharia, aliás, a moral com isso?”

Aí deixamos agrupados alguns conceitos colhidos num artigo publicado em certo jornal. É preciso reconhecer que a atitude desse jornal não é isolada.

Os conceitos acima transcritos afirmam, em suma, que há um só critério para aquilatar as obras de arte: o critério estético. Há obras benfeitas e há obras malfeitas, eis tudo. Isto, e só isto é que as faz boas ou más. Mais até a preocupação moralizante estraga irremediavelmente uma obra, tornando-a inapelavelmente malfeita, feia, desagradável, inestética, sensaborona. Desde que uma ficção artística é agradável, nada mais se deve exigir dela. E querer fazê-lo é deturpá-la na sua própria substância artística, desnaturando-a. Pois assim como o campo da moral é o bem, o campo da arte é o belo, de modo que onde começa a arte, termina a moral.

O que há no fundo deste modo de pensar, que dá novo vigor ao velho ideal da arte pela arte, é toda uma filosofia de inspiração neoplatônica. “A observação de uma obra de arte produz uma melhoria geral em que a sente”. Isto quer dizer que o agradável da obra não é apenas uma sensação, mas algo muito mais profundo, que produz uma melhoria em toda a natureza humana, considerada como um todo. Isto porque a obra de arte, na recriação do belo, desvenda um mistério, patenteando um conteúdo denso de realidade profunda. Esta “revelação” da obra de arte, entretanto, só se dá àqueles que vivem o seu mistério, abrindo-se à mensagem inefável que ela traz. Mas, quando isto acontece, o homem penetra na consistência palpitante da realidade e aí se refaz, e aí se transfigura, num contato imediato com as fontes ontológicas. Ele vive verdadeiramente. Para que, pois, a arte apela para a moral, se ela consegue dar uma plenitude que a moral não alcança? “Os verdadeiros artistas são em geral pessoas a quem nada no mundo fará amar a moral”. De fato, para que lhes servem receitas para uma vida equilibrada se, na sua sublime aventura, eles conquistaram a plenitude de sua vida, alçando-se ao plano metafísico? A moral servirá ao comum das pessoas, aos “psíquicos” que põem a sua vida numa bitola decente. Os “pneumáticos”, porém, se dilatam na vida intensa do mistério.

Tudo isto está errado, redondamente errado. Isto desconhece a analogia do ser, a transcendência divina, e a sobrenaturalidade essencial da graça. E, por aí, se poderiam justificar filosoficamente as palavras de Tartufo:

“L’amour que nous attache aux beautés éternelles

N’étouffe pas en nous l’amour des temporelles” (O amor que nos prende às belezas eternas, não sufoca em nós o amor das temporais”).


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