Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

Inimigos internos

 

 

 

 

 

Legionário, 23 de julho de 1944, N. 624, pag. 5

  Bookmark and Share

 

Vimos, pelos documentos transcritos em nossos dois últimos números, como entre as várias medidas assentadas pelas forças secretas, no início do século passado, para o combate sistemático à Santa Igreja, sobressaíam duas de importância capital: a corrupção interna, pela infiltração de pseudo-católicos, e a precaução de evitar a perseguição aberta, para não criar mártires.

Pouco menos de um século após ter sido interceptado em Roma, pelas autoridades pontifícias a célebre “Instrução” da Alta Venda, o Santo Padre Pio X, então gloriosamente reinante, publicava a Encíclica “Pascendi Dominici Gregis”, em que fulminou os erros modernistas.

Transcrevemos hoje alguns tópicos dessa importantíssima Encíclica, por onde veremos que a tática empregada pelos modernistas confere ponto por ponto com as “sugestões” das forças secretas aos seus lugares tenentes.

Mais ainda. Veremos por estes trechos que vamos citar, o caráter geral do movimento modernista e o aspecto unitário de sua doutrina, o que nos dá a entender que essa “reunião de todas as heresias” assume aos olhos do Santo Padre Pio X as proporções de uma vasta, conspiração dirigida contra a Santa Igreja, e existente em seu próprio seio.

Constitui esta Encíclica a comprovação clara da mudança de tática dos inimigos da Igreja, os quais, segundo o Santo Padre Pio X, estariam esposando “uma arte toda nova e soberanamente pérfida”, procurando “subverter completamente o reino de Jesus Cristo”.

Falem os próprios textos:

“A missão que Nos foi confiada do alto de apascentar o rebanho do Senhor, Jesus Cristo assinalou como primeiro dever de guardar com um cuidado zeloso o depósito tradicional da Fé, contra as profanas novidades de linguagem e das contradições da falsa ciência. Nenhuma idade houve, sem dúvida, em que uma tal vigilância não fosse necessária ao povo cristão, porque nunca faltaram, suscitados pelo inimigo do gênero humano, homens de linguagem perversa, propagadores de novidades e sedutores, súditos do erro e que conduzem ao erro. Mas, é forçoso reconhecer, o número dos inimigos da Cruz de Jesus Cristo aumentou estranhamente, nestes últimos tempos, os quais, com uma arte toda nova e soberanamente pérfida, se esforçam por anular as energias vitais da Igreja, e mesmo, se pudessem, subverter completamente o reino de Jesus Cristo. Não mais Nos podemos calar, se desejarmos não parecer infiel ao mais sagrado de Nossos deveres, e que a bondade de que usamos até aqui, na esperança de emenda, não seja taxada de olvido de Nosso Senhor.

O que exige sobretudo que falemos sem demora, é que os artífices dos erros, não mais os devemos procurar hoje entre os inimigos declarados. Eles se ocultam, e isto é um motivo de apreensão e de angústia muito vivas, no próprio seio e no coração da Igreja, inimigos tão mais temíveis quanto o são menos abertamente. Falamos, Veneráveis Irmãos, de um grande número de católicos leigos, e, o que é mais ainda para deplorar de sacerdotes os quais, sob capa de amor à Igreja, absolutamente curtos de filosofia e de teologia sérias, impregnados ao contrário até às entranhas de um veneno de erro sorvido nos adversários da Fé católica, se colocam, com desprezo de toda modéstia, como renovadores da Igreja, os quais, em falanges serradas, dirigem audaciosamente o assalto a tudo o que há de mais sagrado na obra de Jesus Cristo, sem respeitar sua própria pessoa, que eles abaixam, por uma temeridade sacrílega, até à simples e pura humanidade.

Estes homens podem espantar-se que Nós os coloquemos entre os inimigos da Igreja. Ninguém se espantará disso com algum fundamento se, pondo suas intenções de lado, cujo julgamento é reservado a Deus, quiser bem examinar suas doutrinas, e, consequentemente a estas, sua maneira de falar e de agir. Inimigos da Igreja certamente eles são, e ao dizer que ela não os tem piores não se afasta da verdade. Não é pelo lado de fora, com efeito, já notamos, é do lado de dentro que eles tramam sua ruina; o perigo se acha hoje quase nas próprias entranhas e nas veias da Igreja; seus golpes são tão mais seguros quanto eles sabem onde melhor feri-las. Acrescentai que não é nos galhos ou nos ramos que eles deitaram o machado, mas na própria raiz, isto é, na Fé e em suas fibras mais profundas.

Depois, uma vez cortada essa raiz de vida imortal, eles se entregam à tarefa de fazer circular o vírus por toda a árvore; nenhuma parte da Fé católica permanece ao abrigo de sua mão, nenhuma em que eles não façam tudo corromper. E, ao mesmo tempo que prosseguem por mil caminhos em seu desígnio nefasto, nada de tão insidioso, de tão pérfido que sua tática: amalgamando neles o racionalista e o católico, fazem-no com um tal refinamento de habilidade, que chegam a abusar facilmente dos espíritos mal avisados. Ademais, consumados em temeridade, não há sorte de consequências que os faça recuar, ou pelo menos que eles não sustentem alta e obstinadamente. Com isto e, coisa muito própria a estabelecer uma compensação, uma vida toda de atividade, uma assiduidade e um ardor singulares em todos os gêneros de estudos, costumes recomendáveis de ordinário por sua severidade. Enfim, e isto parece retirar toda esperança de remédio, suas doutrinas perversas teriam de tal modo sua alma que se tornaram rebeldes a toda autoridade, impacientes de todo freio; baseando-se em uma falsa consciência, fazem tudo para que se atribua ao puro zelo da verdade o que é obra unicamente de obstinação, e de orgulho. Certamente Nós havíamos esperado que eles se emendassem um dia; e, por isso, os havíamos de início tratado com doçura, como filhos, depois com severidade; enfim, e bem a contragosto, com reprimendas públicas. Vós não ignorais, Veneráveis Irmãos, a esterilidade de Nossos esforços; eles curvam um momento a cabeça, para levantá-la pouco depois mais orgulhosa. Ah! se apenas eles estivessem em causa, Nós poderíamos talvez dissimular; mas é a religião católica e sua segurança que estão em jogo. Demos tréguas, portanto ao silêncio que agora seria um crime! É tempo de tirar a máscara a esses tais homens e de os mostrar à Igreja universal tais como eles são.

E como uma tática dos modernistas (assim eles se chamam comumente e com muita razão), tática em verdade bastante insidiosa, é de jamais expor suas doutrinas metodicamente e em seu conjunto, mas de as fragmentar de qualquer modo e de as espargir aqui e ali, o que se presta a os fazer julgar ondulantes e indecisos, quando suas idéias, pelo contrário, são perfeitamente firmadas e consistentes; importa, aqui, antes de tudo apresentar essas mesmas doutrinas de um mesmo ponto de vista, e mostrar o nexo logico que as liga entre si. Nós Nos reservamos de indicar em seguida as causas dos erros e de prescrever os remédios próprios a eliminar o mal”.

E para proceder com clareza em uma matéria na verdade muito complexa, faz-se necessário mostrar logo de início que os modernistas reúnem e misturam por assim dizer entre si vários personagens: a saber, o filósofo, o crente, o teólogo, o historiador, o crítico, o apologista, o reformador; personagens que importa bem caracterizar se se deseja conhecer a fundo seu sistema, e se capacitar dos princípios como das consequências de suas doutrinas”.

–oOo–

Depois de estudar o filósofo e o crente modernistas, diz o Santo Padre Pio X:

O que lançará mais luz sobre essas doutrinas modernistas, é sua conduta, que lhes é plenamente consequente. A ouvi-los, a lê-los, seremos tentados a crer que eles caem em contradição consigo mesmos, que são oscilantes e incertos. Longe disto: tudo é pesado, tudo é desejado neles, mas à luz deste princípio que a Fé e a ciência são estranhas uma à outra. Tal página de sua obra poderia ser assinada por um católico; virai a página e acreditareis estar lendo um racionalista”.

* * *

Prosseguindo na enumeração dos erros modernistas, a certa altura se acham denunciadas do seguinte modo as tendências igualitárias desses inimigos internos da Igreja:

“No que diz respeito ao culto, que se diminua o número das devoções exteriores, ou pelo menos que se impeça seu crescimento. É verdade que certos deles, por um belo amor ao simbolismo, se mostram coleantes sobre esta matéria. – Que o governo eclesiástico seja reformado em todos os seus ramos, sobretudo o disciplinar e o dogmático. Que seu espírito, que seu proceder exterior sejam colocados em harmonia com a consciência, que se volta para a democracia; que um quinhão seja dado no governo ao clero inferior e mesmo aos leigos; que a autoridade seja decentralizada. Reforma das Congregações Romanas, sobretudo da do Santo Oficio e do Index. Que o poder eclesiástico mude a linha de conduta no terreno social e político, conservando-se fora das organizações políticas e sociais, que ele se adapte a estas, para penetrá-las de seu espírito.

Em moral, fazem seu o princípio dos americanistas, que as virtudes ativas devem ir adiante das passivas, na apreciação como na prática que delas fazem. Ao clero exigem que retorne à humildade e à pobreza antigas, e, quanto às suas idéias e sua ação, que as oriente segundo seus princípios”

Continuando a denunciar a tática modernista diz o Santo Padre Pio X:

“Ora, foi de uma aliança da falsa filosofia com a Fé que nasceu, carregado de erros, seu sistema.

Se ainda eles mostrassem menos zelo e atividade em propaga-lo! Mas é tal nisto seu ardor, tal sua obstinação de trabalho que sem tristeza não se pode vê-los dispensar à ruina da Igreja tão belas energias, quando elas podiam ser tão proveitosas se bem empregadas. Seus artifícios para abusar dos espíritos são de duas espécies: esforçarem-se por afastar os obstáculos que se lhes antepõem; depois, procurar com cuidado pôr ativa e pacientemente em obra tudo o que lhes pode servir.

Três coisas, eles bem sentem, lhes barram o caminho: a filosofia escolástica, a autoridade dos Padres e a tradição, o magistério da Igreja.

A estas três coisas eles movem uma guerra encarniçada”.

E como um dos elementos dessa guerra, cita o Santo Padre a campanha, sobretudo de silêncio, que os sectários modernistas movem aos católicos que lutam vigorosamente pela Igreja. ...

“Depois disto, não há razão para espanto se os modernistas perseguem com toda sua malquerença, com toda sua acrimônia, os católicos que lutam vigorosamente pela Igreja. Não há sorte de injúrias que não vomitam contra eles, as de ignorância e de teimosia são as preferidas. Se se trata de um adversário que sua erudição e seu vigor de espírito tornam temível, eles procuram reduzi-lo à impotência organizando em torno dele conspiração do silêncio. Conduta tão mais condenável que, ao mesmo tempo, sem fim nem medidas, eles enchem de elogios a todos os que se põem de seu lado. Um trabalho aparece, respirando novidade por todos os poros, eles o acolhem com aplausos e gritos de admiração. Quanto mais um autor houver levado a audácia ao combate à antiguidade, no solapamento da tradição e do magistério eclesiástico, mais sábio será para eles. Enfim - e isto é objeto de verdadeiro horror para os bons — se acontece que um dentre eles for atingido por condenações da Igreja, os outros não demoram a se aglomerar em torno dele, a cumulá-lo de elogios públicos, a venerá-lo quase como um mártir da verdade. Os jovens, aturdidos e perturbados com todo esse tumulto de louvores e de injúrias, pelo temor do qualificativo de ignorantes e pela ambição do título de sábios, ao mesmo tempo que sob o aguilhão interior da curiosidade e do orgulho, acabam por ceder à corrente e por se lançarem no modernismo”.

Mas isto já pertence aos artifícios empregados pelos modernistas para instilar seus produtos. O que eles põem em obra para criar novos partidários! Assenhorearam-se das cátedras nos Seminários, nas Universidades, e as transformaram em cátedras de pestilência. Disfarçados talvez, eles semeiam suas doutrinas da cátedra sagrada; professam-nas abertamente nos Congressos; fazem-nas penetrar e as põem em voga nas instituições sociais. Sob seu próprio nome, sob pseudônimos, publicam livros, jornais, revistas. A mesma pessoa multiplicará seus pseudônimos, para melhor enganar, pela multidão simulada de autores, o leitor imprudente. Em uma palavra, ação, discursos, escritos, não há nada que eles não ponham em jogo, e verdadeiramente vós os direis assaltados por uma espécie de frenesi. O fruto de tudo isto? Nosso coração se confrange ao ver tantos jovens que eram a esperança da Igreja e à qual eles prometiam tão bons serviços, absolutamente desviados. Um outro espetáculo ainda Nos atrista: é que tantos outros católicos não indo certamente tão longe, tomaram entretanto o hábito, como se houvessem respirado um ar contaminado, de pensar, de falar, de escrever com uma maior liberdade que não convém a católicos”.

E depois de mostrar como esses inovadores “destroem, tanto quanto podem, as piedosas tradições populares”, o Sumo Pontífice começa, pelas seguintes palavras, a enumerar as medidas que devem ser tomadas para jugular o mal por eles causado:

“A tantos e a tão graves erros, às suas invasões públicas e ocultas, Nosso Predecessor Leão XIII, de feliz memória, procurou fortemente se opor, sobretudo em matéria bíblica, por palavras e por atos. Mas estas não são as armas, Nós já o dissemos, que facilmente amedrontam os modernistas. Com ares afetados de submissão e de respeito, as palavras, eles as amoldam ao seu sentimento, e os atos, eles os atribuem a todos, menos a eles próprios. E o mal vai se agravando de dia para dia. É porque, Veneráveis Irmãos, Nós chegamos à determinação de adotar sem demora medidas mais eficazes; Nós vos rogamos e vos conjuramos a não suportar que se possa achar a mínima coisa que redizer, em matéria tão grave, à vossa vigilância, ao vosso zelo, à vossa firmeza. É o que Nós vos pedimos e esperamos de vós. Nós o pedimos e o esperamos de todos os outros pastores de almas, de todos os educadores e professores da juventude clerical, e muito especialmente dos superiores maiores dos Institutos religiosos”.

–oOo–

Assim termina a parte da exposição da tática e dos erros modernistas, para iniciar a enumeração das medidas a serem postas em prática para combater aquilo que o Santo Padre Pio X classificou como a “reunião de todas as heresias”.

E por estas simples citações nossos leitores podem ficar capacitados daquilo que dizíamos mais acima, isto é, do aspecto generalizado e unitário dessa vasta conjuração existente no seio da Santa Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, e que até hoje prossegue na sua faina insensata de procurar destruir a obra da salvação do gênero humano há varios séculos realizada por Pedro e seus sucessores.

Não estaremos diante da fase de realização dos planos urdidos pelas forças secretas no início do século passado para a desintegração interna da Igreja?


ROI campagne pubblicitarie