Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

O erro técnico dos Césares

 

 

 

 

 

Legionário, 16 de julho de 1944. N. 623, pag. 5

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Vimos pela “Instrução” da Alta Venda, publicada em nosso último número, como, entre outros recursos, as forças secretas, já no século passado, resolveram explorar o “patriotismo” como meio para corromper os católicos e principalmente o clero. Esta foi a tecla mais tarde batida pelo fascismo, pelo nazismo e por outros ismos da direita, e agora pelo comunismo que com ela já conseguiu a adesão dos cismáticos.

Outra característica do totalitarismo da direita, com o nazismo à frente, se achava na preferência por ele demonstrada pela perseguição branca. Isto é, se possível sem efusão de sangue, para não criar mártires. O maior perigo do nazismo, é o que fez com que o LEGIONÁRIO sempre o julgasse mais pernicioso do que o comunismo, e encontrava no modo como sabia organizar sua propaganda, evitando em geral, os ataques diretos contra a Igreja, fazendo-lhe, pelo contrário, concessões teóricas, propondo-lhe a assinatura de uma concordata, prometendo-lhe todas as garantias que um Estado pode conceder, para depois roubar-lhe uma após outra, todas as posições segundo um plano estratégico para o qual preparava a opinião pública, alegando sempre motivos políticos. E assim, como o afirmou o escritor Luís Adolfo Esteves, suas medidas eram mais indiretas, mais pacientes, sabiam dar tempo ao tempo, e, com ser mais sistemáticas, mais eficazes, se achavam concentradas na obra da educação da juventude.

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Ora, nestes últimos tempos, o totalitarismo da esquerda tem evoluído para essa tática nazista e, com isto, vem se tornando perigoso ao mesmo grau que o da direita. Já se foram os dias sangrentos da Rússia, do México e da Espanha. Talvez voltem um dia, para o golpe de misericórdia. Mas, na quadra atual, tudo leva a crer que os soviets resolveram seguir o conselho de Lenin no sentido de não criar mártires, mas de combater a Igreja pelas armas da hipocrisia, das falsas concessões, da falsa tolerância religiosa, que dá à Igreja a “liberdade” de existir, tirando-lhe porém, um a um todos os meios necessários para o desempenho de sua missão.

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Esta tática nazista, agora esposada pelo comunismo, já havia sido considerada pelas forças secretas, no século passado, como o recurso mais eficaz para combater a Igreja. Neste sentido, publicamos hoje o texto integral de uma carta dirigida pelo chefe da Alta Venda em Roma a outro comparsa, logo após a execução na Cidade Eterna, de dois carbonários que haviam cometido um atentado contra o governo pontifício.

Por ingenuidade ou má fé, os acontecimentos políticos e sociais que atualmente se desenrolam no mundo costumam ser apreciados como fruto natural e espontâneo de uma evolução irresistível gerada pela força de uma nova mentalidade que vai empolgando os homens. Nada existiria por detrás desses acontecimentos, sendo eles simplesmente o que são. E a referência a um trabalho subterrâneo dirigido pelas forças secretas, faz sorrir com superioridade os ingênuos e... os iniciados. O maçonismo seria um episódio do século passado, com ressonância apenas em algumas lojas anticlericais e rotarianas de nossos dias, inofensivas quase, pois seus adeptos trazem por assim dizer o carimbo da seita na testa.

À luz dos documentos coligidos por autores católicos nestes últimos tempos e sobretudo do que tem dito sobre este assunto os últimos Soberanos Pontífices, não há mais desculpa para essa eterna miopia.

E neste sentido é muito esclarecedor o que abaixo vai transcrito da “Civiltà Cattolica”, volume de 1875 (pag. 329-334): 

Vivia então em Roma, no tempo de Targhini, um dos principais maçons, e também chefe oculto das forças secretas na Itália, cujo ilustre nome é conhecido, mas se cala por alguns bons motivos (especialmente em respeito à honra da família), os quais já haviam feito calar a Cretineau Joly, que em primeira mão publicou em francês, em sua obra “A Igreja Romana em face da revolução”, o documento que agora publicamos em italiano (trata-se da “Instrução” transcrita pelo LEGIONÁRIO em seu último número). Foi este, com efeito, escrito originariamente em italiano, visto que italiano era aquele maçom, se bem que não romano.

"Era ele um dos membros (que não chegavam a quarenta) da alta maçonaria, os quais pertenciam quase todos ao Piemonte, a Milão, à Toscana e ao reino de Nápoles. Seu nome de guerra era Núbio, nome apropriadíssimo ao cargo que lhe fora designado pela maçonaria em Roma, que era de manter-se oculto nas nuvens, no segredo e na impostura. Devendo passar, como de fato sempre passou, por um zelante católico e papalino apaixonado, tal era sua vida quase toda ela passada em conversas com Monsenhores, Cardeais, fazendo até o papel de espião ao serviço do governo e contra qualquer pobre diabo de carbonário e de pequeno maçom, sacrificados assim ao bem público da alta maçonaria, o que acontece sempre a todos aqueles pobres idiotas que se deixam apanhar e comprometer. Esses tais são abandonados pelos caros irmãos logo que se faz evidente que não mais podem ser úteis à causa, já que o “moriatur unus pro populo” (é preciso que um morra pelo povo) foi sempre o axioma desses Caifases, sumos Pontífices da maçonaria, desgraça que afinal atingiu o próprio Núbio: depois de haver por cerca de dezoito anos governado em Roma a alta maçonaria, caiu ele mesmo em suspeição e desprestígio junto dos veneráveis irmãos, sendo, como tantos outros, envenenado com uma substância de efeito lento, que o fez passar, nos últimos anos de sua vida, cerca de 1848, da sua costumeira atividade febril a um triste estado de imbecilidade e de depauperamento, vítima digna de tais algozes.

"Esse Núbio não tinha ainda trinta anos, quando, em 1824, reinando em Roma Leão XII, para ali foi enviado pelos seus companheiros, a fim de lançar as redes do movimento maçônico em Roma e na Itália. Era rico e nobre e, além disso, de belo porte, facundo, erudito, especialmente em economia política, audacioso, astuto e sobretudo impostor, corrupto e cínico a um grau que parece impossível existir em criatura humana. Até então ele tinha levado uma vida errante de loja em loja na Itália, e fora dela, demonstrando-se ativo e prudente; tanto que, quando se cogitou de dar à Itália um chefe e um diretor da Alta Venda, ele foi escolhido como o mais conveniente e enviado a Roma, onde permaneceu de 1824 até sua morte.

"Falaremos mais tarde desse chefe da maçonaria romana de então. Por ora, para se conhecer quem era ele basta que transcrevamos a seguinte carta que escreveu a um seu colega, logo depois de serem justiçados na “Piazza del Popolo” os criminosos Targhini e Montanari:

 

Placa colocada em memória de Targhini e Montanari, na “Piazza del Popolo” (Roma)

“Meu caro Vindice.

"Assisti, com a cidade inteira, a decapitação de Targhini e de Montanari,  mas asseguro-te que prefiro sua morte à sua vida. O complot por eles estultamente formado para inspirar terror, não podia vingar. Pouco faltou para que ficássemos comprometidos.

"Entretanto, sua morte resgata suas pequenas venalidades. Morreram com coragem e espero que isto dará frutos. Gritar em alta voz, na “Piazza del Popolo” em Roma, na cidade-mãe do catolicismo, em face do carrasco e do povo, que se morre inocente, franco-maçom e impenitente, é admirável, e tanto mais admirável pelo fato de ser a primeira vez que isto acontece. Montanari e Targhini são dignos do nosso martirológio, já que não se dignaram de aceitar nem o perdão da Igreja nem a reconciliação com o céu. Até hoje os condenados, levados à capela, choravam de arrependimento para tocar o coração do Vigário da misericórdia. Aqueles não quiseram entrar em entendimentos com a felicidade celeste, e sua morte de réprobos produziu sobre a massa um efeito mágico. Esta foi a primeira proclamação das sociedades secretas e uma tomada de posse das almas. Temos, portanto, nossos mártires.

"Para zombar da polícia de Bernetti (então Monsenhor e governador de Roma, depois cardeal), fiz lançarem algumas flores sobre a fossa em que o carrasco sepultou seus cadáveres. Havíamos para isto tomado as nossas providências. Temíamos comprometer nossos servidores nesse mister. Encontravam-se aqui alguns ingleses e uma jovem Miss romântica e anti-papista: esta foi por nós encarregada dessa peregrinação devota. A ideia pareceu feliz não menos a mim que à citada loura. Essas flores lançadas à noite sobre dois cadáveres proscritos farão florir o entusiasmo da Europa revolucionária. Os mortos terão o seu Panteon.

"Depois, continua Núbio, fui levar a Monsenhor Piatti (que era então Vice-Regente de Roma) as minhas condolências. Este pobre homem perdeu essas duas almas, para sua nação de padres, e se acha sucumbido. Devo em meu próprio nome, em nome de meu cargo (que era diplomático) e sobretudo em nome de nosso futuro, deplorar, com todos os corações católicos, esse escândalo inaudito em Roma. Deplorei-o tão eloquentemente que espero haver enternecido ao próprio Monsenhor Piatti. E, a propósito de flores, nós havíamos mandado pedir a um dos nossos mais inocentes afilhados das forças secretas, ao poeta francês Casimiro Delavigne, uma Messeniana (ode) sobre Targhini e Montanari. Esse poeta, que vejo frequentemente no mundo das artes e da conversação, é um bom homem. Prometeu planger sua lira em homenagem aos mártires e fulminar uma excomunhão contra os carrascos. Os carrascos serão sempre o Papa e os sacerdotes. Também os correspondentes dos jornais ingleses saberão explorar o assunto e sei que mais de um já tem à boca a trombeta épica para proclamar o feito.

"Todavia é uma grande coisa esta de fabricar heróis e mártires. A massa se manifesta muito impressionável em face do cutelo que corta a vida, e passa rapidamente de uma emoção à outra, admirando aqueles que afrontam com audácia o supremo momento de tal modo que, depois desse espetáculo, eu mesmo me sinto perturbado e pronto a agir como a multidão. Esta impressão, da qual não me posso livrar, e que fez o povo quase instantaneamente perdoar aos dois justiçados seus delitos e sua impenitência final, me conduziu a esta reflexão filosófica pouco cristã, que um dia precisaremos utilizar. Um dia, se triunfarmos, e se, para eternizar nosso triunfo, for necessário derramar algumas gotas de sangue, não se fará preciso que concedamos às vítimas o direito de morrer com dignidade e firmeza. Semelhante morte não é boa senão para manter o espírito de oposição e para dar mártires ao povo, dos quais este sempre estima ver o sangue frio. É um mau exemplo.

"Nós lucramos hoje com o processo, mas creio ser útil fazer minhas ressalvas para casos ulteriores. Se Targhini  e Montanari, por um meio ou outro (já que a química dispõe de tantas recitas maravilhosas) fossem forçados a aparecer sobre o cadafalso abatidos e acovardados, o povo não teria piedade deles. Mantiveram-se intrépidos, e o mesmo povo deles conservará uma preciosa memória. Esse dia ficará gravado em suas memórias. O homem que for arrastado ao cadafalso e que enfrentar a morte de modo impassível, ainda quando culpado, terá sempre o favor da multidão.

"Não nasci cruel, creio que não tenho instinto sanguinário. Mas quem deseja o fim deseja os meios. Ora, eu afirmo que em um dado caso, nós não devemos, nós não podemos, no próprio interesse da humanidade, deixar que surjam mártires à nossa custa. Sou de opinião que em presença dos primeiros cristãos, César não teria feito melhor em atenuar e confiscar a favor do paganismo todos aqueles heroicos pruridos do céu em vez de deixar crescer o fervor do povo por meio de uma bela morte? Não seria melhor medicar a força da alma, embrutecendo o corpo? Uma droga bem preparada, e melhor aplicada, que houvesse enfraquecido o paciente até à prostração, teria sido, segundo creio, de um efeito salutar. Se os Césares tivessem empregado nesse comércio as Locustas (envenenadoras, n.d.c.) de seu tempo, estou persuadido de que o nosso velho Júpiter Olímpico e todos os seus pequenos deuses de segunda ordem não teriam sucumbido tão miseravelmente.

"Se os Césares tivessem empregado nesse comércio as Locustas de seu tempo, o cristianismo não conheceria certamente tão auspicioso sucesso. Chamavam-se os seus apóstolos, os seus sacerdotes, as suas virgens a morrerem estraçalhados pelos leões no anfiteatro, em presença de um povo atento. Seus apóstolos, seus sacerdotes, suas virgens, movidos por um sentimento de fé, de imitação, de proselitismo, ou de entusiasmo, morriam sem empalidecer e cantando hinos de vitória. Isto era dar o desejo de morrer, e eram vistos tais caprichos. Os gladiadores não geravam outros gladiadores?

"Se esses pobres Césares tivessem tido a honra de fazer parte da Alta Venda, eu lhes diria simplesmente que deviam cuidar que, aos mais ardorosos desses neófitos fosse servida uma bebida segundo a receita e não se ouviria falar em outras conversões, porque não se achariam mártires. Com efeito, não mais se encontram êmulos nem por cópia, nem por atração, quando se arrasta sobre o patíbulo um corpo inerte, uma vontade inerte e olhos que choram sem se enternecer. Os cristãos se tornaram rapidamente popularíssimos porque o povo gosta de tudo aquilo que toca em suas cordas sensíveis. Se houvesse visto debilidade, medo e uma massa trêmula e febricitante, teria vaiado; e o cristianismo desapareceria no terceiro ato da comédia.

"Se acredito dever propor este meio (o veneno) é por princípio de humanidade política. Se Targhini e Montanari fossem condenados a morrer como canalhas, se fossem ajudados a cumprir essa sentença com qualquer ingrediente de farmácia seriam eles agora dois miseráveis assassinos que não foram capazes de encarar a morte. O povo os desprezaria profundamente e os esqueceria. Pelo contrário, ele admirou sua morte, em que o governo pontifício fez uma boa parte do serviço em nosso benefício. Sou de opinião, portanto, que, em caso de necessidade, fique bem decidido que não agiremos assim. Não deixemos que a morte sobre o patíbulo seja gloriosa, santa, corajosa e feliz, e teremos raramente necessidade de matar

Execução de Luis XVI

"A Revolução Francesa, que teve tanto de bom, errou neste ponto. Luís XVI, Maria Antonieta e a maior parte das vítimas da época são sublimes em sua resignação e grandeza de ânimo. São episódios sempre lembrados, e minha velha ama me fez chorar mais de uma vez falando-me daquelas damas que desfilavam diante da princesa Elisabeth aos pés da guilhotina, fazendo-lhe profunda reverência, como no círculo da corte de Versailles. Não é disto que temos necessidade. Em uma dada ocasião façamos que um Papa ou três Cardeais morram como velhos decrépitos, com todos os transes da agonia e no terror da morte e teremos paralisado todo o desejo de imitar esse sacrifício. Teremos resguardado os corpos, mas mataremos o espírito.

"É a moral que devemos tirar: devemos ferir o coração. Sou de feitio tal que me devia opor a esse projeto. Mas, todas as coisas bem consideradas, as vantagens superam os inconvenientes. Se o segredo for fielmente guardado, verás na ocasião a utilidade desse novo gênero de remédio. Uma pedrinha na vesícula bastou para aniquilar Cromwell. Que coisa pode haver mais própria para enervar o homem mais robusto e fazê-lo ficar sem energia, sem vontade e sem coragem nas mãos de seus carrascos? Se ele não tem força para colher a palma do martírio, não receberá auréola e, por conseguinte não terá nem admiradores nem neófitos. Teremos assim golpeado fundo aqueles que nos inspiram semelhante precaução. Recomendo-a ti como lembrança.”


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