Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

A tática da infiltração

 

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de Julho de 1944, N. 622, pag. 5

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Completamos hoje a transcrição começada em nosso último número, da “Instrução” transmitida no início do século passado pela Alta Venda ao chefe das forças secretas em Roma, da qual se depreende a atual tendência da maçonaria, que é de infiltrar-se na Igreja, corrompendo o catolicismo por dentro.

Procuramos reproduzir com fidelidade o texto desse documento como foi publicado pela “Civiltà Cattolica” em 1875, não omitindo a linguagem sacrílega e insultuosa com que a Santa Igreja e os Soberanos Pontífices nele são citados.

Dir-se-á que estamos perdendo tempo com velharias. Não será a primeira vez que nos fazem esta acusação. Ainda recentemente houve quem dissesse que os “Erros Modernos” apontados por D. Benoit, no século passado, não se aplicam a nossa época, isto é, não mais seriam erros... nem modernos, devido a complicação do século vinte!

Entretanto, com relação a essa “Instrução” da Alta Venda, assinalemos, além de outros, apenas dois movimentos surgidos no seio da Igreja em nosso século e que provam a existência dessa trama destinada a fazer vingar o programa das forças secretas no próprio interior do Santuário.

Um foi o movimento do “Sillon”, condenado pelo Santo Padre Pio X, e que procurou conciliar a Igreja com os princípios revolucionários e igualitários da Revolução Francesa, “dividindo os católicos, arrancando a juventude e mesmo padres e seminaristas à ação simplesmente católica.”

“Nós conhecemos demasiadamente bem, diz Pio X, os sombrios laboratórios em que se elaboram estas doutrinas deletérias, que não deveriam seduzir espíritos clarividentes.” E acusa os chefes desse movimento de fazerem “aproximações blasfematórias entre o Evangelho e a Revolução”.

O segundo movimento recebeu o nome genérico de modernismo, objeto da Encíclica “Pascendi”, que condena erros e tendências que até hoje prevalecem em certos meios católicos.

Ora, ao mostrar a malícia e a hábil tática empregada por esses modernistas, Pio X nos faz lembrar essa “Instrução”, quando ela recomenda a “infiltração” nos meios católicos pelos sectários encarregados dessa obra de dessoramento.

Refere-se o Soberano Pontífice aos ares afetados “de submissão e de respeito”, à “torção das palavras de acordo com os seus sentimentos”, à “tática em verdade muito insidiosa de jamais expor suas doutrinas metodicamente e em seu conjunto, mas de as fragmentar de qualquer maneira e as semear aqui e ali, o que se presta a fazê-los parecer ondulantes e indecisos, quando suas idéias, pelo contrário, são perfeitamente firmes e consistentes.” Expressões que frisam o aspeto conspiratório do movimento modernista.

Enfim, numa época em que a luta contra a Igreja se faz em todas as frentes, seria de se pôr em dúvida a conhecida sagacidade dos servos da iniquidade, se eles se descuidassem da importantíssima frente interna, desprezando a herança de seus “confrades” do século passado.

Passemos a transcrever o texto da célebre “Instrução”:

O Papado é, há mil e setecentos anos, inerente à história da Itália. A Itália não pode respirar, nem mover-se, sem a licença do Pastor supremo. Com ele ela tem os cem braços de Briareo; sem ele, ela se acha condenada a uma impotência lamentável, a divisões, a ódios e hostilidades da primeira cadeia dos Alpes ao último anel dos Apeninos. Não podemos desejar um tal estado de coisas. Torna-se necessário procurar um remédio contra esta situação. Ora bem, o remédio será o seguinte: o Papa, quem quer que ele seja, não virá às sociedades secretas; toca às sociedades secretas de dar o primeiro passo na direção da Igreja e do Papa, com o fim de vencer a ambos.

O trabalho a que nos propomos não é obra de um dia, nem de um mês, nem de um ano. Pode durar muitos anos, até um século; mas nas nossas fileiras o soldado morre e a guerra continua. Não pretendemos ganhar imediatamente o Papa à nossa causa, nem fazê-lo um neófito de nossos princípios ou um propagador das nossas idéias. Isto seria um sonho ridículo. E se de qualquer modo essas coisas sejam desejáveis, se por acaso acontecesse que qualquer cardeal ou Prelado, por vontade própria ou por insídia, começasse a tomar parte nos nossos segredos, não seria isto razão para desejarmos sua ascensão à Sé de Pedro. Esta ascensão seria antes a nossa ruina, visto que, como ele foi conduzido à apostasia unicamente por ambição, assim também a necessidade do poder o conduziria necessariamente a sacrificá-la.

O que devemos procurar e esperar, como os hebreus esperaram o Messias, é um Papa segundo as nossas necessidades. Alexandre VI com todos os seus vícios não nos conviria, já que não errou em matéria religiosa. Um Clemente XIV (foi o Papa que fechou os jesuítas, n.d.c.) porém, seria o nosso homem. Papa Borgia era um libertino, um verdadeiro sensual do século XVIII extraviado no século XV. Conservou-se, porém, não obstante os seus vícios, alheio a todos os filósofos viciosos e incrédulos por causa do vigor com que defendeu a Igreja. O Papa Ganganelli (Clemente XIV), pelo contrário, se colocou de mãos e pés atados nos braços dos ministros da casa de Bourbon, que lhe inspiravam medo, e dos incrédulos que louvavam sua tolerância, e por isto se tornou um grande Papa. Temos necessidade de um Papa como este, se ainda fosse possível. Com apenas isto marcharemos mais seguramente para o assalto da Igreja que com os folhetos dos nossos irmãos da França e da Inglaterra. E desejais saber por que? Porque com isto apenas, para dissolver a rocha sobre a qual Deus erigiu sua Igreja, não necessitamos do ácido de Aníbal, nem da pólvora dos canhões, nem mesmo dos nossos braços, já que teremos o dedo do Sucessor de Pedro comprometido no complot; e esse dedo valerá para esta cruzada todos os Urbanos segundos e todos os São Bernardos da Cristandade. Não duvidamos de chegar a este termo supremo de nossos esforços.

Mas quando e como? A incógnita ainda não foi determinada. O que, não obstante, assim como nada se deve retirar do desenho traçado, e que, antes, tudo deve concorrer como se o sucesso devesse coroar amanhã o trabalho apenas esboçado, desejamos nesta Instrução, a qual deve ser mantida em segredo no que diz respeito aos simples iniciados, dar aos Prepostos da Alta Venda alguns conselhos, que estes devem inculcar aos irmãos em forma de Ensino ou de memorandum. É coisa de suma importância que não se deixe transpirar que estes conselhos emanam da Suprema Venda. O clero se acha demasiadamente em causa: não é lícito, a essas luzes da lua, jogar com ele como fazemos com esses régulos e potentados que derrubamos com um simples sopro.

*

É pouco de se esperar dos velhos cardeais e dos Prelados de caráter decidido. É necessário deixar esses incorrigíveis da escola dos Consalvi, e procurar, em vez disso, no nosso armazém de popularidade e de impopularidade, as armas que utilizam ou ridicularizam o poder em suas mãos. Uma palavra bem inventada, e que se espalha com arte no seio de certas famílias cristãs (por exemplo: tal cardeal é avaro; tal prelado é licencioso; tal funcionário é liberal, infiel, maçom e intrigante), esta palavra passa de súbito ao café, do café à praça pública; uma palavra pode, em poucas voltas, matar um homem.

Se um prelado chega de Roma à província para exercer qualquer cargo público, torna-se necessário imediatamente informar-vos sobre seu caráter, seus precedentes, suas qualidades, seus defeitos – especialmente seus defeitos. É ele nosso inimigo? Um Albani, um Pallota, um Bernetti, um Della Genga, um Rivarola? Imediatamente o enleai em todas as redes que puderdes. Fazei dele uma reputação que espante os moços, as senhoras; retratai-o cruel e sanguinário; narrai a seu respeito qualquer proeza atroz que facilmente se imprima na mente ao povo. Quando os jornais estrangeiros tomem de nós emprestados esses fatos, retocando-os e colorindo-os ao seu sabor, para lhes dar visos de verdade, mostrai, ou melhor, fazei mostrar a qualquer imbecil o número do jornal em que são referidos os nomes e os fatos atribuídos a esses personagens. Como a Inglaterra e a França, assim a Itália não mais sentirá falta de penas que saibam dizer falsidades úteis para a boa causa. Com um jornal na mão, em que estejam impressos os nomes de Monsenhor Delegado e do Excelentíssimo sr. Juiz, o povo não terá necessidade de outra prova.

Esmagai, portanto, o inimigo, qualquer que ele seja; quando é poderoso, à força de maledicências e de calúnias. Mas, sobretudo, esmagai-o quando ainda se acha no ovo. Com efeito, é necessário cuidar da juventude; é necessário seduzir os jovens; é necessário que lancemos a juventude, sem que ela se dê conta disso, sob a bandeira das sociedades secretas.

Para avançar, a passo curto, mas firme, neste caminho perigoso, duas coisas são absolutamente necessárias. Deveis assumir o ar de quem é simples como a pomba; mas ao mesmo tempo deveis ser prudentes como a serpente. Vossos pais, vossos filhos, vossas próprias esposas deverão sempre ignorar o segredo que trazeis no peito. E se desejardes, para melhor enganar os olhos perscrutadores, vos confessar frequentemente, estais autorizados a guardar, também com o confessor, o mais absoluto silêncio sobre esta matéria. Já que vós sabeis que a menor revelação, que o menor indício escapado no tribunal da penitência ou em outro lugar pode conduzir a grandes calamidades; e que o revelador voluntário ou involuntário subscreve, com isto, sua sentença de morte.

Ora, portanto, para fabricar um Papa segundo o nosso coração, trata-se, antes de tudo, de fabricar para esse Papa futuro uma geração digna do reino que auguramos. É necessário deixar de lado os velhos e os homens maduros. Ide, pelo contrário, diretamente à juventude, e, se for possível, também à infância. Não conversai com os jovens sobre coisas obscenas ou ímpias. Maxima debetur puero reverentia (à criança se deve o máximo respeito – Juvenal, Sátiras, XIV, 47). Não esquecei nunca estas palavras do poeta, já que elas servirão de salvaguarda contra a licença, da qual é necessário abster-se no interesse da causa. Para fazer florir e frutificar nossa causa nas famílias, para que tenhais direito de asilo e de cidadania no ambiente doméstico, deveis vos apresentar com toda a aparência de um homem grave e moral. Uma vez estabelecida vossa reputação nos colégios, nos ginásios, nas universidades e nos seminários, uma vez que tiverdes cativado a confiança dos professores e dos jovens, procurai que especialmente aqueles que entram na milícia eclesiástica procurem a vossa conversa. Nutri seus corações com o antigo esplendor da Roma Papal. Há sempre no coração de cada italiano um desejo da forma republicana. Confundi com habilidade estas duas idéias: excitai, acalentai estas naturezas tão inflamáveis com a ideia do orgulho patriótico. Começai por lhes oferecer, mas sempre em segredo, livros inocentes, poesias ardentes de ênfase nacional; pouco a pouco conduzireis os vossos discípulos ao grau desejado de fermentação. Quando em todos os pontos do Estado eclesiástico este trabalho quotidiano houver espalhado nossa ideia como a luz, então podereis reconhecer quanto foi sábio o conselho de que agora tomamos a iniciativa.

Os acontecimentos, segundo cremos, precipitarão, digamos necessariamente, dentro de alguns meses, uma intervenção armada da Áustria. Há insensatos que se divertem em lançar alegremente os outros no meio dos perigos; todavia esses insensatos, em um momento dado, derrubam os próprios sábios. A revolução que se prepara na Itália não produzirá senão desgraças e proscrições. Nada está maduro: nem homens, nem coisas, e nada estará maduro por muito tempo ainda. Mas com estas futuras desgraças e proscrições podereis facilmente fazer vibrar uma nova corda no coração do jovem clero. Esta corda será o ódio ao estrangeiro. Fazei que o alemão se torne ridículo e odioso mesmo antes de sua intervenção prevista. Com a ideia da supremacia papal misturai sempre a lembrança da guerra entre o sacerdócio e o Império. Ressuscitai as paixões mal sopitadas dos guelfos e dos gibelinos. E assim, pouco a pouco, fareis, com pouca despesa, uma reputação de bom católico e de bom patriota.

Esta reputação de bom católico e de bom patriota abrirá às nossas doutrinas o coração do jovem clero e dos próprios conventos. Dentro de alguns anos esse jovem clero terá, pela força das coisas, invadido todos os cargos. Ele governará, administrará, julgará, formará o conselho do Sivrarim e será chamado a eleger o futuro Papa. Este Papa, como a maior parte de seus contemporâneos, será necessariamente mais ou menos embebido, também ele, dos princípios italianos e humanitários que nós começamos agora a pôr em circulação. É um pequeno grão de mostarda que confiamos à terra, mas o sol de justiça o desenvolverá até à mais alta potência; e vereis um dia que rica messe nascerá dessa pequena semente.

No caminho que traçamos aos nossos irmãos há grandes obstáculos a vencer e dificuldades de vária sorte a transpor. Triunfaremos à custa de experiência e de sagacidade. O escopo é tão belo que é necessário abrir todas as velas ao vento para a ele chegar. Desejais revolucionar a Itália? Procurai o Papa do qual fizemos o retrato. Desejais estabelecer o reino dos eleitos sobre o trono da prostituta de Babilônia? Fazei que o clero caminhe sob vossa bandeira, acreditando caminhar sob a bandeira da Santa Sé. Quereis fazer desaparecer o último vestígio dos tiranos e dos opressores? Lançai a vossa rede como Simão Barjona, lançai-a ao fundo das sacristias, dos seminários e aos conventos, como se fosse ao fundo do mar; e se não fordes precipitados, nós vos prometemos uma pesca mais milagrosa que a de São Pedro. O pescador de peixes se tornou pescador de homens - vós pescareis amigos nos próprios pés da cátedra Apostólica. Tereis assim pescado uma revolução de tiara e manto, precedida da cruz e do gonfalão: uma revolução que não terá necessidade que de bem pequena ajuda para lançar em chamas os quatro cantos do mundo.

Cada ato de nossa vida tenda, portanto, para a descoberta dessa pedra filosofal. Os alquimistas da Idade Média perderam tempo e dinheiro na procura desse sonho. O sonho das sociedades secretas se cumprirá por esta simplicíssima razão que ele se fundamenta nas paixões humanas. Não nos desencorajemos, portanto, nem por um desapontamento, nem por um insucesso, nem por uma derrota: preparemos o nosso exército no silêncio das lojas, insuflemos em tudo as paixões, as piores como as mais generosas e tudo leva a crer que este plano vingará um dia, muito além de nossas mais altas esperanças.”


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