Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 11 de junho de 1944, N. 618, pag. 5 |
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Não nos devem causar surpresa as recentes adesões de protestantes, cismáticos e “católicos” livres ao comunismo. Trata-se de uma das etapas finais da desagregação das heresias. Por uma razão semelhante, não nos surpreendeu o artigo publicado recentemente por Goebbels no jornal “Das Reich” e irradiado pela D.N.B., segundo o qual “o século vinte, com o socialismo, há de afirmar-se em definitivo, apesar de quantos obstáculos se interponham no seu caminho”. Contra o erro total, somente pode lutar a Verdade total. Protestantes, cismáticos e “católicos” livres se unem contra a Igreja Católica, uma adversária real do nazi-comunismo. Valha-nos o bom senso católico. No século passado, uma ala do protestantismo europeu, impressionada com os progressos da lepra socialista, tentava unir-se aos católicos para combater o que ela supunha ser um inimigo comum. Os católicos recusaram essa “mão estendida”, por uma razão muito simples: a heresia protestante estava equivocada ao combater o socialismo e o comunismo, pois trazia no bojo de seus erros teológicos o germe dessas duas pragas. Ademais, disse então Louis Veuillot, o Catolicismo era a Autoridade, e protestantismo o livre-exame, de modo que a aliança proposta entre os discípulos da autoridade e os partidários do livre-exame era “falsa em seu princípio e quimérica em seu objeto”. Nessa ocasião o publicista e filósofo católico Auguste Nicolas publicou sobre o assunto uma obra intitulada: “Du Protestantisme et de toutes les Herésies dans leur rapport avec le Socialisme”, do qual extraímos o trecho que a seguir passaremos a transcrever e que é uma antevisão da atitude dos “patriarcas” Sérgios, “arcebispos” de York, de Cantuária et caterva, na pessoa de seus avós, os hereges albigenses. –oOo–
“Bem pouco reflete e bem pouco observa, aquele que não está convencido desta importante verdade, que o estado material das sociedades é ou se torna em breve conforme às doutrinas que se agitam no mundo superior das inteligências; e que das idéias aos fatos, do gabinete do filósofo à rua, não há mais que a distância de alguns degraus rapidamente vencidos pelas paixões, sempre à escuta do que pode autorizar sua licença. O mundo das inteligências nunca passa sem doutrinas; e essas doutrinas nunca deixam de se traduzir em breve em acontecimentos, e de informar a sociedade e a fazer mover ao sabor de suas inspirações. As questões mais especulativas da Teologia e da Filosofia estão sempre cheias de ordem ou desordem, de vida ou de morte. A época de que falamos fez disso, como a nossa, terríveis experiências. Já uma multidão de seitas, conhecidas sob o nome de Cátaros, Patarinos, Patelinos, Triaverdinos, Búlgaros, campeava seu delírio e sua perversidade por toda a Europa. Seu foco primordial se achava principalmente na alta Itália e na França meridional, de onde elas se espalhavam ao longo do Reno pela Suábia e pela Inglaterra. Vieram todos se concentrar nos valdenses e nos albigenses, que puseram em risco, por um instante, a civilização universal, e contra os quais esta foi obrigada a empreender uma cruzada. Ora, quais as doutrinas de que estavam envenenadas essas seitas? Qual a palavra de ordem e o fim de suas empresas? Todos os historiadores são unânimes em nos edificar a este respeito. As doutrinas panteístas, que já vimos no estado de heresia teológica e que a Igreja havia sucessivamente fulminado sob o nome de Ebionismo, de Gnosticismo, de Maniqueísmo, de Montanismo, de Arianismo, de Nestorianismo, de Entiqueismo, como atentatórias ao Dogma da Encarnação, eis as origens reconhecidas dessas seitas. Seu fim era a destruição da religião, da família e da propriedade, o mais pavoroso Comunismo. Vimos como os Ebionistas e os Gnósticos maniqueus professavam abertamente a comunidade de todas as coisas: do solo, dos bens da vida, das mulheres e pretendiam que as leis humanas, invertendo a ordem legítima, produziram o pecado por sua oposição aos instintos mais poderosos depositados por Deus no fundo das almas (Epitáfio da Justiça – Inscrições da Cirenaica) O Catolicismo, ao nascer, teve que empregar os maiores esforços para dominar esses monstros de dissolução e de barbárie. Não foram inteiramente vencidos. Os restos dessas seitas gnósticas, sob o nome de Paulicianos, se refugiaram em algumas aldeias da Armênia. Ligados mais tarde aos Sarracenos e aos Muçulmanos, espalharam a devastação na Ásia Menor; depois, destroçados pelo imperador Basílio, se transferiram das margens do Eufrates à Tracia e à Bulgaria, de onde tomaram o nome de Búlgaros. Infectaram em pouco tempo com suas doutrinas as fronteiras da Bulgária, da Croácia e da Dalmácia, onde residia seu primaz, e de onde, segundo Gibbon, penetraram na Europa por três vias: misturando-se às caravanas dos peregrinos da Hungria que, indo e vindo de Jerusalém, deviam passar por Filipópolis; por meio das relações de comércio e de hospitalidade que Veneza tinha então com toda a costa do mar Adriático; enfim, como voluntários nas tropas do império de Bizâncio, e transportados com elas até as províncias que o imperador possuía na Itália e na Sicília. Em consequência dessas diversas migrações e comunicações, os Maniqueus, os Paulicianos ou Búlgaros semearam os germes de suas doutrinas na alta Itália e na França meridional. Esses germes, cultivados nas sociedades secretas e fomentados pelas novas heresias escolásticas (de Abelardo, Berenguer etc.), lançaram profundas raízes nas margens do Rhone e no território dos Albigenses, cujo nome passou a indicar essa multidão de seitas impuras que tomavam sua origem no antigo Maniqueísmo gnóstico, e que ameaçaram, no século XIII, lançar de novo a Europa na noite de que o Cristianismo a havia tirado. Também encontramos nos Albigenses as mesmas doutrinas antisociais que já assinalamos nos primeiros gnósticos Assim, os Albigenses professavam o Panteísmo dualista ou o Maniqueísmo. Rejeitavam o Dogma da Encarnação em seu ponto de partida, o Dogma das Santíssima Trindade, negando a igualdade das três Pessoas Divinas com os arianos; rejeitavam-no ainda ao negar a humanidade de Jesus Cristo, ou reduzindo-a a um puro fantasma, com os Docetistas e os Eutiqueanos. O grande objeto de seu ódio era a Igreja, sua tradição, os Sacramentos, as orações pelos mortos, a intercessão dos Santos, a Ave Maria, as cerimonias e as imagens, sobretudo o Crucifixo; em uma palavra, tudo o que entretivesse, reproduzisse ou recordasse a fé no grande mistério da Encarnação, supremo objeto do culto católico. Por conseguinte, a destruição radical de tudo o que tivesse forma de culto e de religião era o desígnio e muito frequentemente o resultado de suas empresas; e como, nessa época, a religião era a alma de tudo, a destruição de tudo era a consequência final. Além da religião, atacavam outros fundamentos da sociedade. Assim, proscreviam o casamento: era mesmo isso uma consequência direta de sua doutrina. Por motivo de suas opiniões maniqueias, a matéria e a carne eram obra de um princípio mau, dele estando impregnado, e era um crime contribuir para sua propagação através da procriação conjugal. Proscreviam, pela mesma razão, o uso de carnes na alimentação. Mas, sob esse duplo aspecto, afetavam uma continência e uma temperança que apenas eram aparentes, e que encobriam os mais monstruosos excessos. Como era propriamente a concepção, segundo eles, de que se devia ter horror, pemitiam-se tudo, exceto o que era legitimo e se entregavam aos maiores crimes contra a natureza. A propriedade e a justiça não eram menos atacadas que o casamento e a Religião. Herdeiros dos Ebionitas, pretendiam erigir em lei a pobreza universal, isto é, a comunidade de bens mais absoluta: “Vós, diziam eles aos católicos, unis casa a casa, campo a campo. Os mais perfeitos dentre vós, como os monges e os cônegos regulares se nada possuem em bens próprios, pelo menos os possuem em comum. Nós que somos pobres de Jesus Cristo, sem repouso, sem domicílio certo, erramos de cidade em cidade, como ovelhas no meio dos lobos, e sofremos perseguição como os apóstolos e os mártires” (Epervin). Sob essa falsa doçura e sob esse falso desprendimento, renovavam o erro antisocial dos Maniqueus e dos Pelagianos, que havia sido vitoriosamente combatido por Santo Agostinho; abusavam das máximas do Evangelho ao pretender “que não se devia dividir as terras nem os povos”. O que visa, dizia Bossuet, à obrigação de colocar tudo em comum (Bossuet, Hist. des Variat.) Reprovavam todas as magistraturas, dizendo que todos os príncipes e todos os juízes estão condenados, porque condenam os malfeitores contra esta palavra: “A vingança me pertence, diz o Senhor”; e contra esta outra: “Deixai-os crescer até o tempo da colheita”. “Eis aqui, diz Bossuet, como esses hipócritas abusavam do Santo Evangelho, e, com sua fingida doçura, destruíam todos os fundamentos da Igreja e dos Estados.” –oOo– Assim, justiça, propriedade, família, religião, todos os fundamentos da sociedade eram atacados por esses hereges nos quais tinham vindo se resumir todas as antigas heresias. * * * Um dos caracteres distintivos desses sectários, e que se acha igualmente nos primeiros Maniqueus, nos Rosa-Cruz, nos Maçons, era o mistério de suas sociedades, seus juramentos, seus sinais, sua linguagem convencional, sua fraternidade subterrânea, sua propaganda invisível, e esses tremendos segredos que não era permitido ao pai revelar a seus filhos, aos filhos de revelar ao pai; esses segredos, dos quais a irmã não devia falar ao irmão, nem o irmão à irmã (Philichdorf, cont. Wald., c. 13). Assim organizados em uma conjuração antisocial, punham as suas doutrinas em execução por toda a parte em que podiam, arrasando as igrejas e as casas religiosas, massacrando impiedosamente as viúvas, os velhos e as crianças, não distinguindo nem idade, nem sexo, como inimigos jurados do Cristianismo, destruindo tudo, subvertendo tudo no Estado e na Igreja (Glaber, testemunha ocular das primeiras investidas em Orléans em 1017). Era, em uma palavra, a perversidade humana desencadeada sobre sociedade, pelo fanatismo anticatólico: era o socialismo nascido sob forma de heresia teológica das diversas tentativas feitas contra o Dogma salvador da Encarnação, e chegadas à toda a confusão do bem e do mal, à sua mais completa subversão. O filosofismo tem prodigalizado à Igreja, nestes últimos tempos, a acusação de intolerância, por haver autorizado a sociedade a reprimir esses bárbaros. Hoje, que estamos esclarecidos pela experiência do mesmo perigo, creio nenhum só homem honesto e razoável deixará de subscrever este cânon do Concilio Ecumênico de Latrão, que consagrou a legítima defesa da civilização daquela época: “Quanto aos Brabanções, Aragoneses, Navarros, Bascos, Coutteraux e Triaverdipos, que exercem tão grandes crueldades sobre os cristãos, que não respeitam nem igrejas, nem mosteiros, e não poupam viúvas, nem órfãos, nem velhos, nem crianças, não tendo consideração nem à idade, nem ao sexo, mas subvertendo e devastando tudo como pagãos, ordenamos a todos os fiéis, pela remissão de seus pecados, que se oponham corajosamente a essas selvagerias, defendam os cristãos contra esses infelizes” (Conc. Lateran. 1179, can. 27). * * * Todo golpe desferido contra Jesus Cristo é dirigido contra a própria Verdade e termina direta ou indiretamente, cedo ou tarde, no erro total que é o oposto de Jesus Cristo, isto é, a confusão e reversão do finito e do Infinito de que Ele é a união e a personificação adorável, fazendo a humanidade cair no Panteísmo, no Comunismo, no caos, na morte”. |