Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Protestantes e cismáticos

 

 

 

 

 

 

Legionário, 16 de abril de 1944, N. 610, pag. 5

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A agência telegráfica Reuters transmitiu na semana passada as declarações do “arcebispo” anglicano de York, ao chegar à América do Norte, segundo as quais os anglicanos estariam mais de acordo com os cismáticos russos ao repudiarem o fato de ser o Papa o Vigário de Cristo na terra. Acrescenta o telegrama que a atitude anglicana de solidariedade com os cismáticos é robustecida pela atual situação do Santo Padre.

Eis uma verdade digna do senhor de La Palice. Estamos diante de um truísmo tão completo e tão velho que o ultramontano Joseph de Maistre no início do século passado dava aos cismáticos russos a denominação de protestantes e já dizia ser o ódio a Roma o elo único, mas universal, de todas as igrejas separadas.

Quanto ao argumento farisaico da “atual situação” do Santo Padre, também ele não constitui novidade. Por razões análogas Pilatos e Herodes esqueceram suas divergências na véspera da Paixão de Nosso Senhor. Na crucificação da Santa Igreja, todos os seus adversários estão de acordo. Que o digam os católicos da Polônia e da Lituânia, martirizados ora por nazistas, ora por comunistas.

***

Vejamos como o autor das “Soirées de Saint-Petersbourg” (Joseph de Maistre) demonstra esta verdade no caso particular dos protestantes e dos cismáticos em seu nunca assaz citado livro “Du Pape”:

“É uma verdade fundamental em todas as questões de religião, que toda igreja, que não é católica é protestante. É em vão que se pretende pôr uma distinção entre as igrejas cismáticas e heréticas. Bem compreendo o que se quer dizer; mas no fundo toda a diferença não passa das palavras, e todo cristão que rejeita a comunhão com o Santo Padre é protestante ou o será em breve.

Que é um protestante? É um homem que protesta; ora, que importa que ele proteste contra um ou vários dogmas? Contra este, ou contra aquele? Pode ele ser mais ou menos protestante, mas sempre protesta.

Qual o observador que ainda não notou o extremo favor que o protestantismo goza entre o clero russo, muito embora, se fossem tomados em consideração os dogmas escritos, ele devesse ser odiado tanto nas margens do Neva como do Tibre. É que todas as sociedades separadas se reúnem no ódio à unidade que as esmaga. Cada uma delas escreve sobre suas bandeiras:

TODO INIMIGO DE ROMA É MEU AMIGO

Tendo Pedro I feito imprimir por seus súditos no começo do século dezoito um catecismo que continha todos os dogmas que ele aprovava, essa obra foi traduzida em inglês no ano de 1725, com um prefácio que merece ser citado:

“Este catecismo, diz o tradutor, respira o gênio do grande homem por ordem do qual foi composto. Esse príncipe venceu dois inimigos mais terríveis que os suecos e os tártaros: quero me referir à superstição e à ignorância favorecidas ainda pelo ... mais obstinado e mais insaciável... Eu me ufano com o fato de que esta tradução tornará mais fácil a aproximação dos bispos ingleses e russos; a fim de que por sua união eles se tornem mais capazes de derrubar os desígnios atrozes e sanguinários do clero romano... Os russos e os reformados estão de acordo com vários artigos de fé, ao mesmo tempo que divergem da Igreja romana... (Sobre este ponto o tradutor tem e não tem razão. Não tem razão se nos cingimos às profissões de fé escritas, que são quase as mesmas para as Igrejas latina e russa, e divergem igualmente das confissões protestantes; mas se entramos no campo prático e à crença interior, o tradutor tem razão. Cada dia a chamada fé grega se afasta de Roma e se aproxima de Wittemberg).

... Os primeiros negam o purgatório ... e nosso compatriota Covel, doutor em Cambridge, provou doutamente em suas Memórias sobre a Igreja grega, como a transubstanciação dos latinos difere da ceia grega.”

Que carinho e que confiança! A fraternidade é evidente. É aqui que o poder do ódio se faz sentir de um modo verdadeiramente terrível. A igreja russa professa como a nossa a presença real. A necessidade de confissão e da absolvição sacramental, o mesmo número de sacramentos, a realidade do sacrifício eucarístico, a invocação dos santos, o culto das imagens etc. O protestantismo, pelo contrário, faz profissão de rejeitar e mesmo de abominar esses dogmas e essas práticas. Entretanto, se ele os encontra em uma igreja separada de Roma, não se escandaliza. Esse culto das imagens, sobretudo, tão solenemente declarado idolátrico, perde todo seu veneno, mesmo quando for exagerado ao ponto de se tornar quase toda a religião. O russo se acha separado da Santa Sé – é o que basta para o protestante; este não vê nele senão um irmão, um outro protestante; todos os dogmas são nulos, exceto o ódio a Roma. Este ódio é o elo único, mas universal, de todas as igrejas separadas.

Um arcebispo de Iwer, morto há apenas, dois ou três anos, publicou em 1805 um trabalho histórico em latim, sobre os quatro primeiros séculos do cristianismo. E nesse livro, que já citei a propósito do celibato, afirma sem tergiversar que uma grande parte do clero russo é calvinista (ou, se se quiser exprimir palavra por palavra: “que uma grande parte do clero russo aprecia e celebra em excesso o sistema calvinista”). Este texto não é equívoco.

O clero (russo) estuda, em todo o curso de sua educação eclesiástica, em livros protestantes; um hábito rancoroso afasta os livros católicos apesar da extrema afinidade dos dogmas. Bingham sobretudo é seu oráculo, e a coisa é levada ao ponto de o prelado que acabo de citar se valer de Bingham para provar que a Igreja russa ensina nada mais nada menos que a pura fé dos Apóstolos.

É um espetáculo bem extraordinário e bem pouco conhecido no resto da Europa esse de um bispo russo que, para estabelecer a perfeita ortodoxia de sua igreja, apela para o testemunho de um doutor protestante.

E ele mesmo, depois de haver censurado do modo que acabamos de ver esse pendor para o calvinismo do clero russo, não se vexa de chamar Calvino de um grande homem, expressão estranha na boca de um bispo ao se referir a um heresiarca, e que não saiu uma única vez em seu livro a respeito de um doutor católico.

Em outro trecho ele nos diz que, durante quinze séculos, a doutrina de Calvino foi quase desconhecida na Igreja. Esta modificação parecerá curiosa, mas no resto do livro, ele se preocupa menos ainda: ataca abertamente a doutrina dos sacramentos e se mostra perfeitamente calvinista. O arcebispo de Iwer publicou esse trabalho em latim, certo de não ser criticado por seus confrades, que não revelariam um segredo de família, nem pelo comum do povo que não o entenderia, e que ademais não cuidam das opiniões do prelado, bem como de sua pessoa. Não se pode formar uma ideia da indiferença russa por essas espécies de homens e de coisas, a não ser que se testemunhe o fato.

Tendo a obra saído dos próprios prelos do sínodo com sua aprovação expressa, nenhuma dúvida quanto ao fato de representar a doutrina geral do clero, salvo exceções que acato.

Poderia citar outros testemunhos não menos decisivos, mas é necessário parar aqui. Não afirmo apenas que a Igreja citada é protestante; afirmo ademais que ela o é necessariamente, e que Deus não seria Deus se ela não o fosse. Uma vez rompido o elo da unidade, não mais existe tribunal comum, nem, por consequência, regra de fé invariável. Tudo se reduz ao juízo particular e à supremacia civil que constituem a essência do protestantismo.

Não inspirando esse ensino nenhum alarme na Rússia, e encerrando o mesmo império cerca de três milhões de súditos protestantes, os inovadores de todos os gêneros souberam se aproveitar dessa vantagem para insinuar livremente suas opiniões em todos os setores do estado, e todos se acham de acordo, mesmo sem o saber; porque todos protestam contra a Santa Sé, o que basta para a fraternidade comum.

* * *

Sendo, portanto, toda igreja separada protestante, é justo dar a todas elas a mesma denominação. Ademais, como as igrejas protestantes se distinguem entre elas pelo nome de seus fundadores, pelo das nações que receberam a pretensa reforma, ou por qualquer sintoma particular da moléstia geral, de maneira que nós dizemos: ele é calvinista, é luterano, é anglicano, é metodista, é batista etc., torna-se também necessária que uma denominação particular distinga as igrejas que protestaram no século XI, e certamente não se achará nome mais justo que o que se tira do próprio autor do cisma, posto que seja anterior ao ato final de ruptura. É de toda justiça que esse funesto personagem dê seu nome às igrejas que fez desgarrar. Elas são, portanto, focianas como a de Genebra é calvinista, como a de Wittemberg é luterana. Sei que essas denominações particulares lhes desagradam, porque a consciência lhes diz que toda religião que leva nome de um homem ou de um povo é necessariamente falsa. Ora, que cada igreja separada se dê o mais belo nome possível, é privilégio do orgulho nacional ou particular: quem poderá disputá-lo?

Mas todas essas susceptibilidades de orgulho nos são estranhas e não devem ser respeitadas por nós; é um dever, pelo contrário, de todos escritores católicos de jamais dar em seus escritos, às igrejas separadas por Focio outro nome que o de focianas, não por espírito de ódio e de ressentimento (Deus nos livre de semelhante baixeza!) mas, pelo contrário, por espírito de justiça, de amor, de benevolência universal, a fim de que essas igrejas continuamente lembradas de sua origem, nela vejam constantemente sua nulidade”.


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