Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
“Perniciosa consequência”

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de abril de 1944, N. 609, pag. 5

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Na Encíclica “Urbi Arcano Dei” em que o Santo Padre Pio XI expõe o fim da Ação Católica – a paz de Cristo no Reino de Cristo –, verbera o imortal Pontífice a atitude daqueles que, embora professem seguir a doutrina católica no que se refere à autoridade na sociedade civil e a outras questões importantes, tais como por exemplo as relações entre a Igreja e o Estado ou os direitos da Santa Sé e do Romano Pontífice, “em suas conversas, escritos e em toda sua maneira de proceder se portam como se os ensinamentos e preceitos promulgados tantas vezes pelos Sumos Pontífices, especialmente por Leão XIII, Pio X e Benedito XV tivessem perdido sua força primitiva ou houvessem caído em desuso”.

“No que é preciso reconhecer, acrescenta Pio XI, uma espécie de modernismo moral, jurídico e social, que reprovamos com toda energia juntamente com o modernismo dogmático.”

* * *

Ora, falar em “solução pluralista” e em “princípio de igualdade de direitos” a ser aplicado às “diferentes famílias religiosas” como uma das pedras angulares em que deve ser assentada “uma sã sociedade política”, é ir contra a declaração expressa de Leão  XIII, quando diz que “o Estado não pode ser ateu, ou, o que viria, a dar no ateísmo, estar animado a respeito de todas as religiões das mesmas disposições e conceder-lhes indistintamente os mesmos direitos”.

Papa Leão XIII

Vejamos como é feita a refutação desse erro liberal no trecho da sua Encíclica “Libertas” (20 de junho de 1888) referente à liberdade de cultos:

“Outros vão um pouco mais longe, mas sem serem mais consequentes consigo mesmos. Segundo estes querem, as leis divinas devem regular a vida e o modo de proceder dos particulares, mas não o dos Estados: é permitido, nas coisas públicas, desviar das ordens de Deus e legislar sem as ter em conta alguma; donde nasce esta perniciosa consequência da separação da Igreja e do Estado.

Mas o absurdo destas opiniões facilmente se compreende. É necessário, a própria natureza o proclama, é necessário que a sociedade dê aos cidadãos os meios e facilidades de passarem a sua vida segundo a honestidade. Isto é, segundo as leis de Deus pois que Deus é o princípio de toda a honestidade e de toda a justiça. Repugnaria, pois, absolutamente que o Estado pudesse desinteressar-se destas mesmas leis, ou mesmo, ir contra elas, fosse no que fosse.

Ademais, aqueles que governam os povos devem certamente procurar à causa pública pela sabedoria das suas leis, não somente as vantagens e os bens exteriores, mas também e principalmente os bens da alma. Ora, para acrescentar estes bens, nada mais eficaz pode imaginar-se do que essas leis de que Deus é o autor; e por isso aqueles que não querem no governo dos Estados ter em conta alguma as leis divinas, desviam realmente o poder político da sua instituição e da ordem prescrita pela natureza.

Mas há uma observação ainda mais importante e que Nós mesmos temos recordado mais duma vez em outro lugar, e é que o poder civil e o poder sagrado, com quanto não tenham o mesmo fim e não marchem pelos mesmos caminhos, devem contudo encontrar-se um com o outro algumas vezes, no desempenho das suas funções. Ambos, com efeito, exercem a sua autoridade sobre os mesmos súbditos e, mais duma vez, sobre as mesmas matérias embora de pontos de vista diferentes. O conflito, nesta ocorrência, seria absurdo e repugnaria inteiramente à infinita sabedoria dos conselhos divinos; deve, portanto, necessariamente haver um meio um processo para fazer desaparecer as causas de contestações e de lutas, estabelecer o acordo na prática.

E este acordo não é sem razão que foi comparado à união que existe entre a alma e o corpo, e isto para maior vantagem de ambos, pois a separação é particularmente funesta ao corpo, porque o priva da vida.

* * *

Mas, para evidenciar melhor estas verdades, é bom que consideremos separadamente as diversas espécies de liberdades que se dão como conquistas da nossa época. E primeiramente a propósito dos indivíduos, examinemos esta liberdade tão contrária à virtude da religião, a liberdade dos cultos, como lhe chamam, liberdade que se baseia no princípio de que é lícito a cada qual professar a religião que mais lhe agrade, ou mesmo não professar nenhuma.

Mas inteiramente pelo contrário, sem dúvida alguma, entre todos os deveres do homem, o maior e o mais santo é aquele que ordena ao homem que renda a Deus um culto de piedade e de religião. E este dever não é senão uma consequência do fato de nós estarmos perpetuamente sob a dependência de Deus, governados pela vontade e pela providência de Deus e de que saímos d'Ele, devemos voltar a Ele. Deve-se acrescentar que nenhuma virtude digna deste nome pode existir sem a religião, pois a virtude moral é aquela cujos atos têm por objeto tudo o que nos conduz a Deus, considerado como nosso supremo e soberano bem; e por isso é que a religião que “pratica os atos tendo por fim direto e imediato a honra divina” (S. Th. II-II qu. LXXXI, a. 6.) é a rainha e ao mesmo tempo é regra de todas as virtudes.

E se se pergunta qual, entre todas essas religiões opostas que têm curso, se deve seguir com exclusão das outras, a razão e a natureza se unem para nos responder: a que Deus prescreveu e que é fácil de distinguir, graças a certos sinais exteriores pelos quais a Divina Providência a quis tornar reconhecível, pois que em coisa de tanta importância o erro acarretaria consequências muito desastrosas.

É por isto que oferecer ao homem a liberdade de que falamos, é dar-lhe poder de desvirtuar impunemente o mais santo dos deveres, de o desertar, abandonando o bem imutável, para se voltar para o mal; isto, já o dissemos, não é liberdade, mas uma depravação da liberdade, e uma escravidão da alma na abjeção do pecado.

Encarada do ponto de vista social, esta mesma liberdade quer que o Estado não renda culto algum a Deus, ou que não autorize nenhum culto público; que nenhuma religião seja preferida a outra, que todas sejam consideradas como tendo os mesmos direitos, sem mesmo ter atenção para com o povo, até quando esse povo faz profissão de catolicismo. Mas, para que assim fosse, seria necessário que realmente a comunidade civil não tivesse nenhum dever para com Deus, ou que tendo-o, pudesse impunemente afastar-se dele; o que é igualmente e manifestamente falso. Com efeito, não se pode pôr em dúvida que a reunião dos homens em sociedade seja obra da vontade de Deus; e isto, quer se considere em seus membros na sua forma, que é a autoridade, na sua causa, ou no número e importância das vantagens que ela procura ao homem.

Foi Deus quem fez o homem para a sociedade e que o uniu aos seus semelhantes a fim de que as necessidades da sua natureza, às quais os seus esforços isolados não poderiam dar satisfação, a possam encontrar na associação. Eis porque a sociedade civil, como sociedade, deve necessariamente reconhecer Deus como seu princípio e seu autor e, por conseguinte, render ao seu poder e à sua autoridade a homenagem do seu culto.

Não, nem segundo a justiça nem segundo a razão, o Estado não pode ser ateu, ou, o que viria a dar no ateísmo, estar animado a respeito de todas as religiões, como se diz das mesmas disposições e conceder-lhes indistintamente os mesmos direitos.

Visto, pois, que é necessário professar uma religião na sociedade, deve-se professar a única que é verdadeira e que se reconhece sem dificuldade, pelo menos nos países católicos, pelos sinais de verdade, que com tão vivo fulgor ostenta em si mesma.

Esta religião, os chefes de Estado a devem, pois, conservar e proteger, se querem, como é obrigação sua, prover prudente e ultimamente aos interesses da comunidade. Pois o poder público foi estabelecido para utilidade daqueles que são governados, e conquanto ele não tenha por fim próximo senão conduzir os cidadãos à prosperidade nesta vida terrestre, é contudo para ele um dever não diminuir, mas pelo contrário aumentar para o homem a faculdade de atingir a esse bem supremo e soberano no qual consiste a eterna felicidade dos homens; o que se torna impossível sem a religião.

Mas tudo isto já Nós o dissemos detalhadamente em outra parte: a única observação que agora queremos fazer, é que uma liberdade deste gênero é que mais prejudica a liberdade verdadeira, quer dos governantes quer dos governados. A religião, pelo contrário, é-lhe maravilhosamente útil, porque faz remontar ao próprio Deus, a origem primária do poder; porque impõe com gravíssima autoridade aos príncipes a obrigação de não esquecerem os seus deveres, de não governarem com injustiça ou dureza e de conduzirem os povos com bondade, e quase com um amor paternal.

Por outro lado, ela recomenda aos cidadãos a submissão ao poder legítimo como aos representantes de Deus; une-os ao chefe do Estado pelos laços não somente da obediência mas do respeito e do amor proibindo-lhes a revolta e todas as empresas que possam perturbar a ordem e a tranquilidade do Estado e que, em resumo, dão ocasião a reprimir com restrições mais fortes a liberdade dos cidadãos.”


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