Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

“Política de clericalismo”

 

 

 

 

 

Legionário, 2 de abril de 1944, N. 608, pag. 5

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“Toda a nação subtraída à influência da Santa Sé será conduzida invencivelmente à escravidão ou à rebelião”. Eis como Joseph de Maistre previa o advento da ditadura totalitária como fruto amargo da apostasia dos Estados modernos. Longe de ver na soberania universal dos Sumo Pontífices uma “política de clericalismo” imprópria para reerguer os Estados da miséria moral e da confusão em que se acham, o primoroso e profundo autor das “Considerações sobre a França” afirma que a união do império e do Sacerdócio foi sempre demasiadamente geral para que não a tenhamos por divina.

As linhas seguintes, que confirmam esta verdade, são da obra “Du Pape” já citada em nosso número anterior.

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O homem não sabe admirar o que está vendo todos os dias: em vez de celebrar a nossa monarquia que é um milagre, damos-lhe o nome de despotismo, e falamos dela como de uma coisa ordinária que existiu sempre, e que não merece nenhuma atenção particular.

Os antigos opunham o reinado das leis ao dos reis, como teriam oposto a república ao despotismo. “Algumas nações, diz Tácito, cansadas de seus reis, preferiram as leis”: porém, nós temos a felicidade de não compreender esta oposição que sem embargo é multo real, e o será fora do cristianismo.

Jamais duvidaram as nações antigas, bem como também não duvidam hoje os infiéis, que o direito de vida e morte pertencia diretamente aos soberanos; e é inútil demorar em provar esta verdade, que está escrita com letras de sangue em todas as páginas da história. As primeiras luzes do Cristianismo não desenganaram ainda os homens sobre este ponto, porque segundo a doutrina do mesmo Santo Agostinho, o soldado que não mata quando o príncipe legitimo lho ordena, é tão culpado como aquele que mata sem sua ordem (Cidade de Deus, 1, 29); pelo que se vê que este gênio sublime não formava ainda ideia de um novo direito público, que havia de tirar aos reis o poder de julgar.

Disseminado, porém, o Cristianismo por assim dizer sobre a terra, não podia fazer mais do que preparar os corações, e seus grandes efeitos políticos não podiam ter lugar senão quando a autoridade pontifícia houvesse adquirido suas justas dimensões e o poder desta religião se achasse concentrado na mão de um só homem; condição indispensável para o exercício deste poder. Além disso era necessário que o império romano desaparecesse; porque tendo a putrefação ganho suas últimas fibras, já não era digno de receber o enxerto divino. Porém a robusta fera do Norte ia se aproximando, e enquanto folgasse de calcar aos pés a antiga dominação, os Papas deviam apoderar-se dela, e sem cessar nunca de acariciá-la ou combatê-la, fazer dela finalmente o que nunca se tinha visto no universo.

Desde o momento em que as novas soberanias começaram a estabelecer-se, não cessou a Igreja de dizer aos povos, pela boca dos Papas, estas palavras de Deus na Escritura Sagrada: Por mim reinam os reis; e aos reis: Não julgueis para não serdes julgados; a fim de estabelecer ao mesmo tempo a origem divina da soberania, e o direito divino dos povos.

“A Igreja, diz muito bem Pascal, proíbe a seus filhos ainda mais fortemente do que as leis civis, o fazer-se justiça a si mesmos; e seguindo o seu  espírito também os reis não fazem justiça a si mesmos, ainda nos crimes de lesa majestade, senão que enviam os criminosos aos juízes para que os castiguem segundo as leis e com todas as formalidades da justiça” (Lettres provinciales).

E isto não é porque a Igreja tenha mandado coisa alguma sobre este ponto, e nem ainda sabemos, se houvesse podido mandar; porque há coisas que é necessário deixar em certa obscuridade respeitável sem pretender aclará-las demasiado por meio de leis expressas. Os reis sem dúvida têm muitas e frequentes vezes ordenado diretamente alguns castigos; porém o espírito da Igreja sempre se adiantava secretamente, atraindo a si as opiniões, e desconceituando estes fatos da soberania como assassinatos solenes, mais vis ainda e não menos criminosos do que os que se executavam nas estradas.

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Mas como teria podido a Igreja fazer dobrar a monarquia, se esta não houvesse sido preparada, abrandada, e, digamo-lo assim, dulcificada pelos Papas? Que podia fazer um Prelado, ou mesmo uma Igreja particular contra seu monarca? Nada! Para operar este prodígio era mister um poder mais que humano, não físico, nem material (porque neste caso ter-se-ia podido abusar dele temporalmente), porém um poder espiritual e moral que reinasse só sobre a opinião; e este foi o poder dos Papas. Nenhum homem sensato e reto poderá deixar de reconhecer a ação da Providência nesta opinião universal que dominou a Europa, e mostrou a todos seus habitantes o Sumo Pontífice como a fonte da soberania europeia; porque esta mesma autoridade se exercendo ao mesmo tempo em todas as partes, desvanecia as diferenças nacionais quanto possível; e nada identifica tanto os homens como a unidade religiosa.

A Providência havia confiado aos Papas a educação da soberania europeia. Porém, como educar sem castigar? Daí vêm tantos choques e contradições, tantos ataques algumas vezes demasiadamente humanos, e tantas resistências ferozes; porém o princípio divino estava sempre presente, sempre agindo, e sempre fácil de reconhecer; sobretudo por aquele maravilhoso caráter que já havemos indicado, e que nunca poderá ser demasiado notar, a saber: que toda a ação dos Papas contra os soberanos resultava em proveito da mesma soberania. Agindo sempre como delegados divinos, ainda quando lutavam com os monarcas, não cessavam de advertir os súditos que nada podiam fazer contra seus senhores. Benfeitores imortais do gênero humano, eles combatiam ao mesmo tempo em favor do caráter divino da soberania, e em favor da liberdade legítima dos homens.

O povo, perfeitamente estranho, não podia vangloriar-se, nem emancipar-se; e os soberanos não cedendo senão a um poder divino, conservavam toda sua dignidade. Frederico, aos pés do Pontífice, podia ser um objeto de terror, e talvez de compaixão, porém não de desprezo; assim como não o foi David prostrado diante do anjo que lhe trazia as pragas do Senhor.

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Os Papas educaram a juventude da monarquia europeia e a formaram ao pé da letra, como Fénélon formou o duque de Borgonha. Tratava-se, por uma e outra parte, de extirpar de um grande caráter um elemento feroz, que tudo teria deitado a perder. Tudo aquilo que incomoda o homem fortifica-o. Não pode obedecer sem se aperfeiçoar; e somente pelo fato de se vencer a si mesmo, torna-se melhor. Um homem poderá triunfar da mais violenta paixão aos trinta anos, se aos cinco ou seis o ensinaram a privar-se voluntariamente de um doce ou de um brinquedo.

Do mesmo modo sucedeu à monarquia o que sucede a um indivíduo bem educado. O esforço contínuo da Igreja, dirigido pelo Sumo Pontífice, fez com a monarquia o que nunca se tinha visto, e o que não se verá jamais onde quer que esta autoridade seja desconhecida. Insensivelmente, sem ameaças, sem leis, sem combates, sem violência e sem resistência, a magna-carta europeia foi proclamada, não em mesquinho papel, não pela voz dos pregoeiros públicos, mas em todos os corações europeus, então todos católicos.

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Os reis abdicam ao poder de julgar por si mesmos, e os povos, em compensação, declaram os reis invioláveis.

Tal é a lei fundamental da monarquia europeia, e é obra dos Papas; maravilha inaudita, contrária à natureza do homem natural, e contrária a todos os fatos históricos, cuja possibilidade nem ainda se havia sonhado nos tempos antigos, e cujo caráter divino mais notável é o de ter chegado a ser vulgar.

Os povos cristãos que não tenham sentido, ou tenham sentido muito pouco a mão do Sumo Pontífice, não terão jamais esta monarquia. Em vão se agitarão debaixo de um governo arbitrário; em vão trilharão os rastros das nações enobrecidas, ignorando que antes de fazer leis para um povo, é mister fazer um povo para as leis. Todos os seus esforços serão não somente vãos, senão ainda funestos; e como novos Ixions, irritarão a Deus, e não alcançarão mais, do que uma sombra. Para ser admitido ao banquete europeu, e fazer-se digno deste cetro admirável, que nunca satisfez senão as nações que estavam preparadas, para chegar, finalmente a este objeto que a impotente filosofia indicou tão risivelmente, todos os caminhos são errados, exceto aquele que nos conduziu a nós.

Quanto às nações que permaneceram bastante tempo sob a mão do Sumo Pontífice para poderem receber a impressão santa, mas que depois a abandonaram infelizmente, também servirão de prova à grande verdade que havemos exposto; porém esta prova será de um gênero contrário, porque nas primeiras o povo nunca obterá os seus direitos; e nas segundas o soberano perderá os seus, e daí nascerá a sua decadência.

Os reis favoreceram, há três séculos, a rebelião para roubar a Igreja (De Maistre refere-se à pseudo-reforma protestante). Havemos de vê-los conduzir os povos à unidade para firmarem seus tronos solapados pelas novas doutrinas.

A união do império e do sacerdócio em diferentes graus, e com diferentes formas, foi sempre demasiado geral no mundo para que não a tivéssemos por divina, Entre estas duas coisas há uma afinidade natural: é preciso que se unam ou sustentem. Se uma delas se retirar, a outra sente sua falta.

« Alterius sic altera poscit opem res et conjurat amice » - assim, uma coisa exige a ajuda da outra e ambas se unem na assistência amistosa (Horácio).

Toda a nação europeia subtraída à influência da Santa Sé será conduzida invencivelmente à escravidão, ou à rebelião. O justo equilíbrio que distingue a monarquia europeia não pode ser senão o efeito da causa superior que indicamos.”


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