Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Cândido Mendes

 

 

 

 

 

Legionário, 2 de abril de 1944, Legionário, N. 608, pag. 2

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Felizmente o estudo da História do Brasil vai se tornando cada vez mais interessante. Já estamos longe do tempo em que o maior requinte de sabedoria nesta matéria consistia em dizer com toda a precisão o número de caravelas, chatas ou navios redondos com que aportavam ao Brasil as esquadras lusas; a data exatíssima em que D. João VI comeu aqui as primeiras sardinhas, ou Tiradentes aprendeu tabuada. Essas ninharias passaram ao segundo plano, enquanto o estudo dos aspectos ideológicos e sociais de nossa História se vai tornando sempre mais completo. Com isto, felizmente, as figuras proeminentes de nosso passado vão saindo da penumbra em que jaziam, se destacam do fundo insípido e comum das meras crônicas em que figuravam, tomam relevo, corpo, personalidade, animam-se, causam interesse, e até admiração.

Para isto, é preciso que não nos limitemos à mera repetição, compilada com originalidade maior ou menor, do que disseram os outros, mas que nos animemos a ir resolutamente aos arquivos, que tenhamos a coragem de perder longas horas de pesquisa honesta entre documentos poeirentos, analisados depois com seriedade, método, inteligência, para a composição de obras verdadeiramente substanciosas.

 

 

Tenho em mãos um trabalho que nos dá a esperança de que as futuras gerações de brasileiros saberão manter e desenvolver dentro dessa linha o trabalho de elaboração de nossa história. É uma monografia rica em documentação, em originalidade, em verdadeiro valor, elaborada entretanto, por um jovem de 16 anos, simples aluno de segundo ciclo do Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro. O trabalho versa sobre "O Senador do Império, Cândido Mendes de Almeida", e vem prefaciado pelo Revmo. Sr. Pe. Arlindo J. Barretos, S.J. Seu autor é o jovem Cândido Antônio Mendes de Almeida, que já nesta obra de estreante se revela capaz de usar com dignidade o nome de seu ilustre ancestral.

Vale a pena ler este trabalho, para se conhecer melhor a figura do grande Cândido Mendes, genuíno tipo de Veuillot brasileiro. Nós, católicos, temos a obrigação absoluta de reagir contra o preconceito corrente de que o brasileiro é irremediavelmente céptico, displicente, mole, incapaz de obedecer com inflexível exatidão aos austeros preceitos do Evangelho, incapaz de produzir homens de fibra combativa, ânimo sobranceiro, coerência ideológica e têmpera de aço, como os que existem em outros povos. O melhor que se poderia tirar do brasileiro seria, ao menos segundo certa corrente, o maxixeiro carnavalesco dos sambas e das modinhas. A favela seria o âmago da brasilidade.

Pessoalmente, não posso pensar assim: conheci de perto Dom Duarte Leopoldo e Silva, a síntese mais nobre e venerável de todas as virtudes verdadeiramente brasileiras e verdadeiramente cristãs. De uma coerência doutrinária inflexível, de uma austeridade de vida modelar, de uma firmeza de caráter adamantina. Dom Duarte foi um grande homem no sentido mais genuíno, isto é, portanto no sentido mais católico do termo.

Mas é preciso que os estudos históricos vão exumando as outras grandes figuras do movimento católico no Brasil, e que mostrem que D. Vital não foi uma "avis rara" ou antes uma "aves única" nos horizontes históricos do país. É o que o jovem colegial do Santo Inácio vem fazer, revelando-nos a figura austera, máscula, nobre, intrépida e cristã de outra grande figura intimamente ligada a Dom Vital, que foi o senador do Império Cândido Mendes de Almeida.

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Sobravam em Cândido Mendes todas as qualidade que dele fariam um grande homem. Inteligente, ativo, metódico, de caráter elevadíssimo, por um labor que ocupou toda a sua vida, Cândido Mendes conseguiu tornar-se eminente a um tempo em vários campos muito árduos da produção intelectual. Geógrafo distintíssimo e fecundo, a quem se deve o famoso "Atlas do Brasil", jurisconsulto de nomeada nacional, historiador sólido e meticuloso, orador distinto, homem público ativo e abnegado, Cândido Mendes no Parlamento, no foro, na política, na imprensa se revelou uma das mais altas e fortes celebrações do Brasil oitocentista, alcançando lugar de relevo entre os grandes homens que constituíam em torno de D. Pedro II a grande constelação de estadistas que tivemos no II Império. Em todas estas atividades entretanto, Cândido Mendes soube ser acima de tudo um católico militante, ortodoxo, intrépido, apostólico. Dir-se-ia muito pouco dele sustentando que entre muitas coisas excelentes, fez, nas horas vagas, um pouco de trabalho em prol da Igreja. O Catolicismo foi sua preocupação central, cada vez mais ardente e empolgante à medida que ele crescia em maturidade, em anos e em experiência, para se tornar, na última e culminante fase de sua existência, o ideal avassalador e exclusivo que dava a seus dias e à sua vida o seu mais alto sentido.

Nesta atividade polimorfa, Cândido Mendes soube mostrar-se sempre um brasileiro no genuíno sentido da palavra, isto é, não um acomodatício, nem um displicente, nem um céptico, nem um católico "muito sincero" mas dos que acham que em matéria de Religião "il y a des arrengements avec le ciel", mas um varão digno de trazer com altivez na fronte o sinal do Batismo, por ser um valoroso e íntegro "miles Christi", um membro da Igreja militante, e não daquilo que, com muito espírito, alguém chamou uma vez a "Igreja dormiente".

A este respeito, vale a pena ler por exemplo, o capítulo "O Católico" da monografia de Cândido Antônio Mendes de Almeida, para se perceber desde logo o interesse deste estudo para a Ação Católica Brasileira. Cândido Mendes foi um verdadeiro precursor da Ação Católica no Brasil.

Neste feitio especial de Cândido Mendes, agrada muito uma faceta: a argúcia. Como católico, Cândido Mendes não foi um proclamador de lugares comuns, um defensor de verdades incontroversas, um desses vulgares heróis de opereta que as vezes aparecem nas fileiras de todas as ideologias, sublimes em defender o que ninguém ataca, ou em atacar o que ninguém defende. Cândido Mendes não foi um destes católicos que lutam pela Igreja de Cristo, atacando conceitos e teorias do mundo da lua. Ele desceu aos fatos, lutou com homens e não apenas com princípios, e soube pugnar com argúcia, desferindo seus mais terríveis golpes contra um inimigo [...] tremendo do Catolicismo. [...] Cândido Mendes merece ser considerado um precursor da Ação Católica precisamente porque um herói na luta contra essa hidra [...].

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E para a Ação Católica este livro tem um sentido especial, a todas as organizações de Ação Católica. Para fornecer exemplos concretos para círculos de estudos, para conferências, para artigos, é magnífico, porque a vida de Cândido Mendes está cheia de fatos interessantes dessa natureza.

E para a Ação Católica este livro tem um sentido especial. Escrito por um descendente do grande brasileiro, que certamente é um católico militante do qual muito pode esperar a Igreja no Brasil, ele constitui um elo entre o presente e o passado, uma afirmação de perenidade de nossos ideais, na alma das gerações novas, a esperança de que o passado pode conservar-se e reviver no que ele tem de perene e definitivo pela obra dos moços animados de verdadeiro espírito católico.

Essa monografia é pois uma utilíssima contribuição que o jovem autor, pelo ministério dos beneméritos PP. Jesuítas, seus formadores, presta à causa católica entre nós.

 


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