Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Marcha a ré

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de março de 1944, N. 607, pag. 2

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Não há muito tempo, a imprensa deu notícia do projeto de criação de um uniforme único para todos os estudantes secundários do Brasil. A coisa aparecia com todos os característicos de genialidade, e o uniforme projetado satisfaria a todos os requisitos técnicos, biológicos, antropológicos e econômicos. Uma comissão de especialistas havia vasculhado a matéria cinzenta das respectivas massas encefálicas e daí saíra algo de superfino e definitivo.

Entretanto, a opinião deixou de receber obra tão excelente com o devido acolhimento. Várias personalidades representativas dos meios educacionais formularam suas restrições. Uns achavam que, num país tão extenso como o Brasil, onde se apresenta uma tão grande variedade de fatores mesológicos, sociológicos e econômicos, a imposição de um uniforme único seria uma espécie de leito de Procusto [Procusto é um bandido que assalta viajantes e os obriga a se deitar em seu leito de ferro. Caso a vítima seja maior que o leito, Procusto amputa o excesso de comprimento: se é menor, estica, n.d.c.]: no mínimo, ou os estudantes das regiões quentes teriam de escaldar-se para que os das regiões frias se sentissem confortáveis; ou estes seriam obrigados a tiritar, para que os outros estivessem à vontade.

Outra espécie de objeções versava sobre o material escolhido para o uniforme: o brim caqui. É evidente que a cor desta fazenda não combina absolutamente com a tonalidade morena da epiderme nacional e, além de tudo, todo o mundo sabe qual o aspecto pavoroso que assume o brim caqui depois de usado uns poucos meses, e lavado alguns pares de vezes. Como não seria possível substituir frequentemente os uniformes, mesmo porque a economia é a sua razão de ser, dentro de muito pouco tempo os nossos estudantes apresentariam o aspecto lamentável de uma coorte infindável de órfãos infelizes; o que certamente iria ferir os nossos brios de povo civilizado.

Porém, mais do que todas as objeções, houve a atmosfera glacial da repulsa coletiva: houve um certo mal-estar implícito e geral, o projeto caiu no vácuo.

Agora, vem-nos a notícia de que a comissão nomeada pelo Ministério da Educação para dar parecer sobre o projeto opinou desfavoravelmente. O sr. Alfredo Galvão, membro da comissão, manifestou-se mesmo contra os uniformes colegiais, afirmando que, no máximo, deve ser aconselhado o uso de um blusão folgado e higiênico. Afirmou ainda que alguns professores acham que o uso de uniformes contribui para a disciplina, mas que ele discorda deste modo de pensar, pois a disciplina é, antes de mais nada, fruto da formação espiritual dos alunos.

Estamos de acordo com esta opinião. A disciplina nazista, totalitária, irresponsável, não pode dispensar uniformes. Não assim a disciplina baseada na responsabilidade, nos valores da consciência humana. Estará malogrado o sistema educacional que não conseguir desenvolver estes valores, em que deve apoiar-se.

Outro membro da comissão declarou ainda que está reinando grande confusão neste assunto de uniforme padronizado, pois a única coisa que se pode pretender é dar indicações práticas tendentes a melhorar a indumentária dos estudantes, tornando-a ao mesmo tempo mais barata. Não se pode negar que este objetivo se reveste de indiscutível utilidade.

O que seria simplesmente uma loucura é a imposição de um uniforme único a todos os estudantes secundários do Brasil. Loucura e totalitarismo. Felizmente, porém, o bom senso já encontrou caminho.


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