Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 27 de fevereiro de 1944, N. 603, pag. 5 |
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Por mais de uma vez já demonstramos como, na pena de escritores e pensadores genuinamente católicos, o totalitarismo, muito antes do aparecimento de Hitler e de Stalin, já era previsto como uma consequência dos princípios liberais e revolucionários que o poder oculto, através de “sugestões” e de golpes de força, vem fazendo a humanidade aceitar da Renascença aos nossos dias. Publicamos hoje alguns conceitos bem expressivos de Louis Veuillot nesse sentido, que se acham esparsos em seu livro “Le Parfum de Rome”. São páginas ardentes, escritas no mais aceso da luta que teve por nome a “questão romana” e quando as tropas garibaldinas ainda não haviam consumado o supremo atentado contra os Estados Pontifícios. –oOo– “A polêmica contra o governo pontifício é baixa, vergonhosa para o espírito público; esforcemo-nos por a não deixar descer a esse nível miserável. Encaremos a questão em sua luz verdadeira. Certos insensatos desejam destruir uma obra de Deus, a mais necessária do mundo. Roma é o reino próprio de Jesus Cristo, a parte que Ele se reservou sobre a terra no misericordioso desígnio de ali estabelecer a fonte da Vida sobrenatural. Sempre houve no mundo um partido para recusar esse bem; partido tão poderoso que parece às vezes se compor do mundo inteiro. Entretanto, após dezoito séculos, a força das coisas tem invencivelmente mantido entre os homens esse direito de domínio e de habitação que se digna reservar a clemencia de Cristo. A força das coisas, as necessidades da humanidade! Se conhecessem a história da Igreja, que é a história de Deus presente e vivo sobre a terra, se aqueles que dizem amar a liberdade considerassem de perto, tais como a Igreja os expõe e os defende, esses direitos de Deus aos quais sua cegueira pretende opor os direitos do homem, eles veriam que os direitos do homem não têm existência e salvaguarda a não ser nos direitos de Deus. Direitos do homem, liberdade humana, existência distinta das nações, outros tantos pensamentos de Cristo, desejados e realizados por Sua única Igreja. Antes de Cristo, o estado normal das sociedades era a escravidão; o direito normal, o direito do mais forte, para impor a escravidão; a política normal, a conquista, para vender ou para matar os vencidos. “Humanum paucis vivit genus!” * * * “Assim como transmudou o nome Eva, lembrança da perdição, na palavra ave, memorial de salvação, assim de Roma, a força, a Igreja fez amor: – “Mutans Romae nomen”. Se houve um tempo em que a inteligência pública dava ao império a força moral, onde está o mal, gente de espírito, que condenais esse tempo? Que mal havia que esse rei não pudesse devorar uma nação? Nem esse rei fazer moeda falsa? Nem esse rei repudiar sua esposa? Em que sois lesados? Gente de espírito que tanto tendes odiado a força moral, tomai cuidado! Eis que a força moral não mais impede a anexação de províncias, o rompimento de tratados. Tempos virão em que se terá o desejo de anexar os reinos, de romper os contratos. Se a força moral desaparecer por completo, a força bruta reinará por completo. Não se pode falar em força moral aos enviados de César; os de Mazzini suprimirão mesmo os jornais, mesmo os jornalistas. Refleti, gente de espírito. “Ainda um pouco de tempo estará convosco a luz; andai na luz enquanto a tendes, para que as trevas não vos surpreendam. Porque a noite será mais longa que na estação do inverno!” * * * “A Europa, e particularmente a Itália, se acha tranquila quando o Papado se acha tranquilo, livre quando o Papado está livre. Sei o que significa hoje a palavra liberdade; mas quando falo em liberdade, é-me permitido entender a liberdade cristã, o direito de viver segundo a lei de Deus. Se a Europa e a Itália não têm gozado dessa liberdade toda inteira, a falta não cabe aos Papas. Desde o dia em que a Igreja pôde exercer uma ação direta sobre o governo das sociedades, os papas não cessaram de visar o mesmo fim, que é o de dar à individualidade todo seu valor, disciplinando-a por si própria por meio do conhecimento de Deus. Poucos príncipes, antes e depois de Carlos Magno, favoreceram este plano. De acordo com os céticos e os incrédulos, os príncipes têm em geral oferecido ao gênero humano uma outra vantagem, que este tem preferido geralmente: eles lhe propuseram a franquia da regra interior, deixando-o ignorar que a regra exterior, o freio político, tornando-se cada vez mais indispensável, pesará mais e mais sobre toda liberdade. Tal foi a sedução do cesarismo, tal foi a promessa do Protestantismo, tal é a da Revolução; e essas três coisas são uma mesma coisa: sugestão de Satã, inimigo do homem e rival de Deus”. * * * “Acabo de ler diversos trabalhos sobre o que se chama a questão romana; questão de saber se a Igreja é de Jesus Cristo, e, no fundo, se Jesus Cristo é Deus; e, mais ainda no fundo, se há um Deus. Porque os princípios motores desta guerra ao temporal do Papa são a heresia e a dúvida e, por detrás, o ateísmo. Li pró e contra, e me sinto humilhado. A degradação dos espíritos faz descer esta disputa a um terreno que rebaixa tanto o bem quanto o mal. O gênero humano se acha presentemente empenhado na senda de um laxismo e de um processo de estupidificação imensos. Tenho medo dos relâmpagos que riscarão os céus para dissipar essa noite”. * * * ... “Segundo toda aparência, os últimos apóstolos do livre-exame, herdeiros de suas conquistas, administrarão formidáveis narcóticos no espírito humano. Será isso o mundo sem o Papa, situação comparável àquela do mundo antes do Papa, quando um representante da feroz sociedade romana, refugiado sob a ditadura de Tibério, dizia com soberba: Que é a verdade? e, sem esperar a resposta, derramava o Sangue do Justo. Hoje essa consequência pode parecer extrema. Há ainda bastante espírito cristão nos povos, sobre as coroas bastantes reflexos da antiga realeza cristã. Esperai que esse resto se evapore ao sopro dos histriões: o desprezo pela espécie humana reabrirá o circo”. Eis preparado o advento do totalitarismo moderno, o infatigável adversário do Conde de Montalembert traça então o retrato do omniarca moderno: “O mundo foi criado para ter um só Deus. Eis a unidade católica: “Um só Deus, um só pastor, um só rebanho”. O gênero humano deixa que se disponha do assunto de outro modo. Não apenas um só Deus; todos os deuses, pelo contrário! Mas um único rei, o Omniarca, que fará reinar a harmonia, a igualdade e a volúpia. O Omniarca será grão-sacerdote de todas as religiões, juiz de todas as capacidades, dará todos os diplomas, enfeixará em suas mãos todos os fios telegráficos, entregará todas as cartas, imprimirá todos os livros... Este ideal já foi bosquejado: era a antiga Turquia. Lá reinava a harmonia sob o nome de silêncio, e a igualdade sob o nome de escravidão. Lá nos haréns, habitava a volúpia. Temos belos germes de tudo isto. Mas a liberdade, onde a colocaremos?” –oOo– “Imaginai o que poderá o homem que tiver a maior quantidade de máquinas às suas ordens. Que bem fará resistir a esse homem! Como será coisa fácil recusar adorá-lo, se ele crê nos velhacos comodistas que lhe dirão que é Deus e que deve exigir que o adorem!” “Acreditais que não haverá de tais velhacos e muitos? Vejo por todos os lados sua semeadura imunda. Foi lançada abundantemente e cresce desastrosamente. Acreditais que não terão influência? Eu digo que somente eles serão influentes. “Um senhor do mundo que não teme a Deus, que desejais que ele se torne, senão um louco que se deixa persuadir que é Deus? Durante três séculos, a posse de algumas legiões, sempre indóceis, mas diante das quais tremia a baixeza universal, fez estourar os miolos dos imperadores romanos. Ora, o imperador futuro comandará cem vezes mais legiões; e para dominar uma humanidade mais decaída ainda, pois que ela terá caído das alturas do cristianismo, ele disporá também da máquina. A admirável máquina, admiravelmente aperfeiçoada, mais vasta, mais rápida, insubmersível, carregando em seus flancos dilatados a morte mil vezes mais bem apetrechada; a máquina que não dirá jamais não, equipada por máquinas que dirão sempre sim. E imaginais que esse homem não perderá o juízo? E os velhacos progressistas que, desde agora, o farejam e lhe cantam aleluias abjetos, pululando então nos lodaçais ardentes que iluminarão seus olhares, acreditais que eles não o persuadirão de ser Deus?!” –oOo– Depois de pintar com cores tão vivas o domínio do mundo pelos régulos totalitários, Veuillot tem uma palavra de esperança. O mundo sairá dessa fase de abjeção e de miséria. Esta libertação não virá porém, como pensam os modernistas e semiliberais, quando o Papa fizer concessões ao espírito moderno, porque a Igreja não costuma apoiar-se em princípios falsos. Mesmo porque, “a miséria de nossos dias é o enfraquecimento intelectual dos católicos que permitem dizer que a Igreja faliu por não se abandonar ao espírito moderno. Qual a verdade católica que se tornou erro, e qual o erro do mundo que se tornou verdade?” Na volta às verdades pregadas pela Igreja se acha a libertação da humanidade: “Esperemos o castigo, não a morte. Todas as transgressões serão vingadas, todas as ingratidões punidas; o mundo, seus erros sobre os ombros, banhado de suor, de sangue, de lágrimas, passará por espessas trevas, implorando luz, autoridade e liberdade. E será nessa provação, cujos gemidos pedirão a Deus que abrevie o curso, que o Papa recuperará o mundo, ou antes que o mundo recuperará Deus. Então a inesgotável fecundidade da Igreja se manifestará: de suas velhas verdades surgirão novas forças e novas maravilhas, e Ela prosseguirá em sua obra, que é de pôr Jesus Cristo na posse de toda a terra, e toda a terra na posse de Jesus Cristo”. |