Plinio Corrêa de Oliveira
Comentando...
Legionário, 25 de dezembro de 1943, N. 594, pag. 2 |
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V. Cy, na sua secção da “Folha da Manhã”, escreveu sobre milagres. Os milagres de que falou V. Cy são metafóricos, e mais do que metafóricos. Mas o jornalista fechou-se na metáfora, como num lugar seguro, acima de qualquer outra espécie de segurança, para manifestar suas idéias, como aliás é de seu hábito ultimamente. Acontece, porém, que desta vez a metáfora é evangélica, afeta a Religião, e por isso, quem dela se serve deve ter o necessário respeito. A Igreja sempre foi um asilo inviolável, mesmo nos tempos de barbárie, ou melhor, principa1mente nestes tempos. É natural, pois, que até os incrédulos procurem proteção à sua sombra, mesmo porque Ela, Mãe amorosíssima, a ninguém repele. Porém é preciso que os que assim recebem proteção saibam ao menos ser delicados, e não se ponham a fazer ou dizer inconveniências, como se fossem macacos em casa de louça. Ora, V. Cy ao tratar incidentalmente dos milagres de Jesus Cristo disse coisas do “arco da velha”, que positivamente desafinam de sua inteligência. É inacreditável que um espírito atilado ainda esteja ruminando bobagens racionalistas, do tempo de Renan. É verdade que, no seu tempo, Renan teve muito sucesso. Mas isto já foi há tanto tempo!... A velha carcaça de Renan já merece aposentadoria, por que andar com ela às costas por este mundo a fora? No entanto, V. Cy ainda quer explicar os milagres de Jesus Cristo, narrados no Evangelho, como fenômenos de sugestão coletiva. Para que Nosso Senhor realizasse algum milagre, seria necessária uma íntima corrente de simpatia, de espera do milagre que, unindo todas as forças psíquicas das pessoas presentes, determinassem o evento tido por milagroso. A multiplicação dos pães, a ressurreição de Lázaro, a tempestade aplacada, a transformação da água em vinho, a cura de leprosos, tudo seriam frutos da sugestão coletiva. O moderno espírito científico, para não aceitar o milagre, é obrigado a dar voltas sobre si mesmo, como cachorro que quer morder o rabo, inventando explicações mais miríficas do que o próprio milagre. Incrédulo para aceitar a explicação divina, é de uma credulidade pueril para engolir explicações fantasiosas. V. Cy, entretanto, se satisfaz com elas, e cai, logo em seguida, numa tremenda contradição: o milagre, afirma, não pode ser anunciado nem prometido, mas deve ser inesperado e súbito. Ora bolas! Se o milagre é fruto da simpatia coletiva, que o espera, como há de ser súbito e inesperado? Anunciá-lo e prometê-lo seria a melhor forma de garantir-lhe a eficácia, preparando o indispensável ambiente de sugestão. O moderno espírito pseudocientífico tem destas coisas. Ainda no último número do “Reader's Digest” vem o resumo de um artigo de Harison Forman, em que é narrada uma evocação de demônios de que participara o articulista. A tétrica cena teve lugar no Tibe, entre os feiticeiros da região, sendo coroada por uma horrenda manifestação diabólica. Durante todo o tempo, o articulista se esforçou por manter seu espírito lúcido e objetivo, lutando constantemente contra qualquer sugestão hipnótica, procurando tudo observar cientificamente. Ao cabo da experiência, o articulista afirmou: tenho certeza de que os vi; do que pensarei amanhã, não tenho a menor ideia. “Amanhã” o espírito “científico” teria tido tempo para colocar-se novamente na persuasão petulante e satisfeita de que a realidade toda ela é feita de engrenagens e rodelinhas. O que não forem engrenagens e rodelinhas, não tem direito a reconhecimento oficial, porque perturba o sono, a digestão, e outras coisas importantes. É a isto que Veuillot chamou "la brute polytechnique”, que ameaça transformar o mundo num mecanismo brutal e estúpido. |