Plinio Corrêa de Oliveira
A queda de Mussolini
Legionário, 1º de agosto de 1943, N. 573 |
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Em toda a tragédia, há um "que" de cômico. É o que se dá com a queda do fascismo. Mussolini teve admiradores em todos os quadrantes ideológicos e geográficos do mundo. Entretanto, a se fazer hoje o recenseamento entre os não italianos dos que sempre viram que o fascismo daria no que deu, ter-se-ia a impressão de que Mussolini só teve adversários e detratores. Temos vontade de sorrir. Se fôssemos contar a história dos inumeráveis tropeços que encontramos em nosso caminho quando apontávamos claramente o grande blefe que foi a política religiosa do fascismo! Enfim, o “Legionário” combateu o fascismo não para se arrogar a gloriola de dizer em dias como os de hoje que foi previdente. Não tivemos outro intuito senão servir a Igreja. Os fatos estão a demonstrar que a servimos bem. Louvemos a Deus por isto e continuemos a trilhar nosso caminho, dispostos hoje como ontem a arrostar as incompreensões, as dificuldades, os ataques de toda ordem, largamente recompensados desde que conservemos sem mancha o estandarte católico que conduzimos em nossas mãos. Quando os arquivos do regime fascista vierem a lume, e quando se disser com toda a clareza o que o fascismo foi, compreender-se-á com uma evidência meridiana que a opinião católica não poderia deixar de ter, em relação ao regime fascista, a atitude discrepante sempre seguida e apontada pela clarividente sabedoria da Santa Sé. E os jornais católicos que, como o “Legionário”, tiverem sabido manter viva e nítida a linha demarcatória entre a doutrina católica e o totalitarismo, constituirão o melhor argumento contra os exploradores que já hoje se levantam, acusando a opinião católica de haver pactuado com regimes de opressão e tirania sistemática. * * * Uma das acusações que com mais frequência se nos fazia era que faltávamos com a caridade em relação aos regimes totalitários, mantendo contra seus princípios e contra seus dirigentes uma campanha tão perseverante. E o “Legionário” sempre retrucou que nenhum rancor, nenhuma malquerença pessoal, nenhum “parti-pris” [preferência apriorística, n.d.c.] contra qualquer país, influenciava sua atitude. Como éramos enérgicos, taxaram-nos de violentos. Chegou o momento de mostrarmos com atitudes e não simplesmente com palavras, que a acusação era descabida. Sempre distinguimos o regime fascista ou nazista, da Itália ou da Alemanha. E, mesmo no mais forte de nossa luta contra a ditadura dos camisas negras ou dos camisas pardas, sempre timbramos em afirmar que os católicos italianos e alemães, membros como nós da Santa Igreja Católica, nos mereciam o mais acendrado amor. Recentemente, o Santo Padre Pio XII publicou uma Encíclica sobre a doutrina do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se bem que o Sumo Pontífice tenha denunciado importantes erros que circulavam nesta matéria, é evidente que a doutrina do Corpo Místico (como aliás também uma formação litúrgica realmente escoimada dos erros que o Papa denuncia), assenta em fundamentos de indiscutível solidez na Escritura e na Teologia, só pode ser louvada e aprovada pelo Pontífice. E é muito oportuno que lembremos, a este propósito, que os horrores da guerra atual não destroem esta grande verdade: o Corpo Místico de Cristo é a Igreja Católica e, de um como do outro lado das trincheiras, todos os fiéis de Jesus Cristo continuam sendo membros de um mesmo corpo sobrenatural. Assim pois, para nós católicos, não pode haver lugar para preconceitos contra este ou aquele país, ódios contra este ou aquele povo. Os vínculos sobrenaturais que nos unem são mais fortes do que as razões naturais que nos desunem. Não procuremos ver no desmoronamento do regime fascista, e no próximo desabamento do regime nazista, motivos para malsinar este ou aquele povo. O Brasil está em guerra contra o “eixo”. A esta guerra, ele foi forçado por uma agressão tão brutal quanto gratuita. Lutaremos, pois, valorosamente até que a honra nacional seja desagravada. Não nos esqueçamos, entretanto, de que fomos agredidos por duas cliques de políticos que oprimiam seus respectivos povos, e que portanto ao marcharmos com as nações aliadas para os campos de batalha, marchamos para a libertação dos povos oprimidos pelos ditadores do “eixo”. As proclamações de Churchill e Roosevelt são precisamente neste sentido. Nosso intuito não é humilhar, nem injuriar, nem oprimir, mas libertar! * * * Sem prejuízo, pois, da energia de nosso esforço bélico, não nos esqueçamos de que o espírito que deve presidir as negociações de paz deve ser de equidade e de benevolência, que repare as injustiças e compense os prejuízos, mas que deixe a cada povo um lugar honroso à luz do sol, e condições suportáveis de existência. E, para isto, é preciso que o desarmamento psicológico preceda ao próprio desarmamento militar. Estaremos à altura de nossas tradições de católicos e de brasileiros, imprimindo à vitória à qual nos associaremos, um caráter tão altamente benigno e cristão. E o caminho para isto consiste em evitar a respeito dos acontecimentos qualquer atitude capaz de despertar ressentimentos indeléveis e rancores sem fim. No momento em que os louros da vitória se aproximam de nossa fronte, lembremo-nos de que devemos continuar a combater com denodo para os merecer inteiramente, mas que não os devemos desdourar com sentimentos menos nobres. Energia e magnanimidade são as duas virtudes do momento. * * * Muito de indústria, mencionamos também a energia. Com efeito, devemos evitar extremos. A guerra ainda não está ganha. Ainda resta muito por fazer. No que resta, o Brasil tem uma parte importante de sacrifícios e de esforços. Não devemos passar de um extremo a outro, e relaxar nosso esforço bélico. Nem devemos, sob pretexto de magnanimidade, deixar incompleta a vitória, permitindo que perdurem depois da guerra resquícios de totalitarismo no mundo. Precisamos ter a lógica em nossas atitudes. Se nos levantamos para destruir uma ordem de coisas, destruamo-la até os fundamentos. O grande perigo da paz que se aproxima de nós é que poderá ser como a de Viena. Como ninguém ignora, o grande congresso de soberanos reunidos na capital austríaca para organizar a Europa depois da queda de Napoleão e dar por encerrada a Revolução Francesa, de fato consagrou muitos dos frutos da Revolução, e foi uma verdadeira consolidadora de vários dos erros e desastres de 1789. Sob a capa da Santa Aliança, procurou-se fazer uma impossível combinação de princípios de direito público revolucionários e católicos. Joseph de Maistre, figura para sempre venerável no coração de todos os ultramontanos, a que pertencemos, disse que a Santa Aliança era obra do demônio. E tinha razão. Graças à atmosfera do Congresso de Viena [1815], a Revolução não morreu. O totalitarismo precisa morrer. Não caminhemos, pois, para a despreocupação, a frivolidade, a efêmera alegria de um novo Congresso de Viena! |