Plinio Corrêa de Oliveira
Fundamentos abalados
Legionário, 4 de julho de 1943, N. 569, pag. 2 |
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Continuando em nossos comentários a respeito da recente alocução do Santo Padre Pio XII, cujo texto integral temos a satisfação de dar hoje a nossos leitores, queremos analisar a oportuna afirmação do Pontífice de que no mundo contemporâneo os próprios fundamentos se encontram abalados. São as seguintes as palavras do Vigário de Cristo: “toda a sociedade, em sua estrutura complexa, precisa ser reparada e melhorada, porque estão trincados os seus próprios alicerces”. Esse conceito merece meditação. * * * O Santo Padre fala em alicerces. Logo, a sociedade é comparada por ele a um edifício. O que de mais grave pode ocorrer a um edifício do que ter abalados os seus próprios alicerces? Que uma parede esteja trincada, que toda uma parte do prédio rua por terra, tudo isto é lamentável, mas muito menos do que uma trinca no alicerce. Porque enquanto os danos parciais, por mais extensos que sejam, continuam sempre parciais, a fratura dos alicerces representa dano completo. É o mal supremo. Significa a iminência das mais terríveis catástrofes. Em outros termos, pois, o Santo Padre Pio XII afirma que a sociedade contemporânea está afetada de um mal de suprema gravidade, e que, a despeito do brilho de sua civilização material, ela está exposta à ameaça da mais completa ruína. Pio XI já teve idênticos conceitos sobre o mundo moderno. Referindo-se ao perigo comunista, o Santo Padre declarou que ele ameaçava precipitar a humanidade em um estado pior do que tinha antes da Redenção. E em outro documento o Santo Padre, assombrado pela contemplação das desgraças presentes, declarava que já tinha chegado o tempo de se indagar se não estávamos na época tremenda em que o aparecimento do filho da iniquidade haveria de subverter inteiramente a civilização cristã, e arrastar o mundo para as angústias e as catástrofes que precederão o fim do mundo. As palavras de Pio XII não são senão um eco das que teve seu imortal antecessor. Umas e outras demonstram o quanto a sociedade contemporânea está afastada da lei de Nosso Senhor Jesus Cristo. * * * Não é estéril esta reflexão. Quanto maior o mal, tanto mais heroico o remédio. Na eminência de catástrofes tais, e diante de um panorama de tal maneira sombrio e carregado, os verdadeiros filhos da Igreja devem redobrar de zelo e ardor apostólico. Com efeito, se tivéssemos um conceito otimista do mundo contemporâneo, poderíamos talvez dedicar-nos menos ao apostolado. Mas, desde que chegamos a tais extremos, é absolutamente patente que todos aqueles que querem ser verdadeiros filhos da Igreja Católica devem multiplicar seus esforços e sacrifícios, a fim de que, pela dilatação do Reino de Cristo e exaltação da Santa Igreja, Deus seja glorificado e o mundo contemporâneo ainda possa ser salvo dos desastres que o espreitam. Não achamos que o lúgubre do espetáculo que temos diante de nós nos deva apavorar. Pelo contrário, deve exaltar-nos. E chamar a atenção para a situação tristíssima em que o mundo presente se encontra, não é fazer obra de desânimo e dispersão, mas, pelo contrário, estimular os incautos e arregimentar os retardatários. A sentinela, quando toca o clarim, não tem por fim fazer fugir, mas dar o toque de reunir para a luta. É o que devemos fazer. * * * Mas ainda existe, a este propósito, um outro problema muito importante. Se o mundo contemporâneo está de tal maneira em perigo, não quer isto dizer de modo algum, que tudo quanto nele há seja mau. Sem falar no progresso material, que pode ser utilizado de modo censurável, mas que em si mesmo é um bem, também do ponto de vista intelectual, e até do ponto de vista moral, nem tudo no mundo contemporâneo é mau. E a Igreja, sumamente justa e cautelosa, jamais poderia tomar partido por um certo pessimismo sombrio e incondicional, que indistinta e colericamente atirasse o anátema em tudo quanto hoje existe. Está precisamente aí um dos aspectos mais curiosos da questão. Como vimos, nem tudo, portanto, é mau no mundo atual. E, não obstante, podemos ver com nossos próprios olhos, e aceitar com base nas afirmações solenes dos Pontífices que este mundo, que não é inteiramente mau, está desabando. Desabando porque os próprios alicerces estão trincados neste edifício onde mais de uma parede é bela e sólida. Ou seja, que, em lugar de nos extasiarmos incondicionalmente com o que o mundo atual tem de bom, devemos admitir pelo contrário que este bem, louvável em si aliás, é apenas um bem acessório, secundário, acidental. E que defeitos profundos e irremediáveis trincam todo o edifício da sociedade atual. É isto muito importante. Com efeito, isto nos ensina que os católicos não podem aplaudir sem reservas nem sequer aquilo que no mundo atual é bom. Aplaudindo-o, devem ter sempre presente ao espírito a convicção de que aplaudem coisas insuficientes por si mesmas para fazer do mundo atual um mundo bem organizado e cristão. Ou, em outros termos, que tudo quanto aplaudem é, no fim, uma bagatela em comparação com o que deveriam censurar. E esta consideração tem, por sua vez, muita importância. Com efeito, mostra ela que os católicos, para sua própria formação interior, precisam ter o máximo cuidado de não aceitar desprevenidamente as idéias e preconceitos correntes, por mais simpáticos e até razoáveis que sejam. Ao lado de muita coisa boa, entra muita coisa má. De tal maneira o mal supera, submerge e abafa hoje o bem. |