Plinio Corrêa de Oliveira
Comentando...
Legionário, 11 de abril de 1943, N. 557, pag. 2 |
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Certamente, não há nada como a técnica, e o século XX é certamente o século da técnica. Donde, é bem provável que não haja, nem tenha havido nada como o século XX. Sobre este assunto, a Áustria pode dizer algumas coisas interessantes... Mas, no momento, não é este aspecto da técnica que nos interessa, mas um outro, seu vizinho. Como todos sabem, as seleções do “Reader’s Digest” são uma revista feita segundo os mais recentes cânones da técnica publicitária (nota: ela passou a circular no Brasil a partir de fevereiro de 1942, sendo posteriormente também conhecida como "Seleções", n.d.c.). O papel é uma delícia; a impressão, uma beleza; o formato, uma comodidade. Mas isto ainda é o menos. O conteúdo, o recheio, aí é que vai toda a sabedoria, toda aquela ilustre sabedoria de que é expoente o mui célebre Mr. Gallup. O “Reader’s Digest” reflete (alimentando-a também) com alta perfeição técnica, a mentalidade do homem médio, o homem da rua, este John Doe universal e reversível, sempre satisfeito consigo mesmo, satisfeito com sua saúde, com seu apartamento, com sua família cientificamente “standard”, com sua capa de borracha igual a de todo mundo, satisfeito com sua normalidade psíquica, satisfeito com os automóveis, com os rádios e com todos os outros brinquedos que lhe põem nas mãos; satisfeito com as ideias claras que lhe põem na cabeça, satisfeito com o progresso do século, satisfeito com a proteção do plano Beveridge, satisfeito com o emprego, satisfeito com seus chefes, satisfeito, sempre satisfeito, distribuindo palmadinhas e abracinhos amáveis à esquerda e à direita, a conhecidos e a desconhecidos, penetrado da mística do “bom humor” (“o bom humor resolve dificuldades e prolonga a vida”) perpétuo “good fellow” (“boa praça”) e eterno fanático do sucesso. Por isso, o “Reader’s” satisfaz, tecnicamente, todas estas nobres aspirações, o que é também, sem dúvida, um meio tecnicamente científico de obter um belo sucesso financeiro. Assim, antes de mais nada, “Reader’s” propicia a John Doe uma vulgarização clara e simples dos mais intrincados problemas científicos, tão extremamente simples mesmo, que John Doe, após uma viagem de ônibus, se percebe mais culto que Pico de Mirandola, e fica ainda mais satisfeito consigo e com seu tempo. Mas John Doe também tem aspirações morais: ele acredita que a lealdade, a sinceridade, o altruísmo acarretam o bom êxito da vida e o progresso da humanidade. “Reader’s” vem lhe ainda ao encontro com lições e narrativas que o deixam pensativo e até emocionado, crente de que, dentro dele, existe realmente uma certa inclinação espiritual para ideais sublimes. E John Doe acha que pode, perfeitamente, responsabilizar-se por alguma parcela importante do bem estar do mundo. Porém, John Doe não é só isso. Uma porção importantíssima de sua personalidade é a sua animalidade sadia e esportiva. Também a isto veio satisfazer, tecnicamente, o último número do “Reader’s Digest”, que foi lançado no mercado há poucos dias. Lá se encontra uma série alentada de anedotas grossamente picantes, inspiradas numa sensualidade compacta, concentrada, ávida, em que John Doe se refocilará e ficará muito satisfeito com seu equilíbrio fisiológico. Não é necessário ser profeta para afirmar que o próximo número do “Reader’s” trará, com toda a probabilidade, a letra e a música de “Manolita”. |