Plinio Corrêa de Oliveira

 

Cristandade e Oriente

 

 

 

 

Legionário, N.º 557, 11 de abril de 1943

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Todos os compêndios de História, mesmo os mais elementares, são acordes em afirmar que um dos grandes fatores da decadência muçulmana foi a divisão intestina que lavrou entre as várias seitas em que se dividiram os sequazes de Maomé. Enquanto essas contendas internas estagnaram o surto maometano, os países ocidentais, levados pelo incomparável fermento de progresso que só a civilização cristã católica pode dar, se desenvolveram imensamente. Assim, quando a facilidade dos meios e vias de comunicação, obtida mediante as invenções do século passado (XIX), puseram novamente frente a frente cristãos e maometanos, a superioridade cultural, econômica e militar dos ocidentais era manifesta. Agíamos para com os muçulmanos como adultos para com menores de idade: com desenvoltura, autoridade... e não raras vezes condenável tirania.

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Mas as coisas mudaram muito de aspecto. Os recursos materiais do Oriente começaram a ter um papel cada vez mais importante na vida dos povos do Ocidente. E como a guerra total veio dar caráter marcadamente político às competições econômicas - ou, se preferirem, caráter marcadamente econômico às competições políticas - daí decorreu que o papel político do Oriente na solução dos problemas que cindem o Ocidente passou a ser de primeira grandeza. A intensa militarização do Japão acentuou singularmente este fenômeno.

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Numa época em que os valores se medem pela força, os problemas militares, sempre nobres e importantes, adquiriram uma importância maior do que nunca. Mas a mecanização da guerra tornou todos os conflitos estritamente técnicos! Vencem os melhores armamentos, admitida igualdade de valor entre os combatentes. E, como armamentos significa dinheiro, em igualdade de condições morais vence o mais rico, isto é, o mais bem municiado, o que estiver dotado de melhores meios mecânicos para o combate.

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Não será difícil, pois, armar de futuro os orientais com armas ocidentais para que intervenham em nossas lutas, não só com recursos econômicos imensos, mas já então com armamento perfeito. Valentia não lhes falta. E tudo isto importa em dizer que a menoridade dos povos orientais está chegando ao seu termo.

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Do ponto de vista da Igreja, o fato não seria grave, considerado em tese. A Igreja é Mãe do Oriente tanto quanto do Ocidente, e nada deseja senão o progresso de todos os povos nas sendas da civilização católica, com rumo à eternidade. O que lhe interessa é a salvação das almas. De todas as almas. E isto sem distinção entre o Ocidente e o Oriente.

Mas o fato é que o Oriente ainda é em grande escala pagão. O Ocidente ainda é em certa medida cristão. O entrechoque das duas forças ocasionará inevitavelmente um risco para a Igreja.

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E não se sorria. Não nos consola a idéia de que, imortal, a Santa Igreja jamais soçobrará. Graças a Deus estamos certos disto. Mas não nos basta que a árvore não caia por terra. Não queremos ver a ventania quebrar seus galhos majestosos, onde circula como seiva o próprio Sangue de Cristo. Não queremos ver arrancadas pelo vendaval as folhas outonais, isto é, as almas tíbias que a todo o custo e até o último instante de nossa vida, até mesmo com os maiores sacrifícios, queremos salvar. Nosso Senhor, que veio ao mundo para dar novo vigor ao arbusto partido, quer que reverdeçam as folhas outonais na árvore da Santa Igreja. Uma só que se desprenda é uma catástrofe maior do que se o sol se apagasse. O que significa de riscos, de ruínas morais, de miséria de toda ordem uma hegemonia pagã sobre os escombros do mundo cristão, só Deus o sabe.

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E não se argumente com a queda do Império Romano e as invasões dos povos bárbaros, em seguida ao que veio o esplendor da Idade Média. Ter-se-ia quase a impressão de que a queda do Império do Ocidente foi um bem! Não, foi um grande castigo, uma imensa e deplorabilíssima desgraça, que ocasionou à Santa Igreja males sem conta. Ela não morreu, é certo, mas cresceu de futuro. Nem por isto o que foi castigo deixou de ser castigo. É este o fato.

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Tudo isto, dizemo-lo para afirmar que o “Legionário”, pronto como sempre para atender a tudo quanto deseja a Santa Igreja, vê entretanto com clareza maior do que nunca a importância da obra missionária, que deve reconduzir à vida da graça os infiéis e pagãos. Não identificamos a Igreja com o Ocidente. Desde que sejam todos católicos, tudo estará bem. Mas é absolutamente indispensável que, enquanto o Oriente não estiver convertido, não se fale nos comentários, telegramas de jornal, e tratativas referentes à política internacional, na constituição de grandes blocos pan-maometanos, pan-hindus, pan-amarelos, por mais belos e sedutores que sejam estes projetos do ponto de vista temporal. Teremos consolidado contra nós os adversários de nossa civilização, estruturando-os politicamente em grandes potências.

Vender-lhes-emos armas: isto é indubitabilíssimo.

Introduzi-los-emos em nossas brigas domésticas: até já o fizemos.

Faremos de seus recursos materiais grande parte da base de nossa vida econômica: nem é possível que procedamos de outra forma. E quando, conscientes de sua força, eles quiserem estruturar um mundo novo com o poder que lhes demos, e sem os princípios da civilização católica, que não lhes demos ou que eles rejeitaram, então será talvez tarde para abrir os olhos!


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