Plinio Corrêa de Oliveira

 

Contra o ódio a Deus triunfe

o amor a Deus!

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 4 de abril de 1943, N. 556, pag. 4

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Tem sido tantos os esforços da Santa Igreja e tantos os cuidados de Pio XI, tantas as indústrias da Hierarquia e da Ação Católica, tantas enfim as preces e sacrifícios dos fiéis para alcançar o reinado do Salvador em todo o mundo, nos indivíduos, nas famílias e nas sociedades. Afinal, fica ainda imenso terreno para conquistar e dir-se-ia até aumentaram as dificuldades e obstáculos a esse reinado.

Na verdade, o ódio à Igreja, o ódio a Deus encarniçou-se no mundo mais do que nunca, e não são só os indivíduos, aos milhões, são as massas organizadas contra o Senhor dos exércitos, são as nações que levadas pelos seus chefes com todas as suas máquinas de guerra, juraram destruir e apagar da face da terra a ideia do verdadeiro Deus.

O espetáculo é doloroso, mas é ao mesmo tempo luminoso, porque nos indica o processo mais rápido e eficaz, não só para debelarmos o inimigo, mas para conseguirmos o suspirado triunfo de Deus e da Igreja.

A principal força dos perseguidores e o ódio e é ele que lhes inspira tantas indústrias destruidoras e iníquas. A nossa principal arma e estímulo e força e vida será o amor a Deus Nosso Senhor. Ama et fac quod vis: ama e farás o que quiseres, dizia Santo Agostinho. Na hora em que o mundo já não conhecia o verdadeiro Deus e por isso tinha chegado às piores abominações do paganismo, veio Deus em pessoa a reconquistá-lo para Si e foi essa a arma de que se serviu: amou – sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret.

Demos este passo definitivo no reino de Deus: façamos triunfar em nós o amor a Deus com todas as suas perfeições e quilates e teremos dado quiçá o passo mais agigantado e decisivo para a Paz de Cristo no reino de Cristo. São as almas verdadeiramente amantes de Deus que na terra conseguem tudo do mesmo Deus.

Toda a economia da Redenção se encaminha a estabelecer sólida e eficazmente o Reino de Deus nas almas, como preparação e iniciação indispensável do Reino eterno. Tal iniciação e preparação é na presente ordem de coisas, uma luta acima das forças naturais do homem e só se torna possível a vitória dando a Deus ao homem um como que organismo superior: nova criatura como lhe chama São Paulo, constituído pela graça santificante e as virtudes infusas, postas em atividade pelas graças atuais.

A inteligência e a vontade são as duas asas com que o homem, água real, se remonta e paira sobre todo o mundo irracional, como soberano. No entanto, não lhe bastam para romper a esfera do natural e penetrar nos umbrais do sobrenatural. Foi preciso que Deus, por mera bondade, lhe acrescentasse as três virtudes infusas da fé, esperança e caridade, sem as quais era incapaz de atingir o reino eterno: nunc autem manent fides, spes, caritas: tria haec, diz São Paulo.

Destas três – também o afirma o mesmo São Paulo – a maior é a caridade: maior horum est caritas, e nela nos fixa principalmente a atenção. É que a caridade vai dar tudo.

Na verdade, faltando mais em concreto ainda, toda a economia da Redenção se ordena a estabelecer a caridade nas almas: é este o Reino de Deus na terra em todo o seu esplendor.

O que é a caridade? Define-se um hábito sobrenatural infuso com que nos habilitamos para poder amar a Deus sobre todas as coisas, por ser Ele quem é, e a nós e ao próximo por amor de Deus.

Sendo um hábito, é uma qualidade permanente, dispondo convenientemente a vontade para um determinado fim. Não se trata de um dom transitório, mas duradouro; dá à vontade não facilidade de operar, como acontece com os hábitos adquiridos, mas potência sobrenatural para executar atos sobrenaturais.

Não brota espontâneo da alma: é hábito infuso, vem do alto. Caritas Dei difusa est in cordibus nostris per Spiritum Sanctum qui datus est nobis. A vontade por si só não tinha direito a esta potência: é-lhe dada para poder amar sobrenaturalmente a Deus.

Pelos atos conhecem-se as potências: a caridade é apetitiva, não é cognoscitiva como a fé; vem aperfeiçoar a vontade para o ato principal a que todos os outros se podem reduzir: o amor.

Daqui se segue que é potência espiritual, porque o ato a que se destina é espiritual. Amar, em geral, é a tendência da potência apetitiva para o bem; se se tratasse de potência sensível, teríamos o amor sensível; mas tratando-se da vontade que é potência espiritual, temos o amor espiritual. Donde se vê que se pode dar ardente amor de Deus, sem nenhum sentimento desse amor, porque o Amor de Deus não é sensível, é espiritual.

Mas a potência especifica-se pelo ato e pelo motivo e o ato pelo objeto; noamor, se o objeto for natural, teremos o amor natural; se for sobrenatural, teremos o amor sobrenatural e será o amor de concupiscência se motivo é a concupiscência e de benevolência se for esta o motivo.

Posto isto: o ato para que fica habilitada a vontade informada pela caridade é um ato de amor espiritual, sobrenatural e de benevolência. Te-lo-emos perfeitamente especificado, ao determinarmos bem o seu objeto primário.

O objeto primário da caridade é Deus conhecido pela fé, uno e trino e a razão que nos move a amar a Deus com caridade é a benevolência: é ser Ele quem é em si mesmo, o Sumo Bem. O que deve mover a vontade a amar a Deus com perfeita caridade é o Sumo Bem, não porque é meu bem, mas porque é o Bem por excelência.

É com esta caridade que se cumpre o grande Mandamento: “amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”. É para esta razão suprema que a cada passo o divino Espírito Santo nos aponta na Escritura para que louvemos, sirvamos e amemos a Deus: quoniam bônus, quoniam bônus, quoniam bonus! Porque é bom!

A caridade é, portanto, amor eminentemente de amizade. Já o diz a Escritura: infinitus thesaurus est hominibus quo qui usi sunt participes facti sunt amicitiae Dei: é tesouro infinito para os homens e os que dele usarem, tornam-se participantes da amizade de Deus. E a Seus discípulos dizia claramente Nosso Senhor na última Ceia que já não os chamava servos, mas amigos.

Em toda a amizade predomina o amor de benevolência, mas na caridade é tão soberano que é ele que a define.

Mas pode o homem amar a Deus com benevolência? A resposta é afirmativa, se não confundirmos benevolência com beneficência: dar a Deus bem que Ele não possua, não podemos. Mas podemos e devemos alegrar-nos com o bem que Ele possui: todo amigo se alegra com o bem do seu amigo. Podemos desejar-Lhe que seja cada vez mais conhecido e amado. Podemos ainda estar sempre prontos para tudo o que Ele de nós quiser, ainda que seja à custa de grandes sacrifícios da nossa parte: tudo isto é benevolência e pureza de amor para com Deus.

Se a caridade é amizade, deve haver nela troca de corações. Da parte de Deus toda a obra da criação e sobretudo da redenção é um poema de amor: Deus amou tanto os homens que se esgotou por eles nas suas dádivas de amor. De nossa parte, informando-nos Deus com a virtude da caridade, põe-nos em condições de Lhe podermos dar amor.

Deus amando-nos proporciona-se ao homem o mais que é possível e nos quer com amor mais que de pai e de mãe, com amor de irmão, com amor de esposo. Para maior eloquência, tomou um coração de carne igual ao nosso para com suas vibrações nos tornar sensível o amor divino.

Também o homem se proporciona a Deus no amor para com Ele, porque pela graça santificante participa da natureza divina e por isso mesmo participa da vida divina pela caridade.

Outra nota característica deste amor de amizade é a vida em comum, à uma, nos afetos, desejos, alegrias, tristezas, sofrimentos. A presença íntima: “Jesus – dizia a Beata Gema Galgani – as tuas ausências são o mais negro dos meus sofrimentos”.

Pela caridade realizamos tudo isto: qui manet in caritate in Deo manet et Deus in eo: quem permanece em caridade, permanece em Deus e Deus nele.

A caridade difunde-se em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Se alguém Me amar – dizia Nosso Senhor Jesus Cristo – viremos a ele e faremos nele a nossa mansão. Pela caridade vive Deus em nós pessoal e substancialmente.

De tudo o que está dito se conclui que não há no homem potência mais excelente do que a caridade: major horum est caritas. Primeiramente pelo seu objeto – Deus em si mesmo por ser quem é. Depois em si mesma a caridade fica para sempre ao passo que a fé e a esperança desaparecem no Céu; só ela existe sempre viva, só ela indissoluvelmente unida à presença da Santíssima Trindade: onde ela está, está Deus; é a caridade de Deus.

Além disso, subjetivamente é por meio dela que já desde a terra iniciamos a nossa bem-aventurança: Deus é o nosso fim último. Nela está a perfeição. Por mais excelsas que vivam em nós as outras virtudes, não seremos perfeitos se não possuirmos a caridade; é ela afinal que dá ser às outras virtudes e que as pode imperar a todas como rainha, transformando todo nosso agir em fonte perene de merecimentos.

O objeto secundário da caridade – nós e o próximo – levar-nos-ia longe, se dele quiséssemos falar pormenorizadamente. Diremos apenas, em resumo que:

1) O amor de Deus não exclui o amor natural ao próximo: logo é lícito querer bem ao próximo pelo que ele tem que naturalmente amável na alma e no corpo. Só exclui o que for desordenado, se, por exemplo, esse bem se ama mais do que os dons sobrenaturais, ou se por isso se quer mais ao próximo do que a Deus.

2) Consagra esses motivos, porque vê neles dons de Deus.

3) Leva-nos necessariamente a amar o próximo e torna mais sólido esse amor: a) por sua mesma natureza – o homem é obra de Deus, imagem de Deus, templo e filho de Deus, um com Cristo, objeto das solicitudes e do sangue de Cristo; b) porque é mandamento antigo, vontade expressa de Deus e é também mandamento novo de Cristo pregado com suas palavras: posto como argumento da Sua divindade, e como distintivo de seus discípulos; pregado sobretudo com o exemplo do Salvador desde a Encarnação à Cruz.


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