Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...

Cidade asfaltada

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 21 de fevereiro de 1943, N. 550, pag. 2

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Certa vez, estando numa cidade do interior, fomos surpreendidos por um fato, que, a princípio, nos pareceu inexplicável. Esta cidade tinha seríssimos problemas sanitários e sociais a resolver; uma boa parte de sua população apodrecia corroída de moléstias infecciosas em choças imundas e baiucas repelentes. E, apesar disso, nem o problema da água estava resolvido. Mas, não era só; a cidade, edificada em terrenos arenosos, vivia imersa em poeira, pois suas ruas não tinham qualquer espécie de calçamento, por mais modesto que fosse. E no entanto, a rua principal ostentava, em quatro ou cinco quarteirões mais importantes um vistoso, e também custoso, revestimento de asfalto. O pior é que este revestimento não fora bem calculado para a carga que deveria suportar, e o asfalto já começava a ceder aqui, e a esgarçar acolá, formando ilhas muito caipiras de lama e de sujeira, na civilizadíssima superfície cinzenta e lisa. Uma nova espécie de “Memento homo”...

Ora, numa tarde de calor sufocante, estávamos em companhia de muitas outras pessoas, aproveitando as sombras que se alongavam pela terra, e esperando a brisa fresca do crepúsculo, quando chegou o Dr. X. Todo perfumadinho, todo empomadinho, todo sorrisinhos, foi acolhido entusiasticamente pelas moçoilas casadouras. O Dr. X. porém, não se alterou; com amável condescendência recebeu a manifestação, depois sentou-se, puxou o lencinho do bolso, enxugou a testa, e exclamou com ar de vítima: que calor! E, logo em seguida, sublime: Também, cidade asfaltada...

Foi só aí que conseguimos compreender porque tinham sido asfaltados uns poucos quarteirões da “Main Street” daquela cidade do interior.

É provável que jamais nos recordássemos de toda essa história - mesmo porque já lá vão alguns anos, e o tropel dos acontecimentos novos se torna cada vez mais obsedante – se não fosse termos visto a notícia de que vai ser fundado um museu “Stefan Zweig”, que recolherá um mundo de preciosidades artísticas, de manuscritos valiosos, de curiosidades raras que pertenceram ao malogrado escritor, museu este em que se pretende que a memória de Zweig continue a ser cultuada pelos brasileiros.

Afinal, afinal... não queiramos asfaltar o Brasil com Stefan Zweig.


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