Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Flores do pó

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 21 de junho de 1942, N. 510, pag. 2

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Sob este título foi apresentado ao público paulista um filme que tem dois caraterísticos inexcedíveis para lisonjear a mentalidade contemporânea: encerra uma tese imoral e é profundamente, copiosamente, infindavelmente sentimental. E a sociedade hodierna, comida de paixões, enregelada de egoísmo, sedenta de dinheiro, ávida de prazeres, empanturrada de frivolidades, saturada de crueldade, fechou-se nas trevas de uma sala de espetáculo e aí chorou, gemeu, carpiu, desfez-se em prantos, para de lá sair pior do que entrara, mas convencida, entretanto, de que é muito compassiva, excessivamente larga de coração, infinitamente generosa e incalculavelmente boa. Nero também era assim: depois de transformar os cristãos em tochas para iluminar os seus festins, e depois de transformar Roma num mar de chamas para glorificar sua iniquidade, julgava-se um temperamento sensível e delicado, poeta embevecido e inspirado.

Se a heroína do filme, que se dedicava ao mister de criar e encaminhar as crianças abandonadas, não fosse também uma propagandista da tese segundo a qual nenhuma distinção deve haver entre os filhos legítimos e ilegítimos, ao ponto de nem mais se vir a cogitar para o futuro de tal coisa, fornecendo assim ao mundo moderno, que os sorveu sofregamente, sofismas e pretextos caridosos, para se desfazer de todas as barreiras morais, certamente o filme provocaria entusiasmos e comoções muito menores. E se este filme se destinasse ao enaltecimento de manifestações muito mais elevadas da caridade, digamos, por exemplo, as missões católicas, provocaria os bocejos daqueles mesmos que a honraram com seus suspiros.

Não tenhamos ilusões: a bondade não consiste, nem pode consistir, em puro sentimentalismo. Haverá coisa mais sentimental que a nossa época? E haverá também mais brutal? A bondade é, antes de mais nada, fruto da razão; e a bondade que não estiver de acordo com a razão, não é verdadeira bondade, mas refinado artifício de Satanás.

Assim, portanto, se nós admitimos, como a Igreja manda, apenas um modo legítimo de transmitir a vida, que é o casamento, temos que aceitar forçosamente a distinção entre a filiação legítima e a ilegítima, ou, do contrário não estaremos aceitando a realidade do casamento.

Será doloroso que pobres inocentes carreguem a pecha que lhes atiraram seus pais? Mas também não é doloroso que pobres inocentes carreguem por toda a vida os aleijões com que nasceram? Tenhamos piedade, tenhamos compaixão, façamos por eles o que estiver ao nosso alcance, mas não fechamos os olhos à realidade, não violemos a justiça, não ultrajemos a Moral.

Dir-se-á, talvez, que o defeito físico dos que nasceram aleijados não se pode comparar ao defeito, de origem moral, dos que nasceram ilegitimamente. Mas não sejamos tão materiais que aceitemos apenas as realidades que nos caem sob os sentidos. As realidades morais, embora não as possamos perceber materialmente, têm mais consistência do que as realidades meramente físicas. À primeira vista, entre dois casais, um ligado pelos laços sagrados do matrimônio, outro unido pela violência de uma paixão impura, quem poderá discernir o legítimo do ilegítimo? Mas, por causa disso, iremos negar a existência da realidade do matrimônio só porque não nos atinge imediatamente os sentidos? Então seríamos indignos materialistas, incapazes, por isso mesmo, de verdadeira afeição, vivendo apenas para o que é sensível e grosseiro.

Portanto, foi muito lamentável que tal filme tivesse sido escolhido para iniciar a “Semana da Bondade”, campanha em favor da infância desvalida, que há pouco se desenvolveu entre nós. Tem-se a impressão que os promotores da “Semana” endossam os mesmos princípios deletérios propugnados pelo filme, e este ponto não deve ficar obscuro.

Quanto a nós, fiéis católicos, olhemos mais para o alto, compreendendo que nesta vida terrena, incumbe-nos completar em nossos corpos a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e só isso importa verdadeiramente.


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