Plinio Corrêa de Oliveira
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Legionário, 8 de março de 1942, N. 495, pag. 2 |
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Num de seus [escritos no livro] “Ecos de Paris”, Eça de Queiroz refere a agitação que empolgava os cocheiros de praça da cidade-luz, no último quartel do século passado. Estes cocheiros estavam em plena maré de reivindicações, e começavam a tomar atitudes, que inquietavam o público e a administração parisiense. O assunto se tornou palpitante, e a celeuma não tardou a surgir. Ao que parece, entretanto, as reivindicações não eram formuladas com a nitidez desejável, e daí decorriam, naturalmente, opiniões confusas e discussões disparatadas. Eça de Queiroz, porém, achou que o assunto era, no fundo, de uma simplicidade meridiana. Para ele o que os cocheiros pretendiam, na realidade, era apenas isto: tornarem-se funcionários públicos, com vencimentos fixos, e demais vantagens que o Estado costumava conceder a seus servidores. E o renomado escritor se comprazia, então, a imaginar o que aconteceria caso se concretizasse a aspiração dos cocheiros parisienses. Quando alguém, premido pela urgência ou pelo mau tempo, precisasse de um carro, não mandaria um recado ao estacionamento mais próximo ou acenaria ao primeiro veículo vago, que passasse. A coisa seria muito mais solene: o cidadão redigiria uma petição endereçada ao chefe de secção competente, e devidamente estampilhada, na forma da lei. Esta petição percorreria os canais competentes, seria devidamente informada, e, por fim, seria despachada. Sendo deferida, poderia então o requerente fazer uso de um veículo. “Mutatis mutandis”, as idéias que o sr. Moacir Navarro defendeu há pouco, em conferência pronunciada na Associação Paulista de Medicina, à cerca da situação dos médicos no Brasil, são impressionantemente semelhantes às que propugnaram os cocheiros de Paris. O ilustre conferencista acha que todos os médicos devem ser funcionários públicos, e que o exercício da medicina deve ser função primordial e exclusiva do Estado, pois que ao Estado está afeito o destino biológico e cultural da raça. Ora, se isto se tornar realidade, o ato tão simples de chamar um médico irá transformar-se na maior complicação deste mundo. O paciente deverá encaminhar o seu requerimento que, autuado e processado, irá receber todos os condimentos regulamentares de que é fértil a burocracia. E quando o processo chegar a seu termo, será muito provável que a natureza, por bem ou por mal, já tenha resolvido o incidente. Isto na melhor das hipóteses. Porque bem poderá acontecer que a medicina, arvorada em serviço público, se ponha a cuidar, “sponte sua”, do “destino biológico e cultural da raça”. E assim todo o povo, convertido num imenso rebanho, deverá sofrer, queira ou não queira, os tratamentos ditatoriais dos esculápios públicos. Que Deus nos livre! |