Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
Stefan Zweig

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 1° de março de 1942, N. 494, pag. 2

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Durante algum tempo, há uns sete anos mais ou menos, Stefan Zweig foi o escritor mais lido, mais estimado, mais comentado, pelo menos entre nós. Depois, é preciso reconhecer, a sua influência declinou; porém, a sua vinda ao Brasil e o livro que escreveu sobre o nosso país vieram reavivar entusiasmos, que jaziam adormecidos, e quiçá quase extintos, abafados pelas preocupações da última moda. Agora, o súbito e violento desenlace de sua vida lhe está acarretando a estupefata admiração dos sentimentalismos românticos.

O entusiasmo de nosso povo é de fácil combustão. Por isso, Zweig está sendo considerado, está sendo admirado, está mesmo sendo tratado como uma espécie de herói. O suicídio do grande escritor é, realmente, um fato doloroso, digno de contristar os corações bem formados. Mas isto por uma razão muito diversa da que pela qual se andam contristando os corações por aí. Em geral, o que se está vendo em Zweig é a tragédia de um homem que enfrenta um destino adverso, e acaba sendo esmagado por forças incomensuráveis; e assim, chora-se sobre ele, como se chora sobre o corpo do guerreiro, caído no campo de batalha. Não, o caso de Zweig é muito diferente. O seu caso é triste, sim, mas por ser deplorável.

Stefan Zweig representou na literatura uma certa corrente do pensamento, moderna por vários títulos, que dá preferência decidida às paixões sobre a inteligência, e vê no homem certos impulsos profundos e misteriosos que, em circunstâncias especiais, irrompem violentamente pela vida, tal como decorria placidamente, segundo princípios racionais, e lhe mudam inesperadamente o curso.

Assim, haveria no homem duas vidas, uma superficial, arquitetada artificialmente pela razão; outra profunda, real, verdadeiramente original; sendo que esta vida profunda está habitualmente sufocada pela vida artificial, mas, em certos períodos críticos, arrebenta os diques e destrói o castelo de cartas engenhosamente maquinado pela razão. Estas idéias deletérias, porque menosprezam a importância dos princípios racionais na direção da vida, formam o âmago da obra de Zweig, que as apresenta, embora sem o radicalismo de Thomas Mann, contudo com a sedução insuperável de uma sagaz análise psicológica, e com a tirania de um estilo envolvente, que domina o leitor.

Esta ideologia, entretanto, que foi o sucesso de Zweig, foi também a sua ruína. Quando se viu só, mesquinho e fraco entre a desgraça que o assoberbava, não encontrou em si nenhum apoio interior. E este velho cansado, privado de seus objetos de arte, prevendo a perda de todos os seus bens, cessada a fantasmagoria de um mundo que fora a sua glória, vê-se frente a frente na sua miséria. E então percebe - são palavras textuais suas - que não tem energias para recompor a sua vida. Perde a confiança em tudo, em todos e em si mesmo, desespera-se, amedronta-se, foge, suicida-se. E com este ato confessa a inanidade de toda a sua vida, tira-lhe mesmo algum sentido que ela pudesse ter tido: é uma declaração clamorosa de falência. Poderá haver maior fracasso?

Mas que pensar de uma ideologia que, quando provada experimentalmente, chega a tal resultado?


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