Plinio Corrêa de Oliveira

 

Um remédio que agravará o mal

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 8 de fevereiro de 1942, N. 491

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Aprofundemos ligeiramente os conceitos que acerca de uma reorganização internacional de pós-guerra no último número expendíamos.

Como já mostramos, não é na formação de vastas federações internacionais de caráter racista - federação dos povos anglo-saxônicos, ibéricos etc., etc. - que a sociedade futura encontrará uma segurança que a Liga das Nações não lhe soube dar depois de 1918. Não nos iludamos. A Liga das Nações teve, certamente, gravíssimos defeitos de estrutura. Entretanto, esses defeitos seriam superáveis se a Liga não padecesse, além disto, de um mal mais profundo que não afetava sua estrutura, mas sua própria alma, isto é, a laicidade.

A ordem internacional tem de se basear necessariamente no amor do próximo. Enquanto os povos não se amarem, não souberem pôr um freio a suas ambições ilegítimas e suas vaidades nacionais, não haverá ordem internacional. E como o amor do próximo não é uma dessas insípidas e vagas ficções [...], mas uma realidade vivaz e profunda que brota do amor de Deus; como não é possível ter verdadeiro amor de Deus quem não ama a Nosso Senhor Jesus Cristo; e como não pode amar verdadeiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo quem não está na Igreja Católica, enquanto a Igreja não for reconhecida como a base do edifício internacional, a alma das relações entre os povos e a guardiã de toda a moral, não poderá haver na esfera internacional, para os povos, paz verdadeira.

Em outros termos, ou o mundo se converte e reproduz fielmente a visão agostiniana da Civitas Dei, em que cada povo leva o amor de Deus a ponto de renunciar a tudo quanto lese aos outros povos; ou, pelo contrário, o mundo será aquela cidade do demônio, em que todos levam o amor de si mesmos a ponto de se esquecer de Deus, calcar aos pés a moral, e fazer da violação dos direitos dos povos fracos a norma habitual de sua conduta.

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De todas as fases em que se divide a História, foi sem dúvida a Idade Média aquela que mais se aproximou da realização perfeita de uma civilização católica.

Na esfera internacional, o conceito dominante era de "Cristandade". Esse conceito político tem os mais sólidos fundamentos teológicos, e se baseia na doutrina do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, no qual nos inserimos por meio do santo Batismo. Toda a tendência dos melhores doutrinadores consistia em reconhecer ao todo homogêneo formado pelos povos católicos, um só chefe espiritual, o Papa, e um só chefe temporal, o Imperador. Assim, obedientes a uma só doutrina, a um só pensamento, aos preceitos de uma só civilização - a católica - esses povos estavam sujeitos ao veredictum paternalmente imparcial de um só juiz, o Papa; e coordenados em sua ação pelo manto de um só monarca supremo, o Imperador.

A pseudo-reforma protestante rompeu essa maravilhosa unidade, e retirou da alçada do tribunal internacional, que era o Papado, numerosos povos. Rompido o elo de subordinação entre o Pai comum e tantos filhos rebeldes, evaporou-se das relações internacionais, de modo completo, o ambiente de família. E, à ordem cristã baseada no amor fraterno, se substituiu uma ordem baseada na desconfiança e no ódio: é a famosa "política do equilíbrio".

Nascer do ódio, significa nascer do mal, nascer do pecado, nascer do fracasso. E, de fato, o pecado, o fracasso e o mal foram as três raízes mais profundas e mais ativas da nova ordem de coisas.

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No que consiste a nefanda "política do equilíbrio" praticada no mundo desde o século XVI?

Já que o amor, a moral, a dignidade não mais atuavam na vida dos povos, era preciso substituir esses elementos de tranquilidade por outros. Onde encontrá-los? O que o amor não realiza, só o medo pode tentar de empreender. Assim, planejou-se dividir a Europa em dois grandes blocos de potências aliadas entre si. Cada um destes blocos seria suficientemente forte para conter o outro. Do medo recíproco, nasceria a paz...

Difícil seria encontrar utopia mais vã. Constituídos os dois famosos "blocos", cada qual procurou atrair a si o maior número possível de aliados, quer aliciando por promessas e ameaças a solidariedade de povos naturalmente alheios a essa infernal rivalidade diplomática, quer ainda desarticulando as alianças do bloco adversário, de sorte a obter o enfraquecimento da coligação das potências rivais.

Daí o transformar-se a vida diplomática em estéril e serpentina luta de artimanhas, desfazendo-se hoje os frutos obtidos ontem pelo adversário, e correndo-se o risco, amanhã, de se perder o fruto alcançado hoje. Tanta precariedade de resultados obtidos com tanto esforço, criava no espírito de todos os estadistas a preocupação obsedante de aproveitar a primeira conjunção de circunstâncias felizes, a fim de vibrar contra o adversário um golpe decisivo que aniquilasse irreparavelmente seu poder, e assim, substituísse ao infernal equilíbrio anterior, a plácida e despreocupada ditadura do vencedor sobre o vencido.

Tudo quanto dissemos poderia ser observado claramente se examinássemos as lutas tradicionais entre a França e a Casa d’Áustria, e o "jogo de pêndulo" da Inglaterra e dos pequenos países italianos. Essa luta mudou de aspecto sob Luiz XV, com o famoso Renversement des aliances, selado pelo casamento do futuro Luiz XVI com a arquiduquesa Maria Antonieta Habsburg. Já não era a Áustria que lutava contra a França, mas Áustria e França que se coligavam contra a Prússia e Inglaterra. Mudado o agrupamento dos parceiros, o jogo continuava sempre o mesmo, e de guerra em guerra, a miserável "política do equilíbrio" caminhou para os desastres de Sadowa e Sedan, de que decorreu a formação de dois outros grupos de potências, desta vez mais fortes, mais equilibrados, mais extensos em suas ramificações internacionais do que jamais haviam sido as coligações anteriores.

França, Rússia, Inglaterra, de um lado. Alemanha e Áustria de outro, constituíram os dois polos de atração de todas as potências antes de 1914. E precisamente porque os cânones da "política de equilíbrio" foram bem observados, e as forças dos contendores eram iguais, longuíssima foi a guerra. Por outro lado, porque haviam sido extensas as alianças, extensíssimo foi o conflito.

Se o assassínio de um príncipe austríaco na Sérvia, deflagrou lutas em quase todos os continentes, é porque esse rastilho de fogo correu sobre os canais de pólvora tentaculares em que a "política de equilíbrio" tentou e conseguiu envolver o mundo. E a vitória de 1918 não representou senão a esperança falaciosa de romper definitivamente esse equilíbrio perigoso, substituindo-lhe o domínio ditatorial, e sob muitos aspectos cruel, dos vencedores sobre os vencidos.

Para resumir tudo em uma só palavra, a "política de equilíbrio" só serviu para conduzir o mundo a conflagrações cada vez mais longas e maiores. Se aos primitivos grupos de estados, suceder na ordem internacional a formação de vastas federações raciais, e se a "política de equilíbrio" não for mais realizada por grupos de nações, mas por vastas federações continentais ou transoceânicas, coligadas umas contra as outras, a famosa "política de equilíbrio" produzirá frutos tão vastos, tão amargos e tão prolongados, que os conflitos daí provenientes serão a imagem fiel das conflagrações universais, no sentido mais estrito da palavra, que a Escritura aponta como um dos sinais precursores do fim do mundo, e do domínio das potências das trevas sob o cetro de feno e de lodo do filho da iniquidade.


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