Plinio Corrêa de Oliveira
Comentando...
Legionário, 26 de outubro de 1941, N. 476, pag. 2 |
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É muito comum apelar-se para o juízo da História, quando se desespera de ver reconhecidos, no presente, os méritos e os verdadeiros valores. Entretanto, é preciso considerar que esta última e derradeira instância, para a qual se costuma recorrer, é muitas vezes bastante precária, e esperar nela é quase tão temerário quanto sacar contra o futuro. Entre nós, por exemplo, o juízo histórico tem sido no mais das vezes sem discernimento, e costuma falhar por um excesso de louvores e panegíricos, pois se tem sido muito tardo no condenar e muito precipitado no enaltecer. Não há personagem de nossa História que não tenha sido elogiado e celebrado, e até o próprio Calabar já foi objeto de uma tentativa de reabilitação. O mais interessante, contudo, é que estes personagens, assim superabudantemente incensados, frequentes vezes defenderam causas adversas e radicalmente inconciliáveis entre si. Entretanto, o louvor a uma não implica em desdouro a outra, na intenção dos que o fazem. É assim que os que pretenderam, ainda há alguns anos, celebrar a dominação holandesa no Brasil, não tinham a intenção de desmerecer os heróis da resistência pernambucana, e não foi necessário pequeno esforço para demonstrar que esta seria a consequência lógica, e que, por conseguinte, a celebração não devia ser levada a efeito. Francamente isto é ir bem mais longe do que M. Jourdain [personagem principal da famosa peça teatral “Le bourgeois gentilhomme », composta por Molière, n.d.c.], que afinal, sempre acabou por reconhecer que “tout ce qui n'est point prose est vers; et tout ce qui n'est point vers est prose”. Agora se fala na publicação oficial das obras completas de Rui Barbosa. Preferíamos que se falasse na publicação das obras incompletas, pois é de se esperar que “O Papa e o Concilio”, por exemplo, não seja dado a lume. As idéias desta obra estão em completo desacordo com o modo de pensar adotado definitivamente por Rui Barbosa, que a repudiou formalmente. Ora, se o mestre se penitenciou e se arrependeu de haver apresentado ao público tal livro, não é justo, não é razoável, não é elegante que, após a sua morte, se continue a reimprimí-lo. Isto é o que se poderia chamar uma violência, em todo o sentido da palavra. Se no pensamento de Rui Barbosa podemos distinguir duas fases distintas e contrárias, uma não católica, e outra católica, de duas uma: ou se esposa a primeira, e se rejeita “ipso facto” a segunda, ou se fica com esta e se rejeita aquela. Outra substituição não é possível. Neste assunto, mais do que em qualquer outro, se aplica inelutavelmente o raciocínio de M. Jourdain. |