Plinio Corrêa de Oliveira
Lobos e ovelhas
Legionário, 5 de outubro de 1941, N. 473 |
|
Nos artigos anteriores acentuamos os graves inconvenientes a que muitos católicos expõem a Igreja, cancelando inteiramente de seus processos de ação quaisquer manifestações de energia. Resumindo em duas palavras a doutrina que vimos sustentando, lembraremos apenas a nossos leitores que o Evangelho contém, a respeito de apostolado, duas parábolas de máxima importância, nenhuma das quais deve ser esquecida em benefício da outra. Nosso Senhor fala em ovelhas perdidas e em lobos com pele de ovelha. Quem visse nas ovelhas desgarradas do redil apenas lobos vorazes disfarçados com a pele de suas vítimas não poderia, evidentemente, ser o bom pastor que vai ao longe, enfrentando perigos e desprezando fadigas, salvar a ovelha perdida. Que dizer, entretanto, do católico que, até o contrário, vencendo obstáculos sem conta, desce ao fundo do abismo, com perigo para si mesmo, e ali recolhe carinhosamente um lobo astuto, afagando-lhe com meiguice a fingida pele de carneiro; que abrisse triunfante com sua “conquista” as portas do redil, soltasse ali o fruto de seu caridoso apostolado, e, depois de um prolongado e terno olhar para o gáudio com que a nova “ovelhinha” se encontrava em “confraternização” com as demais, fosse dormir sobre os louros de tão brilhante feito? É evidente que qualquer católico leigo que queira proceder com prudência deve preferir a introduzir um lobo no aprisco do Bom Pastor, correr o risco de deixar de fora alguma ovelha inocente. O conselho parece cruel? E, porventura, não será ainda mais cruel expor a risco grave e real todo o aprisco? Costuma-se repetir com muita razão que há mais alegria no Céu por um pecador que se converte do que por cem justos que perseveram. Mas esta afirmação do Evangelho não pode deixar de ser considerada em conjunto com as tremendas ameaças com que Nosso Senhor fulmina aqueles que, de qualquer maneira, concorrem para a perdição das almas, que já se encontravam no caminho da virtude. Ao indivíduo que por imperícia, consciente ou inconscientemente culposa, abrisse o redil ao lobo mascarado de ovelha, se aplicaria com toda a propriedade a expressão de Nosso Senhor: “Melhor seria para ele que lhe atassem uma pedra de mó no pescoço e o atirassem ao fundo do mar”. E não lhe valeria como escusa o ter agido por excesso de zelo no temor de sacrificar uma ovelha possivelmente inocente. No Céu há realmente mais alegria por um pecador que faz penitência do que por noventa e nove justos que perseveram. Mas, por isto mesmo, precisamente porque passar do pecado ao estado de graça é a maior das venturas, decair deste estado para o de pecado é desventura não menor. Logo, não se poderia pretender que a conversão de uma alma recompense a Nosso Senhor os riscos que com isso se faça correr a outra alma. Pensar de modo diverso seria blasfemar contra Deus, atribuindo-lhe maldade por dois títulos: a) supondo que a Providência não dispusesse outros meios para a salvação da ovelha inocente sacrificada pela razoável prudência do pastor avisado; b) imaginando que Deus dispõe das almas como um jogador de roleta dispõe de suas moedas, e de bom grado se expõe ao risco de perder uma delas a fim de ganhar, se bem sucedido, duas, dez ou cem. Preconizar tais aventuras apostólicas é entrar em conflito com a economia da Providência. E ninguém ignora o que sucede a quem zomba da Providência de Deus. É curioso que em uma época de cavilosas maquinações, em consequência das quais países inteiros têm desabado como que devorados pelo caruncho de conspirações a modo de quinta coluna; em uma época em que as heresias procuram disfarçar-se com rótulo cristão, (...) inimigos ainda mil vezes mais perigosos, como o nazismo, tomam ares de sacristão para melhor iludir os fiéis; é precisamente nesta época que, em certos círculos católicos, ganha terreno um otimismo ingênuo e eufórico, para o qual toda a malícia do mundo contemporâneo, toda a corrupção, toda lascívia, todo desbragado egoísmo de nossa sociedade contemporânea, da qual Pio XI escreveu que está na iminência de se tornar pior do que era antes de Nosso Senhor; que tudo isso não passa de um equívoco. E de um equívoco tão tênue que com uma meia dúzia de sorrisos este mundo será o melhor dos mundos. O paganismo antigo foi vencido pelas preces dos eremitas, pelo sangue dos mártires e pelos suores dos evangelizadores. Lendo-se, entretanto, certos tratados de Ação Católica, tem-se a impressão de que o mundo moderno pode ser regenerado com os simples sorrisos desses novos apóstolos, mais felizes do que Orfeu, pois que nem sequer precisam de flauta para amansar as feras. Perdoem-nos certos confrades no apostolado, disseminados um pouco por toda a parte neste imenso Brasil e para os quais escrevemos este artigo, se nesta última comparação entrou alguma ironia, aliás muito explicável, na pena de quem está escrevendo depois de todo um dia de afanoso trabalho. Mas causa-me horror verificar uma certa maré montante de ingenuidade, que diariamente produz as mais novas e variadas manifestações e ganha dia a dia mais terreno. Lembrem-se estes amigos, a quem tanto amo em Nosso Senhor, que o apóstolo leigo que não tiver desenvolvido todos os seus recursos a fim de precaver contra os lobos as ovelhas do Bom Pastor não poderá no leito de morte fazer a sublime oração de Nosso Senhor: “Meu Pai, dou-Vos graças porque, daqueles que me destes, a nenhum perdi”. |