Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
O despovoamento dos campos

 

 

 

 

 

 

Legionário, 28 de setembro de 1941, N. 472, pag. 2

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Ainda há pouco tempo, ao comentar o auxílio concedido pelo Governo Federal a alguns descendentes de Caxias, dizíamos que, embora tal concessão fosse coisa em si mesma muito louvável, contudo seria mil vezes preferível que os descendentes do famoso soldado gozassem de uma tal situação, que nenhum auxílio fosse necessário. Assinalamos, então, e lamentamos, a instabilidade que tem caracterizado a evolução social e histórica do Brasil, de maneira que a nossa experiência como povo, já muitas vezes secular, não criou nenhum valor definitivo, a não ser alguns objetos que se acham nos museus. Assim, continuamos a ser um povo desarraigado, e sem tradições vivas, como se a nossa fundação datasse de ontem, pois tudo o que uma geração conseguiu realizar é dispersado em pouco tempo, e a nova geração sempre tem de começar tudo de novo. E, por isso, a fórmula da cultura e da civilização brasileira tem sido esta: um perpétuo recomeçar, e todo o nosso progresso veio de fora, como por osmose.

Agora, alarma-se a imprensa com o despovoamento das roças, no interior de São Paulo. Os mais recentes dados do último recenseamento, que já foram publicados, provam, inexcusavelmente, que as nossas populações estão abandonando, em massa, as zonas rurais paulistas e dirigem-se ou para as cidades, ou para o Norte do Paraná.

Várias são as causas apontadas como responsáveis pelo funesto fenômeno, algumas verdadeiras, outras meramente hipotéticas. Entre as primeiras, alinha-se em primeira plana, incontestavelmente, a desigualdade de tratamento das populações rurais e urbanas, por parte dos poderes públicos, que só distribuem as vantagens a estas últimas, deixando exclusivamente os ônus às primeiras. E, assim, presenciamos ao paradoxo de, num país cuja vida repousa na agricultura, ser a agricultura o pior negócio possível. Por isso, as populações abandonam as zonas rurais, onde não há higiene, nem escolas, nem estradas que prestem, e onde o que produzem é implacavelmente sugado pelos impostas, pelos transportes, pelos intermediários e pela agiotagem, de tal forma que elas se veem condenadas a uma perpétua miserabilidade, a fim de procurarem as cidades, onde se lhes abrem melhores perspectivas; ou então, o Norte do Paraná, onde a miragem de uma abundância sem limites lhes dá a esperança de que, depois de fartas as referidas sanguessugas, ainda lhes sobre o suficiente para viver numa abastança razoável.

Esta causa, porém, não é a mais profunda, embora seja um reflexo imediato dela. O que há no fundo do despovoamento dos campos é ainda e sempre aquela instabilidade da evolução brasileira, que, já por mais de uma vez, tem produzido, após o brilho fugaz e fulgurante da civilização, a decrepitude do deserto em regiões inteiras do País. É esta instabilidade, infelizmente favorecida pelas nossas instituições, pelos nossos costumes privados e públicos, que impede a formação entre nós desta simbiose harmoniosa e estável entre o homem e o meio que caracteriza as verdadeiras civilizações. E é esta instabilidade que vem truncando a nossa história, impedindo a sua continuidade vital, e fazendo com que a maioria do povo brasileiro viva em sua própria pátria não como donos, mas como hóspedes.


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